Capítulo 4 – A Inquietação de Josué
O relógio marcava 21h30 quando Josué atravessou o amplo hall da mansão Montenegro, o chão de mármore refletindo a luz amarelada dos lustres antigos. O ar estava pesado, impregnado do perfume marcante de incenso e do eco distante de passos apressados. Ele apertou o paletó contra o corpo, tentando conter o frio que lhe corria pela espinha. Ao seu lado, Artur surgia no corredor, trajando um smoking impecável, mas com uma gravata frouxa e o olhar perdido. A imagem de um homem adulto, rico e inconsequente, despertava em Josué um misto de raiva e preocupação. Desde o jantar de apresentação, as atitudes de Artur o faziam questionar o senso de responsabilidade do rapaz. Ele abrira mão de toda a compostura daquela noite só para encarar um copo de uísque, engolindo goles longos, como quem esperasse encontrar a salvação no fundo da taça. Cada tilintar de gelo agitava a mente de Josué: “Será que ele realmente vai honrar o casamento?” A dúvida o corroía mais rápido do que a chuva que começara a tamborilar contra as janelas do salão de jantar. Atrás de uma coluna, Josué observou Artur movimentar-se com descuido entre os convidados: Cumprimentava com entusiasmo exagerado, dava risadas altas demais e, numa troca de olhares com um garoto de recados, balançou a mão num gesto impaciente. A mansão, magnífica em sua opulência, transformava-se naquele instante num ringue de incertezas. Lara, sentada a poucos metros, mantinha a postura calma de sempre: A luz suave refletia em seus óculos, e na extensão de seus ombros via-se um misto de elegância e tensão. Quando chegaram ao carro, Josué olhou para Artur, que se aproximava com passos vacilantes, a gravata torta e um sorriso sem brilho. O bilionário inconsequente tinha uma taça de champanhe ainda pela metade, e a aba do paletó suja de gotas de chuva. Em vez de julgar, Josué sentiu uma pontada de compaixão, era como olhar para uma criança perdida em roupas de adulto. Mas sabia que, enquanto aquele homem não assumisse suas escolhas, Lara continuaria à mercê de seus caprichos. Artur se aproximou e falou alto, como se quisesse afastar qualquer traço de incerteza: — Que noite espetacular, não é? Lara, obrigada por estar aqui… Sua voz tremeu quando encontrou o olhar de Josué, firme e exigente. — Artur. Disse Josué, com firmeza — Precisamos conversar. Amanhã cedo, na empresa. É urgente. O corpo de Artur estremeceu, como se despertasse de um transe. Olhou de Lara para Josué, a expressão oscilando entre impaciência e receio. — Tudo bem! Respondeu, soltando o copo com um tilintar breve, — Até amanhã. Enquanto o carro arrancava no meio da tempestade, Josué sentiu o peso daquela promessa. O futuro tão frágil quanto o asfalto molhado dependia do compromisso de um homem que, apesar de todo o dinheiro do mundo, ainda era incapaz de conter sua irresponsabilidade. E naquele ruído de pneus cortando poças, ele supunha que sua maior tarefa seria manter Lara e o filho dela seguros, até que Artur aprendesse, enfim, o valor das próprias escolhas. Josué ficou olhando o carro sumir na neblina da noite, o motor retumbando nas poças das alamedas silenciosas. Ainda sentia o frio que subia pela espinha no hall da mansão, mas agora era um frio misturado a uma faísca de esperança A única que o impelia a acreditar que Lara, com toda a sua doçura firme, poderia curar as feridas de Artur. Na volta para casa, o silêncio do carro parecia maior do que nunca. Ele apertava o volante como se quisesse segurar o destino em suas mãos. E ela pensava no bilionário inconsequente, o mesmo homem que assistira, deslumbrado, ao riso franco de crianças num pátio escolar. Aquelas mãos, sempre prontas para brindar com champanhe, mas tremendo quando tinha de assumir responsabilidades. Ao chegar ao apartamento, subiu as escadas dois degraus de cada vez. Lá em cima, o quarto onde o filho dormia tranquilamente lembrava-lhe por que tudo aquilo importava. Gabriel, com seu olhar puro e sensível, não podia se tornar mais uma vítima dos impulsos de um pai que se perdia em luxos e vícios. Enquanto isso na mansão dos Montenegro, Josué coçou o queixo, exausto, e voltou à sala. Acendeu o abajur ao lado da escrivaninha, Mesmo assim, ele acreditava em algo fundamentado: Na força única de Lara. Ela não era só uma educadora exemplar; era a prova viva de que a disciplina, a empatia e o amor podiam transformar vidas. Se alguém podia ensinar ao herdeiro da Montenegro Empreendimentos o valor da responsabilidade, de honrar acordos, de proteger uma criança que não era biologicamente sua, era ela. Josué fechou os olhos e viu o sorriso calmo de Lara ao confortar seu filho, viu sua postura inabalável diante de injustiças, e sentiu-se invadido por um fio de confiança. Na manhã seguinte, o céu abriu-se em cinzas suaves. Josué saiu de casa antes do sol nascer, o casaco ainda úmido de chuva. Ele chegou à escola mais cedo, procurando Lara no jardim onde Gabriel costumava brincar. Encontrou-a ajeitando almofadas no playground adaptado, com movimentos suaves marcando cada movimento. Ela ergueu o olhar, cansado, mas firme. — Boa manhã! Disse ele, tentando soar leve. Ele respirou fundo. — Eu confio em você. E confio que, se alguém pode mostrar ao Artur o caminho da responsabilidade, esse alguém é você. Lara sorriu, um sorriso de quem conhece o peso do próprio coração e ainda assim escolhe a esperança. Enquanto caminhavam juntos pelo gramado úmido até o carro, Josué sentia o peso de cada palavra: Precisava acreditar que o casamento mais que um instrumento jurídico era um instrumento de redenção. Que Lara, com sua paciência e amor pelo difícil, não apenas ensinasse Artur a controlar seus impulsos, mas a descobrir um propósito maior proteger, sustentar e amar uma criança que, de outro modo, ficaria sem pai de verdade. E assim, ao conduzir o carro pela alameda desperta, Josué pensou: Se ela conseguisse inspirar a rédea solta de Artur, talvez o legado da família Montenegro deixasse de ser apenas luxo para se tornar também responsabilidade e afeto genuíno. Porque, no fim, a maior conquista seria ver aquele homem adulto, cansado e perdido, se tornar o guardião que não só seu império tanto precisava, mas também o homem que Lara merecia e o pai que o pequeno Gabriel precisava E finalmente honrar mas o valor de uma família de verdade!Capítulo 5 – O Inferno FrancêsA brisa gelada que soprava pelas janelas altas do apartamento em Paris parecia carregar um lamento.Gabriel, de nove anos, sentiu o arrepio percorrer a pele fina dos braços, abraçou-se como para se proteger do frio e das sombras que pareciam se agigantar no teto. O espaço, antes descrito como um refúgio promissor de tratamento, mostrava-se, a cada dia, uma jaula de crueldade e traições.O chão de parquet antigo rangia a cada passo, o teto alto ecoava o som dos móveis deslocados e, nos corredores, o perfume cansado de lavanda escondia odores mais pesados: O bafo de raiva de Raquel, a madrasta designada para cuidar dele. Em sua mente infantil, Gabriel recordava com nitidez a despedida de Lara:Ela tinha lhe dado um ursinho azul e dito para ser corajoso. Agora, a saudade brotava como uma ferida aberta: o coração dele apertava-se em cada recordação do carinho verdadeiro.O dia começara cinzento, quase sem sol. Gabriel acordou com um suspiro de tédio e a
