capítulo 2

Omar sempre foi um homem ocupado. Não apenas pelo cargo que ocupava, nem pelos números que carregava nas costas, mas porque era o cérebro por trás da agência de design de calçados mais desejada do país — e, com sorte ou merecimento, do mundo inteiro.

Ele era o gênio criativo que desenhava os sapatos que as mulheres mais ricas, mais elegantes e mais influentes queriam usar.

Mas por trás do talento, havia silêncio.

Havia um homem calculado, introspectivo. Que preferia a companhia de um esboço à de outro ser humano. Que se escondia atrás da mesa como se a madeira e o couro pudessem protegê-lo do resto do mundo.

E talvez pudessem.

“Se eu pudesse, nunca sairia dessa cadeira.”

Ele dizia isso sempre, como se aquela frase bastasse para explicar tudo o que ele era. Mas a vida, cruel como só ela sabe ser, exigia dele mais do que talento. Exigia presença. Humanidade. Família.

E era aí que tudo doía.

Porque Omar tinha um passado que deixava cicatrizes profundas demais para serem escondidas com um sorriso.

A mãe dele… Ah, a mãe.

A mulher mais doce e radiante que ele já conhecera. E também a que mais lhe faltava. O câncer a levou cedo demais. Omar a viu definhar. Viu o corpo dela ser drenado aos poucos pela doença. Viu o brilho sumir dos olhos dela. E não pôde fazer nada. Apenas olhar. E lembrar.

Ela dizia que a vida precisava ser vivida com alegria.

Mas essa promessa morreu com ela.

Desde então, Omar parou de sorrir. Não da boca pra fora — isso ele até sabia fazer. Mas de verdade? Nunca mais.

Encontrou refúgio nos saltos que desenhava, nas curvas dos sapatos, nas linhas que criava. Criava beleza porque era a única forma que conhecia de continuar respirando. De parecer inteiro enquanto tudo dentro dele desmoronava em silêncio.

Amor?

Casamento?

Não.

Pra ele, amar era um convite direto à dor. Era se apegar pra depois perder. E ele… ele não suportaria perder de novo.

Era por isso que, toda vez que sua tia — a mulher que o acolheu, o criou e ainda tentava dar rumo ao coração dele — arranjava um jantar com alguma filha de amiga, ele aceitava. Não por querer.

Mas por gratidão.

Ele a amava. E não conseguia dizer “não” com todas as letras. Então ele ia. Comparecia com um sorriso educado e um plano cruel: sabotar tudo antes da sobremesa. Funcionava. Sempre funcionava. As mulheres saíam magoadas, ofendidas, às vezes em lágrimas. E ele voltava pra casa. Aliviado.

Mais uma vez, escapara do perigo de amar.

Aquela manhã parecia mais um desses dias comuns. O elevador abriu, e Omar saiu com passos firmes. Sua assistente tentava acompanhá-lo com a agenda em mãos, quase tropeçando no salto.

O escritório já fervilhava. Analistas, designers, marqueteiros. Todos em movimento. Todos precisando dele — ou fugindo dele.

A empresa era uma engrenagem eficiente, e todos sabiam que a exigência vinha do topo.

Vinha dele.

Omar era respeitado. Talvez até temido. Sua presença silenciava conversas, endireitava colunas. Onde ele passava, o som diminuía. Mas aquilo que muitos chamavam de poder, pra ele era só solidão disfarçada.

Ele odiava esse efeito.

Odiava ser visto como um tirano. Odiava que seus funcionários o temessem, quando ele só queria ser visto como um criador, um artista.

Mas era mais fácil vestir a máscara do chefe frio do que admitir que ainda doía. Que o silêncio, às vezes, pesava mais que o terno.

Porque, no fundo, Omar era isso: um homem que fugia de sentimentos e se escondia atrás de linhas e texturas. Que criava beleza enquanto evitava se quebrar por dentro.

— Senhor, sua tia marcou um jantar com...

A voz da assistente travou no meio da frase.

Omar parou. No meio do corredor. O corpo tenso. Os ombros erguidos como se carregassem um peso invisível. A respiração longa, pesada, como se conter a raiva diante dos funcionários exigisse força sobre-humana.

