Mundo de ficçãoIniciar sessãoLavínia acorda com a voz de sua mãe sussurrando algo para a enfermeira. Com muito esforço, ela abre os olhos. A luz do dia já entrava pela cortina, iluminando um pouco o quarto, mas não o suficiente para incomodar seus olhos. Ela olha em volta e vê sua mãe conversando com uma das enfermeiras. Então, olha para a cama ao seu lado e não vê Allister.
- Ele já deve ter ido embora. Sem que ela perceba, um sentimento estranho toma conta do seu peito. - Saudade...? Eu estou com saudades de Allister? Não, isso não pode ser real... Ela nega para si mesma, não quer acreditar que, em tão pouco tempo, aquele homem já dominou seus sentimentos. - Oi, filha, que bom que acordou. Está com fome? Maria se aproxima da cama com uma pequena mala na mão. - Não muito. Quero mesmo é tomar um banho, estou me sentindo imunda... - Não fala assim, filha. Você passou por momentos difíceis, lutou pela vida... _ Lembranças da noite da festa tomaram conta de Lavínia, e ela teve que lutar para não demonstrar para sua mãe - Seja gentil consigo mesma, ok? Maria termina de falar, totalmente alheia ao que sua filha sente. - Tá bom, mãe, desculpa. A senhora pode me ajudar com o banho? - Mas é claro, estou aqui pra isso. E, inclusive, trouxe roupas limpas, maquiagem, teus cremes e perfumes... Maria fala tirando alguns itens da pequena mala de viagem que ela trouxe para o hospital. - Mãe... Muito obrigado por isso, mas nós não estamos em um spa... - Minha filha, eu sei o quanto você é vaidosa. Deve estar se sentindo mal com essas roupas de hospital, tirando que você não toma banho há dias... Maria sussurra a última frase para Lavínia, como se fosse um segredo ou algo vergonhoso, o que fez Lavínia rir muito. O banho foi trabalhoso; o corpo de Lavínia ainda dói e, por sua mãe ser bem mais baixa que ela, tiveram que pedir ajuda à enfermeira para tirá-la da cama e colocá-la na cadeira de rodas própria para banho. Depois do banho tomado e dos dentes escovados, Lavínia arruma seu cabelo ainda molhado em uma trança lateral, cuidando para não apertar o local da cirurgia, pois seu cabelo é ondulado e cheio, podendo embaraçar fácil se ficasse solto no travesseiro. Maria ajudava com o pente e repetia a frase que Lavínia ouvia desde pequena, o que traz conforto para ela: - Cabelo de Rapunzel, de princesa Mérida, rebelde que nem você, mas igualmente lindo e livre. Cuide sempre bem dele... - Cuide bem dele, não é parte só do teu corpo, é a extensão da sua alma! Lavínia terminou a frase, deixando Maria emocionada. - Quando você estava naquela mesa de operação, eu fiquei com tanto medo de te perder. Ficava pensando nesses nossos momentos, nesses lindos cabelos, nesse sorriso de menina travessa... Eu te amo, minha princesa rebelde! Maria fala com a voz embargada, e antes que Lavínia pudesse responder, ela é sufocada pelo abraço quase desesperado da mãe. - Mãe, já acabou, eu estou bem, está tudo bem... - Você tem razão, eu que sou uma boba preocupada... - Não, mãe. Vem aqui! Ela dá um abraço apertado na mãe e, quando se soltam, vê Allister parado na porta com algumas sacolas na mão. - Desculpe, eu não quis atrapalhar! Lavínia sente seu coração pular do peito ao ver ele ali, parado como uma estátua dedicada a algum deus grego. - Não atrapalhou. Que cheiro bom é esse? - Eu trouxe algumas coisas pra você comer, imaginei que ainda não tenha tomado teu desjejum. - Imaginou certo, ela acabou de sair do banho. Allister sorri. - Como não sei bem o que Lavínia gosta, trouxe muitas coisas... sucos, café com leite, café puro... Ele fala tirando algumas garrafas térmicas da bolsa. - Quanta gentileza. Vou pegar alguns copos na cozinha, já volto! Eles observam Maria sair e, assim que ela fecha a porta, um silêncio incômodo se espalha pelo quarto. - Já falou com ela? _ Allister pergunta, quebrando o clima tenso. - Não, ainda não deu tempo... - Seja rápida. Falei com o médico, e ele vai te dar alta amanhã. Lavínia olha para ele, surpresa. - Já? Tão rápido? - Está surpresa por quê? Você se recuperou bem rápido, o que é bom, já que aqui eu não consigo te proteger o tempo todo. Ele fala a última frase com a voz baixa, temendo que alguém ouvisse. - Eu vou falar hoje, não se preocupe. Até a noite vai estar tudo resolvido. - Tá bom, confio em você. - Que bom, mas agora me alcance aquele pão de queijo, estou sentindo o cheiro dele daqui. Allister sorri e alcança o prato com todos os pães de queijo que trouxe, e quando Maria volta, Lavínia já havia devorado uns