1. Portas que se abrem
Se alguém me dissesse, há algumas semanas, que eu estaria aqui — diante de uma casa enorme, cercada por um jardim impecável e flores que pareciam saídas de uma revista — eu teria rido. Daquelas risadas tristes, de quem já perdeu muita coisa para acreditar em sorte.
Mas ali estava eu. Com uma mochila gasta nas costas, um vestido simples e o coração acelerado.
Meu nome é Lívia, tenho 21 anos e até aquele momento, eu era apenas mais uma entre tantas tentando sobreviver. Cresci em bairros apertados, entre buzinas, contas atrasadas e silêncios dolorosos. Nunca tive muito, mas o pouco me ensinou a valorizar tudo.
A campainha era dourada. Hesitei antes de tocar.
E quando a porta se abriu… tudo parou por um instante.
Ele.
O homem que mudaria minha vida.
Era alto. Imponente. Usava uma camisa cinza clara dobrada até os cotovelos, e os cabelos escuros estavam levemente bagunçados. Mas o que mais me prendeu foi o olhar — um olhar profundo, cansado, bonito demais para esse mundo.
Ele parecia uma estátua viva: forte, firme... e ao mesmo tempo, quebrado por dentro.
— Lívia? — a voz dele soou baixa, mas firme.
Assenti, meio sem voz.
— Entre. A babá anterior saiu de repente. Preciso de alguém que fique com meus filhos o dia todo.
Ele se virou, e eu o segui.
O interior da casa era lindo e silencioso. Grande demais. Frio demais. A dor da ausência preenchia cada canto.
Na sala, uma garotinha me observava escondida atrás do sofá.
— Essa é a Ana Clara, tem 10 anos. — ele disse, com um tom mais gentil. — E a bebê está dormindo no quarto. Se chama Helena.
Tentei sorrir para a menina. Ela só me olhou. Curiosa. Desconfiada.
Eu entendia. Eu era uma estranha ali. Uma intrusa no mundo deles.
— A bebê precisa de cuidados constantes. Ana é mais independente, mas... — ele fez uma pausa, respirando fundo. — Está sendo difícil para ela. E para mim.
Havia algo no modo como ele falou. Um nó preso na garganta.
Percebi, de relance, uma foto sobre a estante: ele, sorridente, ao lado de uma mulher grávida. Ela tinha olhos doces e cabelos escuros. Helena nunca conheceu a mãe.
— Sinto muito. — murmurei.
Ele não respondeu. Apenas assentiu com a cabeça, como quem já ouviu aquilo mil vezes.
Depois de me mostrar os cômodos principais e me explicar a rotina da casa, ele se afastou, dizendo que precisava trabalhar no escritório.
Fiquei sozinha com Ana. Tentei puxar conversa, mas ela não falava muito. Apenas me observava de canto, como se estivesse me testando.
Talvez estivesse mesmo.
E eu não a culpo.
Subi até o quarto da bebê. E quando vi aquele pequeno corpo, tão frágil e sereno, senti algo dentro de mim amolecer.
Helena dormia com os punhos fechados e a boca entreaberta.
Toquei suavemente seu cobertor.
Naquele momento, entendi que aquele trabalho era mais do que um emprego. Era uma chance. Uma porta. Um recomeço.
**
Mais tarde, quando já estava quase anoitecendo, fui até a cozinha preparar uma mamadeira. Não esperava encontrar o Senhor Gael lá, encostado na bancada, com uma xícara de café nas mãos.
— Está se saindo bem. — ele comentou, sem olhar diretamente para mim.
— Obrigada.
O silêncio voltou, denso. Mas não desconfortável.
— Como soube da vaga? — ele perguntou.
— Uma senhora da paróquia onde ajudo. Ela ouviu dizer que o senhor precisava de alguém... e me indicou. Eu... precisava muito de algo fixo. — respondi, meio sem jeito.
Ele assentiu novamente.
— Não gosto de trocas constantes. As meninas precisam de estabilidade.
Entendi o recado.
E mais do que isso: eu queria ficar.
**
Naquela noite, voltei para o pequeno quarto que me haviam destinado no andar de cima, próximo ao quarto da bebê. Sentei na cama e deixei o corpo relaxar. Era simples, mas acolhedor.
Na parede, pendurei minha única foto: eu e minha mãe, ainda pequena, sorrindo num banco de praça.
Fechei os olhos e pensei: será que aquele homem fechado e solitário um dia sorriria de novo?
Eu não sabia.
Mas de alguma forma estranha, eu queria descobrir.