Alexander

Alexander Narrando

Norah apareceu na manhã seguinte. Eu ainda estava na cama, de mau humor e sem paciência pra ninguém.

Ela entrou no quarto como se o clima pesado não a afetasse. Jaleco branco, cabelo preso num coque improvisado e aquele mesmo sorriso de ontem.

— Bom dia, Sr. William. Pronto pra começarmos? — perguntou, com uma voz calma demais pro meu gosto.

— Não. — respondi seco, sem nem olhar pra ela.

Ela puxou uma cadeira e sentou ao meu lado, como se tivesse todo o tempo do mundo.

— Eu imaginei que diria isso. Mas vim mesmo assim.

Revirei os olhos.

— Então já pode voltar. Não preciso disso.

— Precisa, sim — ela respondeu, sem se abalar. — E quanto antes começarmos, melhor pro seu corpo.

Cruzei os braços e encarei o teto.

— Meu corpo já era doutora. Aceita logo isso.

Ela se levantou, foi até a janela e abriu a cortina, deixando o sol entrar. A claridade me irritou.

— Fecha isso, caramba! — reclamei.

— Você precisa de luz. — Ela se virou pra mim. — Viver no escuro não vai te ajudar a andar de novo.

Soltei uma risada irônica.

— Andar de novo? A senhora não leu o laudo, não? A medicina já desistiu de mim.

Ela me olhou séria.

— Eu não disse que vai voltar a andar. Eu disse que precisa viver.

Fiquei em silêncio. As palavras dela ficaram ecoando na minha cabeça, mas eu não queria dar o braço a torcer.

— Só faz o que tem que fazer e vai embora — falei, por fim. — Não quero conversa.

— Certo. — Ela se aproximou. — Então vamos começar com algo simples. Só quero avaliar sua postura.

— Não quero ser avaliado.

— E eu não pedi sua autorização para fazer o meu trabalho — respondeu, firme. — Agora, por favor, mantenha as costas retas.

A ousadia dela me deixou sem reação. Mas obedeci, meio contrariado. Ela colocou as mãos nos meus ombros, ajustou minha posição e observou meus movimentos com atenção.

— Dói aqui? — perguntou, pressionando um ponto na lombar.

— Dói tudo. — respondi com raiva.

Ela respirou fundo.

— Então é por isso que eu tô aqui. Pra tentar diminuir essa dor.

Não respondi. Fiquei olhando pra frente, tentando ignorar a presença dela.

Norah pediu que eu respirasse fundo, puxando o ar pelo nariz e soltando pela boca devagar. Ela se aproximou com aquele jeito calmo, as mãos firmes, mas suaves, e começou a massagear meus ombros tensos. Os toques eram leves no começo, só pra esquentar a musculatura, depois mais firmes, precisos, descendo pelas costas até a lombar, depois ela pegou um óleo, e começou a massagear minhas pernas, e foi subindo pelas coxas, cada movimento calculado. Senti um alívio imediato, uma leveza que eu não sentia fazia tempo, mas me recusei a demonstrar. Fechei os olhos por um instante e pensei em como era bom sentir algo além da dor constante que me acompanhava.

— Está doendo? — ela perguntou, num tom tranquilo, sem parar o movimento das mãos.

— Tá, e não tá adiantando de nada — respondi seco, tentando afastar qualquer sinal de que eu estava gostando.

Norah apenas sorriu de leve e continuou. Passou o óleo nas mãos e foi para a parte das costas, onde a tensão se acumulava. Os dedos dela pressionavam os pontos certos, às vezes doía, mas era uma dor boa, daquelas que aliviam. Eu sentia cada toque percorrendo o corpo como se ela estivesse despertando algo adormecido em mim. Ela pediu pra eu tentar mover o braço direito, mas o máximo que consegui foi um leve tremor.

— A paralisia é nas pernas, você não sabe de nada. Pode parar.

Ela ignorou o que eu disse e continuou, firme. As mãos desciam devagar, o toque dela era ao mesmo tempo técnico e humano, como se ela realmente se importasse. Isso me irritava e me confundia. No fim, quando terminou, ela limpou o excesso de óleo e me olhou com aquele sorriso tranquilo.

— Vai doer mais um pouco antes de melhorar, Sr. William. Mas vai melhorar.

Virei o rosto pra janela, fingindo não ouvir. Só queria que ela fosse embora, antes que eu me acostumasse com aquele toque.

No fim da sessão, ela guardou os equipamentos e disse:

— Amanhã volto no mesmo horário.

— Não precisa — retruquei.

— Eu volto mesmo assim. — sorriu. — E um dia você vai agradecer por isso.

Quando saiu, fiquei sozinho. E, pela primeira vez, percebi que aquela mulher não ia desistir fácil. Preciso ser mais incisivo.

Minha mãe entrou no quarto com aquele ar decidido que eu já conheço bem. Atrás dela vinha um rapaz alto, com jaleco branco e cara de quem tinha acabado de chegar.

— Filho, esse é o enfermeiro que vai te ajudar a se adaptar melhor — ela disse, ignorando completamente meu olhar de impaciência. Eu só balancei a cabeça, sem vontade de conversar. Pedi pra ele me ajudar a sair da cama e sentar na cadeira de rodas. Fiz questão de deixar claro:

— Só me leva pro banho. Eu tomo banho sozinho, não preciso de babá.

Ele me ajudou com cuidado, me colocou na cadeira e me levou até o banheiro. Assim que a porta se fechou, senti um mínimo de alívio. Gosto de ter esse pouco de privacidade, mesmo que dependa dos outros pra tudo. Depois de alguns minutos, ele voltou, me ajudou a vestir a roupa e me deixou novamente na cadeira, no quarto.

Logo a empregada entrou, equilibrando uma bandeja de café da manhã: suco, frutas, torradas, tudo arrumadinho demais. Olhei desconfiado.

— Quem foi que inventou esse cardápio? — perguntei, cruzando os braços.

— Foi a fisioterapeuta, senhor. A doutora Norah disse que o senhor precisa de uma alimentação mais equilibrada.

Revirei os olhos. Aquela mulher já tava se metendo onde não devia. Primeiro quer mandar no meu corpo, agora na minha comida também. Respirei fundo, tentando conter o nervosismo que crescia.

— Pode tirar isso daqui. E os dois, saiam do meu quarto agora. — Minha voz saiu seca, firme.

Eles se entre olharam, hesitaram por um segundo, mas obedeceram. Assim que a porta se fechou, fiquei encarando o nada, sentindo o peso da solidão e da raiva misturados. Amanhã mesmo eu demito essa fisioterapeuta. Já chega de gente na minha vida.

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