três. - Poxa, filha, nem esperou eu trazer os copos. Sente-se, senhor Allister, tome café com a gente. Ele sorri, pega um xis-salada, um copo de suco de laranja e senta no sofá, se deliciando com a comida. Lavínia fica surpresa com a reação dele. Nunca o imaginou comendo comidas comuns de padaria; na verdade, nunca o viu tão relaxado. Seu rosto, antes sempre rígido, agora exibia um leve sorriso, e seus olhos até pareciam mais claros, como se, por alguns instantes, aquele abismo tivesse sumido. Ela morde um pão de queijo e encara sua mãe, que também está surpresa com a atitude de Allister. Lavínia segura uma risada quando sua mãe a encara como quem diz “você também viu isso?” Ele olha curioso para as duas, que disfarçam, falando da comida e de como ele foi gentil. Depois de comer, Allister se despede e sai, mas antes de fechar a porta, olha para Lavínia, e ela entende que precisa ter logo a conversa com sua mãe. Assim que Allister fecha a porta, Lavínia chama a mãe e pede para ela sentar ao seu lado. - Mãe... Eu lembrei da noite da festa! Maria olha surpresa para a filha e espera pacientemente ela falar. - O senhor Allister falou a verdade... E pra falar bem a verdade, a maior culpada fui eu. Aqueles saltos estavam me matando e eu estava ficando maluca, queria ir pra casa o mais rápido possível, e quando ele me avisou que seria o último convidado da noite e depois eu poderia ir pra casa, eu perdi totalmente o juízo... Ela parou por alguns segundos, tentando pensar na melhor forma de parecer o mais verdadeira possível. - Estávamos no escritório, conversando com uma das convidadas, e então ele falou sobre o convidado. Eu saí praticamente correndo da sala e, quando fui pisar no primeiro degrau pra descer a escada, meu salto enroscou no vestido. A partir daí, a única coisa que lembro é de estar no pé da escada e sentir muita dor no pé e no corpo todo... Ela olha para a mãe com os olhos marejados, como se ainda sentisse a dor daquela noite. - Eu tentei levantar, mas quando fiquei de pé, a dor foi tão forte que eu desmaiei e acordei nessa cama de hospital! Ela termina e percebe que sua mãe ainda está calada, observando-a atentamente. Com medo de que Maria não acreditasse nela, Lavínia põe o rosto entre as mãos e sussurra: - Que vergonha, meu Deus. Envergonhei meu patrão e quase morri por causa de um salto alto... Maria pega a mão da filha e a abraça. - Acidentes acontecem, não foi culpa sua. Além do mais, você estava naquele salto a noite toda, obviamente iria sentir dor nos pés. O que importa é que sua memória voltou e você está se recuperando bem! Lavínia sorri, aliviada por ver que sua mãe acreditou, mas agora vem o mais difícil: contar que irá ficar na fazenda de Allister. - Mãe... Preciso pedir uma coisa pra senhora... Ela pega as mãos de Maria e fica séria. - Me deixe ficar na fazenda de Allister? Pega de surpresa, Maria fica muda. - Eu quero continuar trabalhando e, como estou com o pé quebrado, não posso ficar me deslocando de um lugar pra outro todo dia... Lavínia fala sem conseguir arrumar outra desculpa. Havia pensado em mil formas de falar com a mãe, mas nada parecia que iria dar certo. - Trabalhar, filha? É sério que você está pensando nisso? Nem pensar, você precisa se recuperar antes... - Eu sei, mãe, e por isso fiz Allister prometer que terei uma cuidadora comigo o tempo todo. Eu só não quero ficar parada, a senhora me conhece; se eu ficar em casa o tempo todo, ficarei mais doente do que já estou... Maria levanta da cama e caminha pelo quarto em silêncio. Depois de alguns minutos, olha para Lavínia e dá o veredicto: - Tudo bem, sem problemas. Você pode ficar lá, mas com uma condição: eu vou junto cuidar de você. Não vou arriscar que você se machuque novamente por causa de trabalho. Se ele não aceitar, você não vai. Lavínia prende a respiração por alguns segundos. Será que Allister vai aceitar? Ele tem que aceitar, senão o que será dela e de sua família? - Tudo bem, mãe. Irei falar com ele essa noite, tenho certeza que ele vai aceitar. Ela sorri, tentando tranquilizar sua mãe e a si mesma. Então, mudando de assunto, pede para a mãe levá-la a dar um passeio pelo corredor; não aguenta mais ficar na cama, sente como se fosse prisioneira e não uma paciente. Maria concorda, e as duas saem do quarto. Lavínia respira fundo quando sai, seus pensamentos vagando por outros lugares, mas o sorriso no rosto permanece. Precisa passar o máximo de confiança para sua mãe, só assim ela irá acreditar que tudo realmente está bem.






