O mundo pareceu desacelerar no instante em que Maria Júlia viu o carro vindo em alta velocidade. O coração dela disparou, os músculos reagindo antes mesmo da mente processar o que estava acontecendo.
Ronaldo estava no meio da rua, distraído, sem perceber o perigo iminente.
— RONALDO, CUIDADO! — O grito escapou de sua garganta antes que pudesse pensar.
E então ela correu.
Tudo aconteceu rápido demais.
O impacto veio como um golpe brutal, jogando Maria Júlia para longe. Seu corpo voou pelo ar antes de bater contra o asfalto com força. O barulho do choque do carro contra seu corpo ecoou em sua mente, junto com os gritos desesperados ao redor.
A dor foi instantânea. Um calor insuportável percorreu sua coluna, e seu peito se contraiu com o ar que parecia não entrar nos pulmões. Ela tentou se mexer, mas um peso esmagador a impedia.
Ouviu passos apressados e um desespero familiar na voz de Ronaldo.
— Maria Júlia! Meu Deus, Maria Júlia! Fala comigo, amor!
Os olhos dela piscavam pesadamente, a consciência oscilando entre a dor e o torpor. Tentou falar, mas sua boca não se movia.
— Alguém chama uma ambulância, agora! — Ronaldo berrou para quem estivesse por perto.
As luzes da cidade começaram a se apagar diante de seus olhos, e tudo ficou escuro.
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O som intermitente do monitor cardíaco foi a primeira coisa que ouviu ao despertar.
O cheiro forte de álcool e antisséptico inundou suas narinas. A claridade intensa da sala a fez piscar algumas vezes antes que conseguisse focar a visão.
Um teto branco. Máquinas piscando ao seu lado.
Hospital.
Ela franziu o cenho, tentando se lembrar do que aconteceu. Então, a memória veio como uma avalanche: o carro, Ronaldo, o impacto...
Tentou se mover, mas algo estava errado. Muito errado.
— Maria Júlia...
A voz rouca e trêmula de Ronaldo fez seu coração acelerar.
Ela virou a cabeça devagar e o encontrou ali, sentado ao lado da cama, os olhos vermelhos e fundos. Ele parecia exausto, como se não dormisse há dias.
— O que... o que aconteceu? — Sua voz saiu fraca, arranhada.
Ronaldo segurou sua mão com força.
— Você salvou minha vida.
As palavras ecoaram em sua mente enquanto seu peito se apertava com uma angústia desconhecida.
Foi então que percebeu.
O peso.
A ausência de sensação.
O silêncio de seu próprio corpo.
— Ronaldo... — A respiração dela ficou irregular. — Eu... eu não sinto minhas pernas.
O pânico tomou conta. Tentou se mexer novamente, mas nada aconteceu.
Ronaldo apertou os lábios, desviando o olhar. Foi quando Maria Júlia notou a presença de um médico no quarto. Ele usava um jaleco impecavelmente branco e segurava uma prancheta com um olhar profissional, porém cuidadoso.
— Senhora Maria Júlia, sou o Dr. Henrique. Você sofreu um acidente e teve uma lesão na coluna.
O coração dela batia forte contra o peito.
— O que isso significa? — perguntou, a voz embargada.
O médico respirou fundo antes de responder.
— Significa que, no momento, você perdeu os movimentos das pernas.
O mundo dela desmoronou.
— No momento? Então quer dizer que eu vou voltar a andar?
O silêncio do médico foi uma tortura.
— Ainda não podemos afirmar isso com certeza. Algumas lesões podem ser temporárias e reverter com fisioterapia. Outras, infelizmente, podem ser permanentes. Teremos que observar sua evolução nos próximos meses.
O ar desapareceu dos pulmões de Maria Júlia.
— Não... não... isso não pode estar acontecendo!
Os olhos dela se encheram de lágrimas. O desespero tomou conta, o peito subia e descia rapidamente enquanto tentava mexer as pernas.
Nada.
Nenhum movimento.
Nenhuma resposta do próprio corpo.
— Isso é um pesadelo, né? — Sua voz era apenas um sussurro.
Ronaldo segurou o rosto dela com as mãos, forçando-a a olhar para ele.
— Ei, calma, amor. Vamos superar isso juntos. Eu estou aqui, tá? Não vou a lugar nenhum.
Maria Júlia queria acreditar nele. Queria confiar. Mas o medo era maior.
— E se eu nunca mais andar?
Ronaldo engoliu em seco, os olhos brilhando com algo que ela não soube decifrar.
— Você vai lutar. E eu vou lutar com você. Um passo de cada vez.
Ela fechou os olhos, tentando encontrar forças.
Mas, no fundo, algo lhe dizia que aquilo era apenas o começo.