Alexander

Alexander Narrando

O dia amanheceu cinza, pesado, com aquele tipo de silêncio que já avisa que nada vai dar certo. Acordei com a claridade atravessando as frestas da cortina, mas o que me despertou de verdade foi a voz da minha mãe, chamando meu nome com a calma que só ela tem.

— Alex — ela disse, entrando no quarto junto com o enfermeiro. — A Norah não apareceu.

Abri os olhos devagar, ainda meio grogue do remédio da noite.

— Como assim, não apareceu?

— Não ligou, não mandou mensagem, nada. Tentei o número dela, o doutor Washington também, mas o telefone só cai na caixa postal. — Ela cruzou os braços, claramente preocupada. — Você disse alguma coisa pra ela ontem?

Olhei pra minha mãe por um segundo, depois desviei o olhar, irritado.

— Ela não passa de uma incompetente.

O enfermeiro, que estava em pé no canto do quarto, levantou os olhos pra mim.

— O que foi? — perguntei, ríspido. — Tá me olhando por quê? Me ajuda logo a sentar nessa cadeira.

Ele se aproximou, em silêncio, e me ajudou a me levantar com cuidado. Eu odiava aquela sensação de fraqueza. Me sentia um velho, preso num corpo que já não respondia a nada. As pernas, atrofiadas, doíam como se cada músculo gritasse pra acordar. Quando finalmente me acomodou na cadeira, empurrei as rodas sozinho até o banheiro e tranquei a porta.

Fiquei um tempo encarando o espelho. O reflexo me devolvia um homem que eu quase não reconhecia: barba por fazer, olheiras profundas, o olhar perdido de quem já desistiu de lutar. Entrei no chuveiro, deixei a água quente cair sobre minha cabeça e fechei os olhos. Foi impossível não lembrar da Norah.

Lembrei da forma como ela me olhou ontem, antes de sair, aquele olhar firme, desafiador, como se ela enxergasse além da casca de amargura que eu construí. Eu a tratei mal. Fui grosso, arrogante, insuportável. Tudo porque não aguentava admitir que ela estava certa: eu preciso de ajuda. E agora, ela não veio.

Um aperto no peito me pegou de surpresa. Era quase físico, como se faltasse ar. Encostei a testa no azulejo frio e deixei a água cair, tentando engolir o nó na garganta. Que merda eu fiz?

Quando terminei o banho, o enfermeiro bateu na porta.

— Senhor Alexander, posso entrar?

— Entra logo.

Ele me ajudou a me vestir, sem dizer uma palavra. Eu percebia o constrangimento dele, como se tivesse medo de me contrariar. Quando me ajeitou de volta na cadeira, minha mãe voltou pro quarto, com o celular na mão.

— Seu tio Stefano acabou de chegar. Veio te visitar com a esposa. — Ela sorriu, tentando parecer animada.

Suspirei alto. — Ótimo, exatamente o que eu precisava.

Minutos depois, a porta se abriu e Stefano entrou, acompanhado da mulher dele, uma loira que parecia saída de uma revista. Os dois traziam aquele ar de quem sente pena, e isso me deu nojo.

— Alex — ele começou, com um sorriso amarelo. — Meu rapaz, que bom te ver acordado.

— É — respondi, seco. — Um milagre, né?

A mulher dele se aproximou, abaixando o tom de voz.

— Estamos tão felizes por você estar melhorando.

Olhei pra ela e soltei um riso curto, sem humor.

— Melhorando? Você acha mesmo que isso aqui é melhora? — Apontei pras minhas pernas. — Me poupe.

Stefano pigarreou, desconfortável.

— Você vai voltar a andar, Alex. Tem que ter fé.

Revirei os olhos.

— Fé não põe o corpo pra funcionar.

Minha mãe tentou intervir:

— Alexander, por favor…

— Não, mãe. — Falei mais alto. — Eu não preciso que ninguém entre aqui pra sentir dó de mim. Vão embora. Os dois.

A mulher dele ficou sem graça, e Stefano segurou o braço dela, murmurando algo que não me importei em ouvir. Saíram calados.

O resto do dia foi um inferno. Enfermeiro, ligações, pessoas do meio querendo me visitar, jornalistas tentando marcar entrevistas. Todos querendo ver o homem que voltou da morte, Alexander William. Eu recusei tudo. Não queria olhares de pena nem perguntas idiotas.

No fim da tarde, minha mãe voltou pro quarto com o semblante cansado.

— Você precisa comer algo — disse, colocando uma bandeja na mesinha.

— Não tô com fome. — Cruzei os braços e fiquei olhando pela janela.

Ela suspirou, se aproximando.

— Alex, me escuta, Você não pode continuar assim. Eu sei que é difícil, mas você precisa reagir.

— Reagir? — ri, irônico. — Reagir pra quê, mãe? Pra viver isso aqui? — Apontei pra cadeira. — Pra depender dos outros até pra tomar banho? Não quero isso.

— E o que você quer, então?

Fiquei em silêncio por alguns segundos, olhando o céu que escurecia lá fora.

— Quero ir pra fazenda. Hoje.

— O quê? — Ela me olhou surpresa. — Sozinho?

— Fala com o Nico e prepara o helicóptero. Quero sair daqui ainda hoje.

— Eu vou com você.

Balancei a cabeça.

— Não.

— Alexander, não vou deixar você sozinho nesse estado!

— Eu não tô pedindo, mãe. Eu tô apenas comunicando. — Falei firme, olhando direto pra ela. — Eu preciso ficar longe daqui.

Ela cruzou os braços, respirando fundo.

— Pelo menos deixa o enfermeiro ir com você. E uma empregada.

— Que seja. — Virei o rosto.

Ela assentiu devagar, com os olhos marejados.

— Tudo bem. Vou arrumar tudo.

Quando ela saiu, o quarto ficou em silêncio de novo. O mesmo silêncio que me acompanhava desde o dia em que acordei do coma. Eu me sentia preso, inútil, um pedaço de carne respirando sem motivo.

Pensei na Norah. Onde ela estaria? Será que desistiu de mim? Ou só precisava de um tempo longe do idiota que eu fui?

Olhei pro teto e fechei os olhos, tentando afastar o arrependimento, mas era inútil. As palavras que eu disse pra ela ecoavam na minha cabeça como uma maldição. “Incompetente.” Ela não merecia isso. Nenhum profissional merece ser tratado assim, muito menos alguém como ela.

Naquela noite, o helicóptero já me esperava no heliponto. O enfermeiro ajeitou minhas coisas, e minha mãe me deu um beijo na testa antes de me deixar ir.

— Cuida dele — ela disse ao enfermeiro, com a voz embargada.

— Sim, senhora.

Me colocaram no helicóptero e encarei as luzes da cidade ficando pequenas lá embaixo. Era estranho. Eu estava indo embora como um fugitivo da própria vida.

Fechei os olhos e me deixei levar pelo barulho das hélices. No fundo, eu sabia que estava fugindo. Mas sem a certeza de que conseguiria de verdade.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP