Marcos fica perdido em seus pensamentos durante toda a reunião. Ele não consegue se concentrar e o tempo todo só conseguia pensar na garota que apareceu em seu escritório com aquela história absurda. Em sua mente ele estava tentando dar mais lado para a razão, afinal pelo histórico de Regina era bem possível que ela tenha inventado essa história maluca para arrancar dinheiro dele ou até mesmo apenas para brincar com sua mente. Porém era possível que fosse verdade, no fundo ele queria que fosse verdade, Regina era capaz de uma mentira dessas apenas para fazê-lo sofrer durante anos por uma perda que na verdade nunca existiu. A grande questão era a garota, ela pareceu sincera com suas palavras, não parecia uma história ensaiada, mas talvez ela só estivesse bem treinada.
- Desgraçada! - Marcos solta quase que com um grito batendo um dos punhos na mesa e todos olham diretamente para ele. - Desculpem, - ele pigarreia - vamos remarcar essa reunião para outro dia, ele diz se levantando de forma apressada da mesa fazendo com que Sérgio o siga até sua sala.
- Você não pode deixar uma menina que você nunca viu na vida te desestabilizar dessa forma. - Sérgio diz entrando na sala logo depois de Marcos.
- E você queria que eu ficasse como? - Marcos para em frente a enorme janela que tem atrás de sua mesa.
- Eu te entendo, mas vai por mim, essa menina está mentindo. É provável que ela nem volte amanhã.
- E se voltar? Sérgio eu sei o que você está pensando, e sim eu posso esquecer da razão em assuntos como esse, porém você não pode negar que existe uma chance. - Marcos diz se sentando na cadeira.
- Ok. - Sérgio diz se sentando também - Mas acredito que a possibilidade de não ser verdade é maior. Vamos pensar que talvez a garota esteja certa e que a Regina contou essa história para ela, é bem possível que seja mentira. Você mesmo disse que ela sempre foi uma manipuladora, mentirosa e também traidora, talvez ela não tenha interrompido a gravidez, mas quem garante que o bebê era mesmo seu. Sabendo como ela é você não acha que ela já teria te procurado a muito tempo querendo te arrancar algum dinheiro?
- E você acha que não está passando tudo isso na minha cabeça? Acontece que preciso saber da verdade, seja ela qual for. E claramente Abigail também precisa saber.
- E a Luiza?
- Já disse que vou conversar com ela ainda hoje.
- Eu sei, mas a questão não é somente contar, sei o quanto minha irmã pode ser compreensiva e com certeza ela vai entender a situação afinal além de ser um assunto do passado ela também conhece a história. Minha preocupação é que aconteça o mesmo que...
- Pode ir parando por aí. - Marcos diz irritado. - Eu sei bem onde você quer chegar, e não é a mesma situação, e é exatamente pra evitar problemas que amanhã mesmo iremos fazer o exame.
- Não é a mesma situação, mas se bem conheço minha irmã ela vai querer conhecer a garota, e é exatamente aí que está o problema. Vocês dois tem fortes tendências a ter dó de pessoas com cara de necessitada.
- Isso foi rude de mais, até mesmo pra você. - Marcos diz incrédulo com o que acabou de ouvir.
- Que seja, mas não deixa de ser verdade. O exame leva alguns dias para ficar pronto e esse meio tempo é o suficiente pra vocês dois ficarem envolvidos, e se no fim o exame der negativo? Como vai ser, julgando que a garota esteja certa na história e não seja como a mãe dela, mas pensando na possibilidade da mãe estar mentindo, como vai ser depois? - Sérgio pergunta realmente preocupado.
- Bom - Marcos dá um longo suspiro - você tem um ponto. Eu até pensei nisso, mas decidi me preocupar com uma coisa de cada vez, primeiro vamos fazer o exame, e depois, independente do resultado, a gente decide o que fazer. Mas também tem outra coisa que precisa ser feita agora também.
- E seria?
- Ela precisa de um emprego e colocar ela aqui nesse momento é complicado de mais, então eu pensei em você.
- Em mim? Que tipo de emprego eu poderia oferecer a ela? - Sérgio pergunta confuso.
- Sim. Já tem vários dias que você está procurando alguém para tomar conta da Lady Juju, então eu pensei...
- Pensou errado. - Sérgio interrompe Marcos - Você só pode ter enlouquecido de vez se acha que vou deixar uma completa desconhecida entrar na minha casa e tomar conta da Lady. Isso está fora de questão.
- Sérgio não é pra tanto. - Marcos diz se levantando da cadeira e indo em direção ao sofá - Primeiro que na sua casa tem gente o dia todo, depois que você nem gosta tanto assim da pobre da cachorrinha. - Marcos diz abrindo um sorriso divertido.
- Tem razão, - Sérgio diz indo em direção a uma das poltronas - mas você sabe que foi um presente da minha mãe e eu não posso correr o risco de alguém perdê-la ou fugir com ela. Minha mãe me mataria. Não sabemos quem de fato é essa garota, ela não tem um número de telefone, nem endereço, absolutamente nada, não sabemos nem se Abigail é o nome dela de verdade.
- E é exatamente por isso que eu acredito que ela precisa de ajuda, e vamos combinar que ela não tem cara de sequestradora de cães. - Marcos diz rindo - Olha só eu te entendo e não tiro sua razão, estou te pedindo esse favor como um amigo, pelo menos até sair o resultado do exame, e eu vou pagar.
- A questão não é o dinheiro. - Sérgio dá um longo suspiro e os dois ficam em silêncio por alguns segundos - Certo, você venceu. Mas se eu perceber que tem uma almofada fora do lugar ou que o comportamento da Lady está diferente eu acabo com tudo.
- Perfeito. - Marcos diz estendendo a mão e sorrindo - Eu sabia que você não iria me deixar sozinho nessa.
- Você não me deixa outra escolha. - Sérgio diz apertando a mão do amigo.
- Bom, - Marcos diz se levantando - agora vou fazer algumas ligações e ver se encontro uma clínica que consiga manter a discrição pra fazer esse exame.
- Certo, - Sérgio diz também se levantando - eu vou para minha sala, tenho muita papelada pra resolver.
Depois de conseguir resolver tudo com a clínica Marcos decide ir embora, ele precisa conversar com sua esposa e explicar tudo o que aconteceu naquele dia, então quanto mais cedo melhor. Sérgio não estava no escritório, ele havia saído para uma reunião externa e não voltaria mais, então ele apenas se despede da sua secretária e vai embora, pedindo a Deus que a conversa seja tranquila.
Abigail procurou um local não muito longe do escritório para se abrigar, ela encontrou um pequeno salão que estava fechado com uma placa de venda e observando o local ela percebeu que ele tinha uma janela entreaberta e decidiu passar a noite ali. Vinha fazendo muito frio nos últimos dias e em alguns deles até choveu, então Abigail precisava de mais que um pequeno toldo de uma loja e aquele lugar parecia perfeito no momento. Abigail estava cansada e não dormia bem já tinha vários dias, como estava se sentindo um pouco mais segura naquele local ela rapidamente pegou no sono.
Marcos por sua vez não conseguia dormir, apesar da conversa com Luiza ter sido tranquila. Ele tinha certeza que seria, pois sua esposa sabia de sua história com Regina então não era um segredo. Na verdade a preocupação dele era a mesma que de Sérgio. Ele tinha medo que ela se envolvesse de mais e no fim tudo desse errado, ela era uma mulher sensível e emotiva de mais e nenhum deles queria que toda essa história a abalasse psicológicamente. Ele está sentado em uma poltrona de frente para a cama. observano sua esposa dormindo de forma tranquila e ele agradece a Deus mentalmente por ter uma esposa tão maravilhosa. Mas ele também não consegue deixar de pensar em Abigail, aquela menina pequena e frágil que entrou em seu escritório naquele dia, desenterrando toda uma história que ele já tinha enterrado a muitos anos. Real ou não essa história, de uma coisa ele tinha certeza, se aquela menina for mesmo filha da Regina ela deve ter sofrido bastante. Ele sabia o quanto ela conseguia ser cruel quando queria e em como ela manipulava qualquer situação para ela sair de vitíma. Só de imaginar que ela poderia ser sua filha e que ele nunca esteve presente nos momentos em que ela mais precisou fazia com que ele se sentisse culpado, afinal se for verdade ele falhou como pai.
Sérgio passou o resto do dia pensando em formas de provar que Abigail é uma impostora e a reação dela ao quase beijo deu a ele uma idéia brilhante. Ele iria seduzi-la, apenas para provar para Marcos que a intenção ela era levar dinheiro, não importava de quem fosse. E ele tinha certeza de que iria conseguir.
No dia seguinte Abigail estava no saguão quinze minutos antes do combinado, ela segue em direção a recepção onde estava a mesma atendente do dia anterior lançando para ela o mesmo olhar de antes.
- Bom dia. - Abigail diz com um sorriso no rosto, mas a atendente não responde - Meu nome é Abigail de Carvalho e eu tenho um horário marcado com o doutor Marcos Alvarenga.
- Pode subir. - ela responde olhando para o computador a sua frente.
Abigail agradece e segue em direção ao elevador, ela agradece mentalmente quando as portas se fecham e não entra mais ninguém. Então a subida até o último andar é tranquila e silenciosa. Abigail saiu do elevador e foi em direção a mesa onde estava Susi.
- Ele está te esperando na sala dele. - Susi diz antes mesmo de Abigail falar qualquer coisa.
- Obrigada. - Abigail responde sem jeito.
Ela segue até o final do corredor e para em frente a porta respira fundo e em seguida da duas batidas e abre a porta ao ouvir a voz de Marcos dizendo para ela entrar.
- Bom dia. - ela diz mais baixo que o ideal percebendo que Sérgio também estava na sala.
- Bom dia. - os dois respondem juntos.
- Espero que você tenha descansado - Marcos diz se levantando da cadeira atrás de sua mesa e indo em direção ao sofá enquanto aponta para que Abigail fizesse o mesmo - e também tenha tomado café dessa vez. - ele diz a encarando com seriedade.
- Sim, claro. - Abigail não mentiu, apesar de não ser o mais reforçado, dessa vez ela tomou café da manhã.
Sérgio também se levanta e se senta em uma das poltronas ao lado de Marcos. Os três ficam se encarando por alguns segundos até que Marcos quebra o silêncio:
- Bom vamos a primeira parte, marcamos o exame para às dez horas, mas não será feito aqui. A gente tinha pensado que seria mais tranquilo se fosse na minha casa, mas minha esposa vai estar lá o dia todo e no momento não queremos envolver ela nessa história mais do que já envolvi. Então decidimos por fim, que seja na casa do Sérgio porque além de ser mais tranquilo vai facilitar para a segunda parte. - Abigail franze a testa e olha confusa para Marcos - Bom você disse que precisava de um emprego também e aqui fica complicado te colocar nesse momento certo? - Abigail concorda com a cabeça - Então, o Sérgio tem uma cachorrinha que tinha uma espécie de babá, mas que precisou mudar de cidade a alguns dias e ele está procurando alguém que possa fazer o serviço. Eu pensei que talvez você pudesse, não é algo complicado e pode ser só por alguns dias até encontrarmos algo melhor, e nesse tempo você consegue colocar algumas idéias no lugar. Mas se você não quiser também não tem problema a gente pensa em outra coisa.
- Não é um problema, é só que eu nunca fiz esse tipo de coisa então tenho medo de fazer algo de errado. - Abigail diz sincera, pois nunca tomou conta de nenhum bichinho em toda a sua vida.
- Quanto a isso pode ficar despreocupada, é bem tranquilo e Sérgio vai te explicar como as coisas funcionam,
- Não é bem assim, - Sérgio interrompe enquanto se ajeita no sofá - aquela cachorra não gosta de ninguém, às vezes parece que nem dela mesma.
Abigail solta uma risada involuntária e os dois a acompanha deixando o clima na sala um pouco mais leve.
- Bom - Marcos diz quando eles enfim param de rir - acho que já podemos ir, daqui a pouco o pessoal da clínica aparece por lá e eu não quero deixar ninguém esperando.
Os três então saem juntos e a descida dentro do elevador até a garagem do prédio é toda em silêncio, cada um deles estavam perdidos em seus prórpios pensamentos então optaram pelo silêncio. Marcos e Abigail foram no mesmo carro, já Sérgio foi no seu próprio fazendo Abigail agradecer mentalmente por ele não estar dentro do carro, assim ela ficava mais aliviada pois ele lhe dava medo.
Chovia muito, porém o caminho até a casa de Sérgio foi bem tranquilo, Marcos estava com receio de ser indiscreto ou invasivo com alguma pergunta, então ele se limitou a assuntos triviais do dia dia. Depois de um tempo andando o carro foi se aproximando de um prédio enorme, bem maior que o prédio do escritório e Abigail teve certeza de que era ali. O carro entrou na garagem do subsolo e quando parou Marcos desceu e abriu a porta para Abigail que sorriu e agradeceu pelo gesto de gentileza. Sérgio chegou junto com eles e também tinha acabado de descer do carro, então os três entraram novamente juntos no elevador, dessa vez privativo. Eles ficaram novamente em silêncio, mas dessa vez Sérgio não tirava os olhos de Abigail e ela percebeu, o que acabou fazendo com que ela fosse ficando cada vez mais incomodada a cada andar que o elevador passava. Quando finalmente o elevador chegou no último andar e as portas se abriram Abigail se sentiu aliviada, Sérgio foi o primeiro a sair tirando o paletó e jogando em cima de uma cadeira que tinha logo na entrada do corredor. Abigail deixou que Marcos também saísse e o seguiu na mesma direção para onde Sérgio foi.
Abigail fica encantanda em como lugar é lindo fazendo-a ficar de boca aberta sem nem preceber.
- Lindo né? - Marcos pergunta olhando para ela percebendo sua admiração.
- Sim - e é a única coisa que ela consegue responder.
- E caro - Sérgio completa sárcastico enquanto Abigail revira os olhos com as palavras.
- Bom dia. - diz uma mulher saindo de dentro da cozinha.
- Bom dia. - Abigail e Marcos respondem juntos.
- Rose essa é Abigal. - Sérgio se limita a dizer.
- A senhorita deseja alguma coisa para comer ou beber? - Rose pergunta com um sorriso.
- Não, obrigada. - Abigail retribui o sorriso.
- E o senhor Marcos?
- Também não Rose, mas obrigado.
Antes que mais alguém pudesse dizer algo o interfone toca e Rose vai atender.
- Pode sentar - Sérgio diz olhando para Abigail.
Ela pensa por alguns segundos se deveria ou não, ele estava estranho comparado ao dia anterior. No primeiro dia que se viram ele foi grosseiro e rude durante todo o tempo e agora ele estava todo educado e sorridente o que a deixava confusa.
- Eles estão subindo. - disse Rose voltando para a sala.
- Obrigado Rose. - Sérgio agradeceu.
Abigail decidiu por fim se sentar e não demorou muito um homem e uma mulher entraram na sala pelo mesmo corredor que eles entraram a alguns minutos atrás. Eles se apresentaram e o homem explicou que a coleta seria rápida e indolor, a mulher pegou uma espécie de cotonete passou na boca de Abigail e depois guardou em um potinho, o mesmo foi feito com Marcos, por fim eles finalizaram tudo em poucos minutos e já estavam indo embora. Marcos e Sérgio acompanharam eles até a saída e Abigail acabou ficando sentada no sofá. Em pouco tempo os dois retornam para a sala.
- Eu preciso ir, - Marcos diz sem jeito - tenho uma reunião muito importante e que infeizmente não posso adiar.
Abigail sente um frio na barriga, como assim ele iria deixá-la com aquele homem que claramente a odeia? Porque ela não pode simplesmente ir embora com ele?
- Você vai ficar bem? - Marcos pergunta preocupado.
- Acho que sim. - Abigail diz tão baixo que ele quase não escuta.
- Claro que ela vai. - Sérgio diz sorrindo - Eu prometi me comportar não foi.
- Eu sei que ele pode parecer intimidador às vezes, mas lhe garanto que ele é inofesivo. - Marcos diz tentando um sorriso.
- Tudo bem, eu vou ficar bem. - Abigail diz sem ter certeza disso.
- Certo, então a gente se vê mais tarde. - ele diz olhando para Sérgio - E bom, a gente se vê logo - dessa vez ele diz olhando para Abigail e ela responde com um até logo.
Enquanto Marcos vai embora Sérgio fica olhando diretamente para Abigail, fazendo ela sentir mais medo ainda. Quando eles ouvem a porta fechar Sérgio diz:
- Relaxa, eu não mordo. - então ele sai em direção a cozinha deixando Abigail na sala confusa e pensando:
- Será?
-