Rangel era mimado, egocêntrico e jamais entenderia o peso das palavras que dizia tão casualmente, o mundo dele era outro afinal. Então, sem hesitar, ela se virou e saiu da casa.
O banho dele durou quase meia hora. Rangel amava demorar, e quando saiu do banheiro, já estava pronto para seguir o roteiro da noite romântica, de fachada. Ele se vestiu e entrou no quarto esperando encontrar Tayanara. Quando não a encontrou, franziu a testa, olhou o banheiro. — Tayanara? Desconfiado, foi para a sala, olhando ao redor, sem entender por que a casa parecia estranhamente vazia, quando viu o dinheiro sobre a mesa. Dobrado cuidadosamente, como um sinal de que ela não aceitava mais nada dele, sentiu uma onda de irritação subiu por seu corpo antes mesmo de perceber o verdadeiro motivo por trás disso. Pensou consigo mesmo, ela foi embora, quebrou o nosso acordo, eu devia ter feito um contrato. Ela simplesmente desistiu, me largou na mão sem aviso, sem discussão, sem sequer lhe dar a chance de falar algo. Rangel sentiu o impacto desse abandono como um golpe inesperado, um desaforo, não porque precisasse dela. Não porque o acordo em si fosse o problema. Mas porque, pela primeira vez, alguém o abandonou, antes que ele tivesse a chance de fazer isso primeiro, ainda mais, alguém como ela, " inferior " a ele. E isso… incomodava mais do que ele queria admitir. Rangel ainda assim, acreditou que ela voltaria, porque Tayanara era pobre, dizia estar cheia de dívidas, sustentando a mãe doente… como poderia simplesmente jogar fora a chance de estabilidade financeira durante meses? Ele não se preocupou muito nos primeiros dias. Estava irritado, sim, mas certo de que, mais cedo ou mais tarde, ela bateria à sua porta pedindo para recomeçar o acordo, se humilhando. Mas então, aconteceu algo que ele não previu, certo dia, enquanto rolava o feed de notícias em uma rede social, viu uma imagem que fez seu coração parar por um segundo.Era ela, Tayanara bem diferente de sempre. Não a moça tímida, reservada e envergonhada que ele conhecia. Na tela do celular, Tayanara exibia uma nova versão de si mesma " segura ", provocante, posando em lingerie para uma marca de luxo. O ensaio era sofisticado, sensual, com sofá de couro, tudo absolutamente inesperado. Ela estava diferente, e o mundo notou, em questão de horas, Tayanara explodiu nas redes sociais, graças aos fãs de Rangel, que estavam investigando o relacionamento deles. Os comentários eram cheios de elogios. Homens exaltando sua beleza, marcas entrando em contato, seguidores crescendo como se, de repente, o mundo inteiro tivesse percebido o que Rangel nunca viu, que ela era bonita, como era. Ele achou que ela não precisava mais dele, e isso o incomodava. Ele se sentiu ridículo por pensar que ela voltaria. Agora, olhando para a tela do celular, vendo as centenas de comentários enaltecendo Tayanara, ele percebeu que talvez tivesse cometido o maior erro da sua vida, na busca da redenção pública. Também tinham muitos comentários ruins, debochando a ofendendo, criticando seu corpo robusto, ele não curtiu nem comentou nada, ficou com dor de cotovelo. Pensando que graças a fama dele, ela não precisava dele, não dependia mais do dinheiro dele, e pior que isso… Ela estava mais bela, e agora outros homens viam isso também, e ele seria motivo de piadas, por ter namorado a gordinha que começou ficar convencida. Rangel apertou o celular com força, sentindo algo dentro dele que não sabia nomear. Mas uma coisa era certa, ele perdeu o controle que achava ter. Tayanara realmente teve sorte, em receber a proposta de fotografar de lingerie, ganhou mais de quinhentos reais e esse dinheiro a ajudou comprar os remédios controlados de sua mãe, mesmo com muito medo da exposição, ela se esforçou e fez, aquilo parecia melhor do que ficar recebendo ordens, de um homem mimado egoísta, ela achou que estava livre. Os dias depois de sua saída da casa de Rangel foram intensos, mas de certa forma, libertadores. O ensaio sensual para a marca de luxo tinha aberto portas inesperadas, e pela primeira vez, ela se sentia enxergada não como um problema a ser consertado, mas