Mundo de ficçãoIniciar sessãoAlexander Narrando
Acordei com o som dos aparelhos apitando e um gosto amargo na boca. O teto branco e a luz forte me deixaram tonto. Tentei me mexer, mas nada aconteceu. Meus braços pesavam, minhas pernas, não respondiam. Tentei levantar, mas só senti o corpo travado e uma dor sufocante no peito. — Calma, Alexander — ouvi uma voz masculina. — Onde tá minha esposa? — perguntei, com a voz rouca. Foi aí que me lembrei, que ontem acordei do Coma, e tive a notícia. — Sinto muito — O médico respondeu. Foi como se o mundo tivesse desabado em cima de mim novamente. Fechei os olhos e desejei não acordar nunca mais. Nos dias seguintes, vivi um pesadelo consciente. exames, remédios, enfermeiros entrando e saindo. Ouvi conversas baixas, minha mãe chorando no canto, meu pai tentando ser forte. Eu não queria ver ninguém. — Ele precisa de força, mãe — disse Nico. — Como é que ele vai ter força depois de tudo isso? — respondeu ela, com a voz embargada. Fiquei semanas na UTI. Os médicos entravam e saíam, falando sobre “danos na coluna”, “limitações motoras”, “reabilitação”. Palavras frias, técnicas, distantes da minha dor. Quando finalmente me tiraram da UTI, eu já sabia: não voltaria a andar. O médico foi direto: — Alexander, a lesão é irreversível. Você vai precisar se adaptar a uma nova rotina. Olhei pra ele com raiva. — Nova rotina? Você tá me dizendo que o resto da minha vida vai ser sentado em uma maldita cadeira de rodas? — Eu sei que é difícil, mas há alternativas. Fisioterapia, exercícios, tratamentos que podem amenizar, as dores, desconfortos que venha sentir. — Eu não quero nada! — gritei. — Eu não quero ajuda, não quero tratamento, não quero viver. Ele suspirou e passou um cartão pra minha mãe. — Essa é uma fisioterapeuta de confiança, já acompanhou vários pacientes. Quando ele estiver pronto, pode ligar pra ela. “Quando eu estiver pronto.” Eu nunca vou estar. Recebi alta duas semanas depois. Entrar naquele carro foi humilhante. Me carregaram como se eu fosse uma criança quebrada. O trajeto até em casa pareceu interminável. Quando chegamos, Nico abriu a porta e falou: — Calma, mano. Você vai se adaptar. Ele me levantou com cuidado e me colocou na maldita cadeira de rodas. Senti o corpo pesar ainda mais. Isso não é vida. É castigo. Minha mãe apareceu na porta, enxugando as lágrimas. — Filho, já arrumei seu quarto, deixei tudo pronto. Assenti em silêncio. Ela continuou: — Pensei, se você quiser, posso guardar as coisas da Júlia. Talvez te ajude a... — Não! — interrompi, firme. — Ninguém toca nas coisas da minha mulher. Entendeu? Ninguém. Ela tentou argumentar, mas ergui a mão. — Mãe, por favor, me deixa sozinho. A cadeira era automática, mas eu não fazia ideia de como manusear. Tentei me mover, bati no sofá e quase virei. A raiva tomou conta. — Droga! — gritei, socando o apoio da cadeira. — Maldita seja essa vida. Nico tentou se aproximar, mas eu o afastei com o olhar. — Me deixa, Nico. Minha mãe se aproximou, respirando fundo. — Eu te levo até o quarto, filho. Deixei. Ela empurrou a cadeira com cuidado pelo corredor. O som das rodas no piso me dava enjoo. Assim que entrei no quarto, virei um pouco a cadeira, fechei a porta e tranquei. Fiquei ali, imóvel. O quarto parecia enorme, frio, vazio. As roupas da Júlia ainda penduradas, o perfume dela ainda no ar. Olhei pra cama e senti o peito doer. Aquilo já não era um lar, era um túmulo de lembranças. As lágrimas vieram sem aviso. Chorei como nunca tinha chorado na vida. Chorei por ela, por mim, pela vida que eu perdi junto com ela. Naquele momento, eu só queria uma coisa: morrer. Só assim eu terei paz, e ficarei perto da minha Júlia. Acordei com o sol batendo no rosto. O corpo pesado, dor nas costas e aquela sensação de prisão que não me larga. Olhei pro teto por alguns segundos, tentando entender se aquilo era mais um pesadelo. Mas não era. Era a minha vida agora. Peguei o celular e mandei mensagem pra minha mãe. Ainda não sei sair da cama pra cadeira e nem da maldita cadeira pra cama. Preciso de ajuda pra tudo. Minutos depois, ouvi a porta abrindo. — Bom dia, filho — disse ela, tentando forçar um sorriso. — Bom dia — respondi baixo. Ela me ajudou a sentar, passou o braço pelas minhas costas e com esforço me colocou na cadeira de rodas. A vergonha queimava o rosto. Eu não consigo aceitar que preciso dela pra coisas tão simples. — Eu pensei — ela começou, ajeitando o lençol. — Acho que está na hora de contratar alguém pra cuidar de você. Uma pessoa que entenda das suas necessidades. Respirei fundo, tentando controlar o incômodo. — Faz o que quiser, mãe. — falei sem olhar pra ela. Nem sei que dia é hoje. Nem quantos dias faz desde que recebi alta. Só sei que meu cabelo já está grande e a barba enorme. Não deixo ninguém cortar. Não quero me cuidar. Já basta a humilhação de depender da minha mãe até pra me vestir. Ela fingia não se incomodar, mas eu via nos olhos dela o quanto ela sofre com tudo isso. Depois que tomei um café preto, único gosto que ainda consigo suportar, fiquei sentado na cadeira, como passo metade do meu tempo. Na merda de uma cadeira, olhando pela janela. O mundo lá fora segue igual, e eu aqui, preso. O barulho da porta me tirou dos pensamentos. Duas batidas leves. — Entra — murmurei. Minha mãe entrou. E ao lado dela, uma mulher. Morena, cabelos castanhos, olhar firme e um sorriso grande demais para aquele ambiente. Usava jaleco branco e segurava uma bolsa de mão, parecia uma maleta. — Alexander — minha mãe começou — essa é a Norah. A mulher deu um passo à frente, se aproximando devagar. — Prazer, Sr. William. Sou a Norah, sua fisioterapeuta. Estendeu a mão, confiante. Fiquei olhando pra ela, sem reagir. Mão estendida, sorriso no rosto. Demorei alguns segundos antes de responder: — Não pedi fisioterapeuta nenhuma. Ela manteve o sorriso, como se já esperasse minha resistência. — Eu sei. Mas seu médico e sua mãe acham que posso te ajudar. Cruzei os braços, desviando o olhar pra janela. — Ninguém pode me ajudar. Ela deu um pequeno suspiro. — Mesmo assim, vou tentar. Suspirei pesado, cansado até para brigar.