— Não me diga — ele murmurou, sem olhar pra ela. O sarcasmo escorria da voz. — Qual é o nome da candidata da vez?

O tom era frio. Cortante. Como se cada palavra viesse envolta em gelo.

Se pudesse, pegaria aquele tablet da mão da assistente e o arremessaria contra a parede. Como se apagar o nome da agenda fosse o suficiente pra apagar a obrigação.

— Prossiga. E, por favor, nunca mais me informe sobre esses jantares — completou, agora mais calmo. Mais perigoso.

Importava o nome dela?

Claro que não.

Ele seguiu até o escritório. Ignorou os olhares, as conversas interrompidas. Sua presença impunha silêncio. Como sempre.

A assistente tentou continuar com a pauta. Reuniões. Pendências. Apresentações. Ele escutava, mas não ouvia.

Entrou na sala. Tirou o paletó. Afrouxou o botão do terno. Sentou.

A cadeira. A única coisa que ele ainda sentia que podia controlar.

Mas sua mente já estava em outro lugar. Já ensaiava as desculpas que usaria no jantar. Já imaginava como destruir mais uma expectativa antes mesmo da entrada chegar à mesa.

Ele queria dizer "basta". Queria olhar nos olhos da tia e confessar que não aguentava mais.

Mas a decepção dela o esmagava por antecipação.

Antes que a assistente terminasse a lista, a porta se abriu.

Sem nem bater.

— Com licença — disse Penélope, com um sorriso enviesado que parecia mais um convite do que uma saudação.

A assistente engoliu seco.

Penélope.

A nova contratação do marketing.

Competente. Jovem. Ambiciosa demais. Atraente demais. E perigosamente consciente disso.

Não escondia de ninguém sua intenção: laçar Omar.

Não por amor. Não por interesse romântico. Era por status. Poder. Ascensão.

E, claro, Omar notava. Ele sempre notava.

Vestido justo, cabelos impecáveis, batom vermelho que parecia gritar “olhe pra mim”. O olhar afiado de quem sabe jogar.

Mas ele não era ingênuo.

Ele via tudo. Os gestos calculados. Os sorrisos em excesso. O perfume estrategicamente escolhido. A postura de quem está sempre pronta pra atacar.

— Penélope, estamos ocupados — ele disse. Sem gritar. Sem alterar o tom. Mas com firmeza suficiente pra desmontar qualquer clima.

Ela sorriu mais ainda. Como se aquilo a estimulasse.

Ele sequer piscou.

Ela era bonita. Era.

Mas Omar já aprendera a diferenciar beleza de ameaça.

— Senti sua falta na festa ontem — disse ela, como quem j**a uma isca.

A assistente captou o tom. Pegou seus papéis e saiu. Instalou-se na sala ao lado. Discreta. Atenta. Sabia que ouviria tudo, mas era boa o suficiente pra nunca comentar nada.

— Desculpe, Penélope — ele disse, os olhos no monitor. — Eu não sou de festas.

A resposta veio seca. Rígida. Como quem já quer encerrar o assunto.

Mas ela insistiu.

— Foi uma comemoração importante. Ganhamos o prêmio máximo da coleção. Você não está feliz com isso?

Ela se sentou. Cruzou as pernas com um movimento estudado. O vestido subiu. Os seios quase escaparam. Cada milímetro de pele era uma jogada. Cada sorriso, uma armadilha.

Mas ele continuou imóvel.

Ela era uma funcionária. E ele era o chefe. E acima de tudo, odiava quebra de limites.

— Então, Penélope — ele disse, finalmente encarando-a com frieza. — O que você veio fazer aqui a essa hora?

A pergunta foi um golpe direto.

Ela tentou manter a pose. Tirou papéis da bolsa. Os colocou sobre a mesa.

— Vim entregar ideias iniciais pra próxima coleção — respondeu, a voz um pouco menos segura.

— Isso deveria ter sido agendado — retrucou ele, firme. — Você sabe o quanto eu odeio interrupções fora do cronograma.

Ela arregalou os olhos. Engoliu o orgulho. Baixou o olhar.

— Desculpa, chefe.

Ele respirou.

Talvez agora ela entendesse.

Ele não era homem de joguinhos.

Não queria ser seduzido.

Não ali.

Não por ela.

Não depois de tudo que já havia perdido.

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