A vida no Castelo Lycan, mesmo com a presença de Lia, era cercada de uma aura de mistério e tradição. Eu cresci ouvindo as histórias dos nossos ancestrais, dos grandes Alfas e da Deusa da Lua, que abençoava nosso povo com a capacidade de se transformar. Mas havia uma parte dessa história que sempre me deixava com uma pontinha de curiosidade, algo que me fazia sentir um pouco diferente dos outros jovens lobisomens com quem Lia e eu ocasionalmente interagíamos.
O segredo, se é que se podia chamar assim, era sobre a natureza do nosso lobo interior. Desde muito pequenas, Lia e eu sabíamos que, como crianças, não tínhamos nossos lobos. Eles estavam adormecidos, esperando o momento certo para despertar. Era uma verdade universal para todos os lobisomens. Nascíamos humanos, e só aos doze anos de idade, sob a luz da lua cheia, é que a primeira transformação aconteceria. Era um rito de passagem, o momento em que nos tornávamos verdadeiramente parte do nosso povo, sentindo a força e os instintos lupinos correrem em nossas veias.
Lia falava sobre isso com uma empolgação contagiante. "Mal posso esperar, Ana!", ela dizia, seus olhos verdes brilhando. "Minha mãe disse que é como se você se tornasse mais você mesma, mas com mais poder. Eu vou ser uma caçadora incrível!"
Eu sorria com ela, sentindo a mesma ansiedade e expectativa. Eu imaginava como seria meu lobo. Seria grande e forte como os lobos que eu via nos desenhos dos livros? Ou seria mais ágil e veloz? Eu só esperava que não fosse tão desastrado quanto eu em minha forma humana. A ideia de correr livremente pela floresta, sentindo o cheiro da terra e o vento em meu pelo, era um sonho que me acompanhava desde que eu me entendia por gente.
Mas a transformação aos doze anos era apenas a primeira etapa. Aos dezoito, vinha o momento mais aguardado e temido por todos os jovens lobisomens: a descoberta do companheiro. A Deusa da Lua, em sua sabedoria infinita, escolhia um par para cada um de nós, uma alma gêmea destinada a nos completar. Era um laço inquebrável, mais forte que qualquer outro, e uma vez formado, era para a vida toda. As histórias de amor que eu lia nos livros, sobre príncipes e princesas, pareciam pálidas em comparação com a intensidade do laço de companheiros.
"Imagine, Ana", Lia suspirava, deitada na grama do jardim secreto, enquanto o sol se punha. "Encontrar a pessoa que a Deusa da Lua escolheu só para você. Alguém que te entende sem palavras, que te ama incondicionalmente. Eu espero que o meu seja um Alfa, forte e protetor!"
Eu acenava, meu coração batendo mais rápido com a ideia. "Eu só quero alguém que seja gentil. E que me faça rir, como você faz, Lia." Eu pensava em meu padrasto, o Rei Dominic, tão sério e distante. Ele era o epítome de um Alfa, forte e protetor, mas eu ansiava por algo mais leve, mais acessível. Eu queria um amor que trouxesse calor e alegria para minha vida, que preenchesse aquele vazio que eu sentia desde que minha mãe se foi.
E era aí que a diferença entre mim e os outros lobisomens se tornava mais evidente, embora eu não compreendesse totalmente o porquê. Minha mãe, Helena, era uma híbrida. Eu sabia disso porque meu padrasto, em uma das raras vezes em que falamos sobre ela, mencionou que ela tinha dons especiais, que ela era diferente. Ela era metade lobo, sim, mas também metade bruxa. E essa parte "bruxa" era um mistério para mim.
Ninguém falava muito sobre bruxas no castelo. Era quase um tabu. Eu ouvia sussurros, histórias de magia antiga, de poderes que podiam ser tanto benéficos quanto perigosos. Mas minha mãe era boa, eu sabia. Ela era a mulher que meu padrasto havia amado, a mulher que me deu à luz. Então, se ela era uma bruxa, isso significava que eu também tinha algo dela?
Eu perguntava a Lia, mas ela, sendo uma lobisomem pura, não tinha muito conhecimento sobre o assunto. "Acho que é só um jeito de dizer que ela era muito esperta e tinha uma intuição forte, Ana", ela me disse uma vez, tentando me tranquilizar. "Você é uma lobisomem, como eu. Só um pouco mais... única, por causa do Rei Dominic."
Mas eu sentia que era mais do que isso. Às vezes, quando eu estava muito brava ou muito feliz, eu sentia uma energia estranha borbulhando dentro de mim, algo que parecia querer explodir. Uma vez, quando eu estava frustrada com um brinquedo que não funcionava, senti um pequeno tremor no chão. Outra vez, quando eu estava brincando com Lia e o sol estava muito forte, uma brisa fresca e repentina nos envolveu, mesmo sem vento. Eu não entendia o que era, e ninguém mais parecia notar, então eu atribuía a minha imaginação ou a coincidências.
Meu padrasto, o Rei Dominic, embora distante, tinha um olhar que às vezes me seguia. Eu o pegava me observando de longe, seus olhos castanhos com reflexos dourados fixos em mim. Não era um olhar de raiva ou desaprovação, mas algo mais complexo. Uma mistura de carinho, sim, mas também uma profundidade que eu não conseguia decifrar. Era quase como se ele estivesse procurando por algo em mim, algo que ele já conhecia. Eu me perguntava se ele via minha mãe em meus olhos, em meus cabelos cor de chocolate, em minhas sardinhas. Eu esperava que sim.
A herança da minha mãe era um segredo que eu carregava, mesmo sem compreendê-lo. Todos esperavam que eu me transformasse em um lobo comum aos doze anos, como qualquer outro lobisomem. Ninguém, nem mesmo eu, imaginava que a Deusa da Lua tinha um plano muito maior para mim, um presente que iria além da minha primeira transformação e que revelaria a verdadeira extensão do legado da minha mãe. Eu era Ana, a filha da falecida Rainha, uma jovem curvilínea e desastrada, com cabelos cor de chocolate e olhos castanhos expressivos. Mas, lá no fundo, eu sentia que havia algo mais em mim, algo adormecido, esperando o momento certo para despertar e mudar tudo. E meu décimo segundo aniversário estava se aproximando, trazendo consigo não apenas a promessa da minha primeira transformação, mas também o primeiro passo para a revelação de quem eu realmente era.