Capítulo 4
Às dez da noite, Gabriela estava deitada na cama, enrolada até a cabeça, mas nem assim conseguia afastar o frio que subia pelo corpo. Ela sentia a cabeça pesada, tudo rodava, o corpo alternava entre calafrios e ondas de calor.

Gabriela não percebeu quando adormeceu, muito menos quando ela acordou novamente.

Quando ela se levantou, tropeçou até a cozinha para pegar água quente, mas as mãos falharam e a chaleira caiu no chão, espalhando água fervente pelo pé e pela perna.

O susto fez Gabriela acordar de vez. Meio no automático, ela correu para o banheiro e abriu o chuveiro de água fria. Só que, assim que girou a torneira, tudo rodou de novo e ela desabou dentro da banheira.

Antes de apagar, a última coisa que passou pela cabeça dela foi:

“Será que eu vou morrer aqui desse jeito...?”

Deus ainda olhava por Gabriela. Quando ela acordou no hospital, ela sentiu uma felicidade estranha, como quem recebeu uma segunda chance.

Mas Deus também não era tão generoso assim. Porque ela viu Guilherme parado à porta, de cara fechada. Ele parecia estar explodindo de raiva.

Guilherme atravessou o quarto a passos largos, e parou ao lado da cama. Ele agarrou a gola da camisa dela e explodiu:

— Você ficou louca? Quando o drama não funciona, agora vai tentar chamar minha atenção desse jeito extremo?

Gabriela mal tinha forças, acabava de acordar, ainda febril. Quando ele a puxou, ela começou a tossir forte, os lábios ficando brancos, os olhos marejados.

Mas Guilherme achou que era fingimento e gritou:

— Para de palhaçada! Você pode ter enganado meus pais, mas comigo não cola!

Quando a tosse finalmente deu trégua, Gabriela afastou a mão dele com dificuldade, olhou para ele com o rosto pálido e respondeu, palavra por palavra:

— Eu não estava tentando comover ninguém. Ontem eu caminhei quatro horas na chuva, voltando do cemitério pra casa, e peguei febre e desmaiei. Se eu pudesse escolher, preferia que você nunca mais prestasse atenção em mim pelo resto da vida.

Ela já tinha sofrido demais por causa dele.

Guilherme pareceu surpreso, soltou a gola dela devagar e perguntou, desacreditado:

— Você... voltou andando?

Era mesmo importante discutir isso agora?

Gabriela ajeitou a camisa, deitando-se de novo e puxou o cobertor até o queixo.

Na sequência, Rafael entrou correndo no quarto e gritou:

— Pai, pra que perder tempo com essa bruxa? A Tia Giovana tá esperando faz tempo!

Rafael lançou um olhar feroz para Gabriela, como se ela fosse uma intrusa atrapalhando a vida deles:

— Com tanta tecnologia hoje em dia, você não conseguiu pedir um carro? Isso é fingimento, né? Na TV todo mundo faz isso pra se fazer de vítima. Que nojo!

Guilherme percebeu que Rafael tinha passado dos limites, mas preferiu se agarrar àquilo para não encarar a própria culpa. Então, ele riu com desdém:

— Gabriela, eu realmente subestimei você.

Nesse momento, Giovana apareceu na porta, apoiada no batente, quase sem voz:

— Guilherme, acho melhor eu pedir um carro e ir embora. Parece que a Gabriela não tá nada bem...

Assim que ela terminou de falar, Giovana fingiu fraqueza e se jogou para o lado.

Guilherme, preocupado, correu para segurá-la e falou, cheio de carinho:

— Se está tonta, senta aqui e espera por mim. Eu só vim dar uma olhada e já saio.

— Hum.

Gabriela soltou uma risada baixa. Nem Guilherme tinha ido ao hospital especialmente para vê-la.

Giovana continuou com a encenação:

— Deixa pra lá, eu estou bem... O importante é você cuidar da Gabriela...!

De repente, Giovana soltou um gritinho: Guilherme a pegou no colo, carregando-a nos braços.

Rafael, ao sair, olhou para trás e disparou:

— Nem adianta, você está perdendo seu tempo.

Rafael ainda fez várias caretas para Gabriela antes de sair.

A enfermeira entrou para trocar o curativo de Gabriela, e comentou, admirada:

— São seu irmão e cunhada, né? Eles parecem se dar tão bem.

Gabriela respondeu de forma seca:

— Na verdade, aquele é meu marido, esse é meu filho, e ela é o grande amor da vida do meu marido.

A enfermeira ficou sem reação por um instante, e logo mudou de assunto, indignada:

— Agora entendi por que aquela mulher faz tanto drama. Não tinha nada de errado e inventou de fazer um check-up completo... Queria saber o que ela está fingindo...

A mudança repentina de humor da enfermeira fez Gabriela se sentir um pouco melhor. Pela primeira vez em quase um ano, ela sorriu de verdade.

Por sorte, o acidente não foi grave. O hospital recomendou que Gabriela ficasse internada por uma semana, depois a liberou para ir embora.

No dia em que Gabriela teve alta, ninguém apareceu para buscá-la.

Gabriela olhou para o céu azul e as nuvens branquinhas. Ela sentiu o vento suave no rosto e percebeu que nunca tinha se sentido tão leve. Era uma liberdade que ela nem sabia que existia, como se tivesse nascido de novo.

Gabriela caminhou sozinha pela avenida arborizada, andando cada vez mais rápido, até começar a correr. Ela descobriu que, quando ela deixou para trás todo o peso do passado, a vida ficou incrivelmente mais leve.

Quando Gabriela chegou em casa, ela abriu a porta e viu a chaleira ainda caída no chão. Aquilo mostrava o quanto ela tinha sido levada dali às pressas.

Mostrava também que Guilherme não tinha voltado nem uma vez.

Gabriela não sentiu absolutamente nada em relação a isso.

Ela foi até o closet. Ela pegou todas as roupas novas com etiqueta e os bichinhos de pelúcia. Se não fosse pela vizinha de baixo que chamou a ambulância, ela provavelmente teria morrido ali mesmo.

Gabriela embrulhou as roupas novas, as pelúcias e até alguns utensílios de cozinha que nunca usou. Encheu três grandes caixas.

Depois de conversar com a vizinha, ela ficou feliz em aceitar tudo e levou para casa.

O closet ficou praticamente vazio, restando só um casaco e algumas poucas mudas de roupa.

Gabriela deu uma última olhada em volta e, de um compartimento escondido, pegou um caderno de desenhos. Antes de se casar com Guilherme, ela era uma designer de joias famosa.

Por causa de Guilherme, ela tinha guardado todos aqueles sonhos e projetos.

Agora, quando ela fosse embora, só levaria com ela o próprio sonho.

Enquanto terminava de arrumar tudo, ouviu a voz de Guilherme do lado de fora:

— Gabriela?
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