como uma mulher desejável, ela foi convidada, para ser modelo em um salão de beleza, mudou o visual mudando a coloração e o corte de cabelo, tudo foi uma troca, ela precisava postar fotos, divulgar as parcerias. Rangel virou o expectador número um, acompanhando tudo, esperou só um pouco pela ascensão de Tayanara, que estava contente radiante, até que tudo começou a desmoronar. Era uma manhã gelada, Tayanara acordou muito cedo, para cuidar de sua mãe, demorou um pouco até pegar o celular, quando abriu as conversas, viu muitas notificações das redes sociais, foi abrir uma conversa com uma foto desconhecida de mulher, o texto era " Oie sou advogada, o salão me passou seu contato, quero te oferecer meu apoio jurídico. Sinto muito que esteja passando por isso tudo! Já viu esse vídeo seu? " Junto tinha um link, Tayanara na inocência clicou, em instantes o aplicativo não funcionou mais, as mensagens desapareciam, o celular começou travar e o pior de tudo: um rumor sobre ela começou a circular em páginas de fofoca. "Tayanara modelo plus size, ex-namorada de Rangel campeão de MMA, teria traído o lutador enquanto ainda estavam juntos a poucos dias atrás. Fontes próximas confirmam que o relacionamento acabou por uma traição e mudança no comportamento dela, que ficou deslumbrada com todas as oportunidades que namorar ele, lhe trouxeram!" Ela não acreditou no que estava vendo, mexendo no celular da mãe, ficou indignada pensando: Traição? Que fontes eram essas? Quem poderia ter inventado algo assim? A resposta veio rápida: Rangel ! Ele queria vingança, era óbvio. Não aceitou ser abandonado, não aceitou vê-la crescer sem ele. E agora, de alguma forma, ele tinha invadido seu celular, apagado seus acessos às redes sociais e jogado o nome dela na lama, manchando sua reputação. Sem conseguir resolver o problema sozinha, sem celular, sem acesso às redes, ela se arrumou na força do ódio, foi até a casa dele, o confrontar. Não importava se era impulsivo, se era arriscado, ela precisava encará-lo nos olhos, lhe dizer umas boas verdades. Quando chegou, encontrou algo inesperado. A casa estava cheia de pessoas, tocando música alta, todos com bebidas, era uma das festas de Rangel. Ele a viu antes que ela conseguisse respirar fundo e digerir tudo. E então, ele sorriu com deboche a afrontando. — Você demorou pra aparecer — disse, como se já soubesse que ela viria. Tayanara ignorou os olhares ao redor e se aproximou, sentindo a raiva pulsar no peito. — O que você fez?! Seu canalha! — Foi você, não foi? Porque? Ele caminhou até o escritório, fechou a porta, assim que ela entrou, pegou um copo de whisky e deu um gole tranquilo, como quem não se importava nem um pouco com a tempestade que criou. — Fiz o que precisava, pra te trazer de volta. Fofinha! — Achou que ia me deixar, humilhar, sem consequências? — Isso não acaba, até eu querer que acabe. Ela congelou, cerrou os olhos indignada. — Você tá me ameaçando Rangel? O sorriso dele cresceu. — Não precisa me chamar assim. Só estou te dando uma escolha. Você volta e continua fingindo ser minha namorada, ou eu acabo com você na internet. E fora também! — Tínhamos um acordo. O chão sob os pés de Tayanara pareceu desaparecer, Rangel não estava brincando. E agora, pela primeira vez, ela percebeu que fugir não seria suficiente, Tayanara não ia recuar. Ela olhou nos olhos de Rangel, sentindo a raiva crescer em seu corpo, e decidiu que não ia se render. Se ele queria vê-la quebrada, não conseguiria. Se ele queria vê-la fugindo, decepcionada, ele não teria esse gosto. Então, ao invés de sair, ela fez o oposto. Ela ficou, pegou o copo da mão dele — Você vai se arrepender, de mexer comigo. — Eu nunca menti na vida, como pode me acusar, de traição? — Eu sou muito honesta. Bebeu o whisky todo, começou tossir entre os goles, encheu o copo brava. — Você deu uma festa, vem, vamos curtir essa porcaria toda. Postar fotos mais falsas, que esse seu sorriso de cafajeste. Ele disse que precisavam conversar, ela saiu do escritório com o copo cheio, começou andar pela festa como se nada tivesse acontecido. Se era um jogo, ela ia jogar também.