Capítulo 1 — O Destino Cruel de Eliara
Eliara vivia em uma das vilas mais esquecidas do Reino de Marven, chamada Vilela do Norte, um povoado empobrecido onde o frio cortava a pele e o pão era racionado como tesouro. As casas eram feitas de pedra tosca e madeira apodrecida, com telhados que mal resistiam às tempestades. Ali, a pobreza não era apenas uma condição — era uma sentença de nascença. A família de Eliara mal tinha o que comer. O pai, Goran, era um alfa frustrado, que perdera a autoridade no exército do reino anos antes e desde então afundava-se no álcool e na raiva. A sua mãe, Lenora, era uma ômega submissa, resignada ao destino miserável que a vida lhe dera. Eliara era a única filha do casal e a mais nova entre seis filhos. Seus cinco irmãos — Aston, Marek, Leander, Dorian e Kian — eram fortes, arrogantes e cruéis. Desde cedo, aprenderam que ela não era nada além de um estorvo, uma omega fraca que valia nada, a não ser um fardo que eles deveriam carregar para vida. Desde cedo, , Eliara já havia aprendido e entendido que a vida não era justa, não com gente igual a ela , aos oito anos ela limpava a casa, cozinhava e lavava roupas. Aos dez, era espancada quando não terminava suas tarefas com perfeição. Aos treze, não sabia o que era carinho ou proteção. — "Você é só uma ômega inútil. Foi um erro você ter nascido!" — vociferava Aston, sempre o primeiro a erguer a mão. As agressões físicas eram parte do cotidiano. Um empurrão contra a parede, uma vassourada nas costas, um tapa forte demais. Às vezes, era chutada no chão como um animal. O pior era que ninguém a defendia. Sua mãe apenas abaixava a cabeça, e seu pai ria das lágrimas da filha como se fossem entretenimento. — "Ela tem que aprender a obedecer. Se não serve pra casar, que sirva pra limpar merda!" — dizia Goran, cuspindo no chão. As noites eram as mais difíceis. No silêncio do quarto de tábuas soltas onde dormia num cobertor puído, Eliara chorava baixinho, tentando esconder o soluço. Suas costas doíam, os braços ardiam com os vergões e, mais do que tudo, o coração parecia esmagado sob o peso de um futuro sem saída. Ela sonhava. Sonhava com outro lugar, com alguém que a visse, que a valorizasse. Já ouvira falar do temido Reino de Durang — um império imenso, onde os alfas dominavam com poder absoluto. E no trono, o mais temido de todos: Rei Valkar. Alguns diziam que ele era um monstro de guerra, outros que era um deus entre os homens. Nenhum ômega jamais ousaria sonhar em sequer pisar em Durang... mas Eliara sonhava. Não com luxos, mas com liberdade. Com dignidade. Em uma tarde fria, enquanto Eliara varria o chão do barracão onde os animais doentes eram abrigados, ouviu o som de cavalos ao longe. Ela ergueu os olhos para a estrada poeirenta que cortava a vila. O ar estava carregado, como se a própria terra soubesse do que viria. — "Corre, ômega! Vai buscar água ou eu arranco tua pele!" — gritou Kian, jogando um balde na direção dela. Eliara correu, tropeçando na própria saia, o balde arrastando na lama. O poço era longe, e o vento do fim da tarde cortava sua pele fina. Quando voltou, já com os braços tremendo do peso da água, viu o céu escurecendo rápido demais. — "Isso não tá normal..." — murmurou para si mesma, entrando em casa. Então, o inferno chegou. Primeiro foram os sons de cavalos em disparada. Depois, os gritos. A casa tremia com os passos de dezenas — talvez centenas — de soldados. Portas sendo arrombadas, cães latindo, crianças chorando. E então, o estrondo. A porta da casa de Eliara foi arrebentada com um chute. Os irmãos correram, mas mal tiveram tempo de reagir. Homens de armaduras negras, com símbolos dourados de lobo nos ombros, invadiram como soldados cavalgando na tempestade. ... Eram os soldados de Durang. — "Ninguém resiste. Por ordem do Rei Valkar, o Reino de Kishá agora pertence ao Império de Durang!" — gritou um deles, cortando o ar com a espada. Goran tentou reagir. Pegou um velho machado de lenha e atacou o primeiro soldado que viu. Não durou mais que alguns segundos. Uma lâmina atravessou seu peito e ele caiu de joelhos, os olhos arregalados. Lenora gritou, tentou correr até ele, mas foi empurrada contra a parede. Sua cabeça bateu na pedra e o sangue escorreu até seu vestido. Os irmãos de Eliara tentaram lutar, mas também foram derrotados com brutalidade. Alguns foram apenas feridos — propositalmente. Os soldados pareciam separar dos mais fortes, aos mais perigosos... para levar vivos. Eliara ficou escondida sob a mesa, o coração batendo tão alto que parecia que todos o ouviriam. Mas não adiantou. Um soldado a puxou pelos cabelos e a jogou no chão. — "Essa aqui é uma ômega. Fraca, mas jovem." — disse um dos soldados. — "Vai pro grupo de transporte. Se resistir, mata." — respondeu o outro, sem olhar. Com os olhos cheios de lágrimas, Eliara viu pela última vez a vila de Vilela. Casas queimando, vizinhos caídos no chão, crianças sendo arrastadas como mercadoria. Seu mundo se acabava. Na carroça onde foi jogada com outros capturados, Eliara tremia como nunca jamais na vida. Suas mãos estavam sujas de sangue — não dela, mas de sua mãe, quando tentou segurá-la. Os olhos de Goran e Lenora estavam fixos nela, mas imóveis para sempre. Eliara fechou os olhos com força, tentando afastar a imagem. Pensou em Valkar. Não sabia como ele era, mas o nome dele ecoava em sua mente como um trovão. Valkar... O rei alfa. O deus da guerra. O senhor da destruição. Mas... também aquele que levaria ela para longe dali. Aquele que lhe trouxe por mais miserável que fosse, sua liberdade. Para onde, ela não sabia. No horizonte, as torres negras de Durang já se anunciavam. E o destino de Eliara estava prestes a começar.