Capítulo 2
Na manhã seguinte, Gabriela já tinha se levantado cedo, tomado banho e vestido o terno preto que ela havia separado. Ela olhou para o próprio reflexo no espelho e percebeu como seu rosto abatido combinava perfeitamente com o clima de um velório.

Assim que Gabriela entrou na sala, Rafael fez questão de soltar um "tsc" alto e, segurando o prato ainda cheio de comida, esbarrou de propósito nela. A comida caiu em cima dela. Rafael zombou, com tom cruel:

— Você é imunda.

Gabriela olhou para o menino que um dia tinha sido tão doce e agora se comportava daquele jeito grosseiro. Ela sentiu uma mistura amarga de tristeza e decepção.

Ela se lembrou de quando, para conseguir o melhor professor para Rafael, ela tinha enfrentado uma tempestade por três dias para visitar o professor, tudo para ajudar Rafael a trilhar um caminho melhor.

Mas todo o esforço de Gabriela não tinha valido de nada diante de meia dúzia de palavras venenosas de Giovana.

No instante em que Rafael, todo convencido, tentou sair da sala, Gabriela segurou firme o braço dele e lançou um aviso gelado:

— Peça desculpas.

Rafael nunca tinha visto Gabriela com aquele semblante tão frio. Ele se assustou, mas logo a raiva tomou conta dele:

— Eu não vou pedir desculpa! Antigamente, gente como você era queimada viva, sua bruxa!

O estalo de um tapa ecoou no cômodo.

Rafael, com a marca vermelha da mão no rosto, encarou Gabriela, incrédulo:

— Você teve coragem de me bater?

Do outro lado, Guilherme correu para proteger Rafael, colocando-se na frente do menino, e gritou para Gabriela, irritado:

— Por que você bateu no Rafa?

Gabriela soltou o braço e deu de ombros, sem se importar:

— Eu sou mãe dele. Educar é minha obrigação.

Guilherme respondeu na mesma hora:

— Não precisa da sua educação!

Gabriela deu um sorriso frio por dentro e respondeu, indiferente:

— Fique tranquilo, em breve nem isso vou poder fazer.

Ela falou com uma calma e um distanciamento que não combinavam em nada com a mulher que todos conheciam.

Guilherme, desconfiado, perguntou:

— O que você quer dizer com isso?

Gabriela não respondeu. Apenas lembrou ele:

— Está na hora de sairmos.

No caminho, Gabriela se sentou no banco de trás. O carro seguiu em silêncio, como se ela fosse apenas uma passageira qualquer.

Guilherme olhou para ela várias vezes pelo retrovisor. Cada vez mais, ele teve certeza de que, dessa vez, Gabriela estava realmente irritada.

Antes, quando ele fazia algum escândalo, como quando quebrou pratos ontem, Gabriela sempre corria para pedir desculpa. No mínimo, ela já teria tentado uma reconciliação naquela manhã. Mas, desta vez, ela nem comentou que eles estavam comendo as sobras do dia anterior. E, além disso, ela tinha dado um tapa em Rafael.

Guilherme se lembrou de como ela estava sozinha ontem à noite quando ele abriu a porta. Pensando nisso, ele pegou uma caixinha no porta-luvas e, aproveitando o sinal vermelho, jogou no colo de Gabriela, que estava de olhos fechados, tentando descansar.

Gabriela sentiu o impacto e abriu os olhos na hora:

— Você é louco?

Seis anos de casamento. Gabriela tinha suportado Guilherme por seis anos.

Ela já estava farta de ser desrespeitada daquele jeito.

Guilherme ficou ofendido na hora:

— Esse é o presente de aniversário que eu preparei pra você, e você me chama de louco? Ontem você me mandou aquela mensagem falando de velório, hoje você está com essa cara feia. Não é isso o que você quer, que eu peça desculpas? Pronto, estou pedindo agora. Quer mais o quê?

O sinal abriu e ele teve que se calar e continuar dirigindo.

Gabriela viu, pelo retrovisor, a expressão aborrecida de Guilherme.

O que ele estava achando ruim, afinal? Ela nunca pediu que ele se desculpasse. Por que Guilherme sempre colocava palavras na boca dela e depois a culpava?

Gabriela baixou os olhos, sem vontade de discutir. Com uma mão, ela abriu a caixinha de qualquer jeito. Dentro, havia um anel de diamantes, reluzente, mas sem graça.

Ela já tinha visto aquele modelo antes. Era uma peça rejeitada da TR. Basicamente, era um produto que tinha sido cancelado logo após o lançamento por vários motivos. Um anel daqueles, jogado na rua, ninguém sequer se daria ao trabalho de pegar.

E aquele anel de diamante que Giovana estava usando no vídeo de ontem era justamente o modelo exclusivo recém-lançado pela TR, o único no mundo inteiro, símbolo de um amor eterno e inigualável.

Gabriela finalmente entendeu. Durante os últimos cinco anos, todas as mudanças de humor de Guilherme, o jeito imprevisível e irritadiço dele, não tinham nada a ver com trabalho, nem com pressão. O fato de ele nunca dar presente para Gabriela também não era porque ele não sabia ser romântico, como ele sempre dizia.

Ele simplesmente não amava Gabriela. Só isso.

Gabriela fechou a caixinha do anel e, sem hesitar, jogou no banco de trás. Se era um anel rejeitado, ela também não ia querer.

Quando faltavam ainda uns cinco quilômetros até o túmulo, o celular de Guilherme tocou de repente. Ele nem olhou para o aparelho, apenas encostou no acostamento, claramente já conhecendo aquele toque.

Ele não fez questão nenhuma de esconder nada de Gabriela e atendeu bem na frente dela:

— Agora? Mas hoje eu...

A pessoa do outro lado falou alguma coisa.

O rosto duro de Guilherme suavizou, e ele respondeu num tom surpreendentemente carinhoso:

— Tá bom, tô indo agora.

Será que Guilherme também sabia ser doce assim? Que estranho.

Gabriela cruzou os braços, esperando ele soltar mais alguma das suas grosserias.

E, como ela já esperava, Guilherme desligou e imediatamente se virou para ela:

— Tenho um assunto urgente na empresa, e preciso ir agora. Vai sozinha visitar o túmulo.

Gabriela não era cega. Ela viu claramente o nome [Giovana] na tela do celular dele.

Guilherme era capaz de largar tudo por causa de uma mulher, até mesmo deixar de visitar o túmulo dos próprios pais. Que cara apaixonado, hein.

O olhar de Gabriela foi puro sarcasmo, sem disfarçar nada:

— Você vai mesmo me largar aqui no meio do nada, pra eu ir a pé rezar pros seus pais? Guilherme, debaixo daquela lápide lá em cima estão seus pais de verdade. Que tipo de problema na empresa pode ser mais importante do que quem te pôs no mundo?
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