O Grito SilenciosoO apartamento amanheceu envolto por uma névoa úmida. Lá fora, o som distante de sirenes misturava-se ao canto rouco de pombas nos parapeitos. Gabriel acordou antes mesmo dos raios de sol. O braço latejava, mas a dor era menor que o aperto no peito. Os olhos pesados avistaram, na escrivaninha, o vidro de um calmante que Raquel deixara estrategicamente ao alcance, como se fosse uma ordem para mantê-lo calmo.Ele recusou o comprimido, sacudiu a cabeça e tentou ignorar a mão invisível que apertava seu coração. Era sexta, dia de terapia. Mas Raquel disse a Ronaldo, na frente do menino, que a sessão era supérflua que ali, em casa, ela cuidaria.— Ele não precisa de mais uma madrasta babá, declarou Raquel, em tom de conselho. — É coisa da psicóloga, essa choradeira.Ronaldo acenou, desviando o olhar. Gabriel sentiu a humilhação quente como chama. Apertou o ursinho e saiu de casa para caminhar na sacada, pendurado no corrimão metálico. Lá embaixo, a rua parecia um ri
O UltimatoO sol ainda estava tímido no céu quando Artur Montenegro, aos quarenta e três anos, acordou com a boca seca, o gosto amargo da ressaca colado na língua e o zumbido irritante do telefone vibrando sobre a mesa de cabeceira.O quarto de hotel cinco estrelas, ainda mergulhado pela escuridão protetora das cortinas pesadas, cheirava a uísque caro, perfume feminino e decepções repetidas. Mulheres eram odiosamente necessárias. Sempre dizia que quem gostava de mulher eram os gays, homens gostavam de sexo.Ele se espreguiçou, os olhos queimaram ao tentar focar no visor do aparelho. Era o pai.Outra bronca às sete da manhã? Mas que saco. Estou com dor de cabeça, fala logo!— Esta é sua última chance, Artur. Se você não se casar até o final deste mês, perde tudo. Presidência da Montenegro Empreendimentos, parte da herança, os carros, os cartões, tudo!— Casamento? Pai, pelo amor de Deus, isso é um absurdo! —Eu nem tenho uma namorada!— Absurdo é ver o nome da nossa família sendo a
A Centelha da Ideia.Perguntou ainda em pé ao lado da mulher que havia lhe ajudado a pouco. Ela puxou o maço da bolsa, entregou o cigarro e o isqueiro, mas continuou olhando para o nada com os olhos marejados. — Obrigado. Artur se sentou ao lado dela e enquanto compartilhavam o cigarro, contaram histórias que ainda feriam um ao outro.O nome dela era Lara. Professora de crianças com deficiência intelectual. Recém-divorciada, o coração ainda está em pedaços. Contou que tinha descoberto ali que o marido com quem foi casada por oito anos tinha uma amante há cinco. — Ele vai levar o meu filho com eles e nem sei o que mais me machuca, se é a traição dele ou saber que fui uma idiota por tanto tempo. Ela jantava na minha casa, ia comigo ao shopping e eu ajudava ela escolher a lingerie que ela usaria com o namorado. Um sorriso amargo se misturou a lágrima. — O meu marido! Era o meu marido. Artur não tinha ideia do que dizer, achava que a criança ir com o pai era o melhor, assim Lara
A Proposta InacreditávelO dia estava cinza, uma bruma leve cobria os prédios altos enquanto Artur Montenegro estacionava seu carro alugado em frente a uma escola pública de arquitetura antiga e desgastada. O homem que antes fora capa de revistas de negócios agora estava parado dentro do carro enquanto observava a entrada de crianças com mochilas coloridas e olhares agitados. Em uma folha dobrada no bolso, lia-se o nome que havia perseguido em pensamentos por dias: Lara Matos.Desceu do carro como se o chão fosse estranho. As calçadas rachadas e os muros rabiscados com frases infantis e corações lembravam-no de um mundo do qual sempre esteve distante, e ele nunca pensou em se aproximar. Mas era ali que ela estava. A mulher que, numa noite qualquer, estendeu a mão sem pedir nada em troca.A secretária olhou com desconfiança para aquele homem de aparência descuidada, olhar perdido.— Posso ajudar?— Estou procurando a professora Lara Matos.— Assunto?— Particular.A mulher avaliou-