Guilherme se sentiu atingido pelas palavras afiadas de Gabriela e acabou respondendo num tom de advertência:
— Eles também foram seus pais durante anos. É pedir demais você me ajudar a render homenagens deles? Você já é adulta e nem sabe pedir um carro de aplicativo?
Antes, mesmo com todo o jeito frio, Guilherme nunca chegava a esse extremo. Por mais irritado que estivesse, ele sempre priorizava a segurança de Gabriela.
Gabriela decidiu não discutir mais. Ela abriu a porta e desceu do carro, fechando-a com força, claramente deixando transparecer sua raiva.
Guilherme, sem hesitar, deu meia-volta com o carro e foi embora, soltando uma nuvem de fumaça que acertou em cheio o rosto de Gabriela.
Quase ao mesmo tempo, o celular de Gabriela vibrou.
A mensagem de Giovana chegou carregada de deboche:
[Ganhar de você foi fácil demais.]
Aquelas poucas palavras deixaram Gabriela enjoada de nojo.
Gabriela rolou a conversa para cima e viu todas as mensagens antigas: eram provocações e humilhações intermináveis, dia e noite, vindas de Giovana.
Gabriela nunca tinha respondido nada. Antes, ela sofria tanto que mal tinha forças para chorar, quanto mais para responder. Agora, finalmente livre, ela pensou um pouco e digitou:
[Desejo felicidades antecipadas no casamento de vocês.]
Gabriela sabia muito bem que, assim que o acordo do divórcio se tornasse oficial no próximo mês, Guilherme ia correr para casar com Giovana.
O desejo de felicidade era sincero. E, claro, Gabriela também torcia de verdade para que o casamento deles virasse um caos e que ambos perdessem o que tinham de mais valioso.
Giovana, sem conseguir se controlar, rebateu furiosa:
[Você é uma sem vergonha! Se não fosse por você, eu já teria me casado com ele faz tempo.]
[Você acha mesmo que ele gosta de você? Não se iluda.]
[Você nem imagina, o Rafa vive me dizendo que quer ver você queimada igual bruxa, implora para eu ser a mãe dele!]
A última mensagem realmente surpreendeu Gabriela. Ela ficou olhando, imóvel, para aquelas palavras. Como uma criança conseguia pensar em algo tão cruel?
Logo, porém, essa tristeza se dissipou como poeira ao vento. Por pior que fosse, Rafael logo não seria mais seu filho.
Gabriela ativou o modo “não perturbe” e desligou o celular, sem vontade de ver mais nada.
Ela caminhou durante uma hora até finalmente chegar à entrada do cemitério. O administrador já a conhecia, afinal, quase ninguém aparecia por lá naquela época do ano.
Enquanto preenchia o registro, o administrador lançou um olhar curioso para ela:
— Veio sozinha hoje?
— Vim sim.
Gabriela não se explicou mais. Ela pegou as flores e seguiu familiarmente pelo caminho até o túmulo.
As fotos no túmulo mostravam um casal jovem. Ninguém imaginava que um acidente tão trágico aconteceria com eles.
Na época, Gabriela tinha acabado de conhecer Guilherme através de um encontro arranjado, e Guilherme, para provocar, levou Giovana junto.
O pai de Guilherme dirigia, a mãe dele estava no banco da frente, tentando animar o clima o tempo todo.
Gabriela se sentou ao lado da janela, enquanto Giovana ficou no meio.
Talvez, preocupados demais em animar a conversa, o pai de Guilherme não percebeu o caminhão que surgiu de repente na curva.
No instante do impacto, Gabriela só conseguiu puxar Guilherme, que estava do lado do caminhão, para perto dela. Mesmo assim, o ferro do caminhão atravessou e decepou seus dedos anelar e mínimo. Depois disso, ela apagou completamente.
Quando Gabriela acordou novamente, ela viu que Guilherme estava com o rosto inchado de tanto chorar. Ele olhou para ela com ódio, apertando os dentes para soltar as palavras:
— Vamos nos casar.
Ninguém nunca soube ao certo por que motivo Giovana tinha ido embora.
Durante muito tempo, Guilherme culpou Gabriela pela morte dos pais dele.
Mas o tempo era poderoso. Sem que ele percebesse, a distância entre Guilherme e Gabriela foi diminuindo aos poucos, até que eles viveram dois anos de pura felicidade juntos. Depois disso...
Gabriela afastou as lembranças, colocou as flores diante do túmulo e falou com a voz embargada:
— Pai, mãe, essa é a última vez que eu chamo vocês assim. Eu já não tenho mais forças pra ficar ao lado do Guilherme. Agora que o grande amor dele voltou, ele finalmente vai poder ser feliz, então vocês não precisam mais se preocupar. Hoje ele não pôde vir ver vocês, mas, daqui pra frente, eu prometo que venho todo ano.
Gabriela não sabia o que mais dizer. Ela ficou ali, sentada, sem reação. Um vento suave soprou, levando uma pétala que pousou delicadamente em seu rosto.
Será que até as flores estavam suspirando de pena por ela?
Gabriela ficou até o meio-dia, almoçou algo simples com o administrador do cemitério e só ela então começou a voltar pra casa.
No caminho, o céu escureceu de repente e uma chuva torrencial caiu. Ela tentou pedir um carro por aplicativo, mas a fila tinha centenas de pessoas na frente dela.
Não havia uma alma viva na rua, nem sequer uma árvore para se abrigar.
Gabriela apertou os dentes e decidiu continuar andando debaixo de chuva. Quatro horas depois, ela finalmente chegou ao centro da cidade, vendo seu reflexo na vitrine de uma loja.
Ela estava encharcada, o cabelo grudado no couro cabeludo, o rosto tão apagado que parecia ter saído direto de um bueiro.
Quando ela estava prestes a desviar o olhar, seus olhos se fixaram, aos poucos, no que estava do outro lado do vidro.
E olhava só o destino, que ironia.
Dentro da lanchonete, Guilherme estava sentado de frente para Rafael e Giovana, conversando e sorrindo como se fossem uma família feliz. Enquanto isso, Gabriela, do lado de fora, parecia uma desconhecida sem lar, uma completa estranha.
Só então Gabriela percebeu: desde que Guilherme partiu de manhã, ele não tinha ligado uma vez sequer.
Ela tirou o celular do bolso, já encharcado, mas, teimosa, discou o número dele.
Para sua surpresa, a ligação completou.
Lá dentro, Guilherme viu o nome dela na tela do celular, mas ele fez uma careta de desprezo e desligou sem hesitar.
Gabriela olhou para a tela, que voltou à tela inicial e, em seguida, apagou de vez. Por mais que ela tentasse, o celular não ligou mais. Igual ao coração de Guilherme: por mais que ela tentasse aquecer, ele já estava frio demais.
Gabriela encarou o aparelho por um bom tempo, depois tirou o chip e jogou o celular no lixo. Então, seguiu devagar em direção à casa.