*Clara*
A primeira coisa que Clara sentiu ao sair pela porta foi o vento cortante da manhã. Ainda escuro. Ainda em silêncio. Ela amarrou os tênis com a firmeza de quem amarra a própria alma. Era 4h57. Em três minutos, seu corpo estaria em movimento. E o resto do mundo ainda dormia. Todos os dias, às 5h da manhã, Clara Antonelli corria. Corria como se o asfalto fosse o único lugar onde ela podia ser só movimento — sem pressão, sem cobranças, sem ter que provar nada a ninguém. Ali, entre as luzes fracas dos postes e o silêncio das ruas ainda dormindo, Clara era só Clara. Na verdade… Clara Antonelli de Manaus, nascida e criada na natureza. Enquanto outras crianças brincavam de boneca, ela crescia entre as sombras de palafitas e as histórias da mãe, que dizia: “Filha, mulher forte não precisa gritar. Só precisa ir.” Ela foi. Estudou como uma obcecada. Ganhou uma bolsa para estudar arquitetura em Florença, o berço da proporção áurea, da simetria e da beleza atemporal. Lá, ela foi vista — não como a garota da floresta, mas como a futura arquiteta que projetaria edifícios que dariam inveja aos deuses antigos. Agora, Clara corria entre os prédios de Nova York, cidade onde tudo era rápido, cruel e justo ao mesmo tempo. Ela escolheu estar ali. Ela merecia estar ali. E hoje… Ia se encontrar com Leon Vellamo. _______________ *LEON* Leon Vellamo observava os primeiros raios do sol cortando o céu através das janelas da sua cobertura no 93º andar. Não era um homem de rituais sentimentais — mas aquele momento, o instante antes do dia começar, era o único que lhe pertencia. Filho de uma dinastia bilionária do setor imobiliário, cresceu rodeado por aço, vidro e poder. Enquanto outras crianças jogavam bola, ele andava em canteiros de obras com o pai. Aos 12, já entendia sobre fundações e contratos. Aos 17, negociava como adulto. Aos 30, comandava tudo. O mundo o via como um prodígio frio. Mas Leon era mais. Era controle. Era leitura. Era silêncio afiado. Hoje, teria uma reunião com a arquiteta escolhida para reformar a sede central da Vellamo & Co. Um projeto simbólico, delicado, onde apenas o melhor serviria. Ele já havia dispensado os melhores nomes do mercado. Mas então apareceu o portfólio dela. Clara Antonelli. Desconhecida. Exótica. Precisa. Seu projeto era uma dança entre concreto e luz. Uma obra viva. E algo nele… queria vê-la pessoalmente. _____________________ *CLARA* Ela subiu os degraus do Vellamo Tower com o suor da corrida ainda fresco sobre a pele. A camisa branca de seda colava levemente nas costas, aquecida pela jaqueta escura de alfaiataria impecável. O coque baixo e firme prendia os cabelos loiros com disciplina — revelando um pescoço exposto, bonito, sem pressa. Ela caminhava como quem tinha pressa por dentro, mas elegância por fora. Clara entrou no saguão principal do edifício — um espetáculo de mármore, vidro e silêncio caro. Um lugar onde até o ar parecia condicionado a obedecer. Ela se aproximou da recepção e, com a voz firme, anunciou: — Clara Antonelli. Reunião marcada com o Sr. Vellamo às 07h00. A recepcionista ergueu os olhos do monitor e assentiu, como se já soubesse quem ela era. Em segundos, uma mulher surgiu pela lateral do balcão. Alta, morena, com pele aveludada e postura de quem sabia o peso do próprio salto. — Senhorita Antonelli? — disse, com um sorriso educado, mas contido. — Sou Simone. Acompanhe-me, por favor. Simone conduziu Clara pelos corredores até o elevador de acesso restrito. O som dos saltos das duas ecoava como uma trilha de suspense. — O senhor Vellamo está à sua espera no 93º — informou, enquanto pressionava o botão dourado do elevador com um cartão magnético. — Ele raramente antecipa reuniões. A sua é uma exceção. Clara manteve a expressão neutra. Mas por dentro, seu radar estava ligado. Leon Vellamo já estava jogando — e ela também. As portas se fecharam. O elevador subia em silêncio. Clara ajeitou o coque loiro baixo, ajustou a gola da blusa de seda branca sob o blazer justo, e inspirou fundo. Não que estivesse nervosa. Era controle. Sempre controle. As portas se abriram. E ela entrou. O espaço era puro domínio masculino. Linhas retas. Madeira escura. Aço. Vidro. Uma arquitetura que dizia: “Aqui, ninguém toca sem permissão.” “Frio, calculado, rico. Deve ter até senha pra sorrir.”, pensou, com seu sarcasmo afiado. Então o viu. _____________________ *LEON* Ela entrou. E, por um instante, Leon esqueceu como respirar. Cabelos loiros presos num coque elegante, deixando o pescoço livre e provocante. Olhos castanhos escuros, penetrantes, inquisidores — não estavam ali para implorar, mas para avaliar. O maxilar marcado. Os lábios firmes. O corpo vestido com precisão — um terno preto sob medida que acentuava cada curva sem jamais parecer vulgar. Ela andava com firmeza. Postura de rainha. Presença de predadora. Quando parou à sua frente, algo dentro dele se moveu. — Senhor Vellamo — ela disse. A voz… baixa, grave, ritmada. Como o início de um jazz obsceno. — Senhorita Antonelli — ele respondeu, sem desviar o olhar. — Gosto de pontualidade. Ela arqueou uma sobrancelha. — Eu gosto de desafios. Leon apertou o maxilar. Não de raiva. De excitação contida. Ela era fogo em mármore. Reta como uma linha de corte… mas com curvas invisíveis por dentro. E naquele instante, ele soube: Clara Antonelli não era só uma arquiteta. Era uma obra-prima em construção. E ele faria questão de participar do projeto — peça por peça.