A doutora

  Chegando no consultório, é uma casa a moda antiga com apenas uma placa prateada com os dizeres, Instituto Morais, todo o resto é pintado de branco e detalhes em relevo feito em gesso e com um lago bem na entrada, não há portões apenas a porta, ao entrar é recebida por uma recepcionista.

- Pois não, boa tarde! marcou um horário?

Desorientada e não conseguindo fixar o olhar para a recepcionista.

- Bem, não, mas preciso mesmo falar com a doutora Alessandra!

- Desculpe, mas não pode vir sem marcar hora, terei que pedir para marcar uma hora por telefone e assim poderá falar com ela.

- Não irei!

Julia grita, com a moça, na mesma hora muitos funcionários param e a observam e para diminuir a preocupação dos que envolta a olham.

- Desculpe, eu não precisava gritar, mas eu preciso da ajuda dela, ela é conhecida por curar centenas de pessoas de seus males e o meu problema é muito sério, meus filhos vomitam e choram dentro do carro e nem me deixam mais tocá-los e o meu marido é paranoico.

Com todo este escândalo Julia havia chamado muita atenção, a recepcionista fica estática olha para esquerda, do mesmo lado uma moça negra com seus 47 anos se aproxima dela.

- Então você tem mesmo um problema.

Julia apenas responde sem paciência.

- É parece que sim.

Mesmo respondendo de forma agressiva, essa moça se aproxima ainda calma e paciente a responde.

- Prazer, sou Alessandra Morais e acho que posso te colocar na agenda.

- É você?

Julia surpresa com a revelação volta a dizer a doutora.

- Vai mesmo me ajudar?

- Sou uma doutora e devo ajudar meus pacientes, vamos até a minha sala e me conte tudo.

Alessandra Morais ouviu toda a história, que aos prantos Júlia conseguia contar.

- Então Dr. Morais, acredita em mim?

- Julia eu trabalho a mais de 25 anos com psiquiatria, então sim, eu acredito.

- Mesmo? Eu preciso muito de sua ajuda, mas não posso pagar por seus serviços.

Alessandra não esperava que fosse pagar, pensa um pouco e a responde.

- Talvez não precise pagar senhorita…

- Castelo, meu nome é Julia Castelo, de qual forma seria doutora?

- Bem meu último livro que escrevi foi a 7 anos e desde então não encontrei nada para ser relatado.

- Espera.

Julia não gosta da insinuação, e volta a ela.

- Você quer escrever sobre minha família no seu livro, como se eles fossem aberrações?

- Aberrações, mas quem disse essa palavra horrível? Eu quero apenas relatar todos os processos de cuidado com sua família.

- Sim e depois lucrar com os livros falando sobre a desgraça alheia.

- Bem, na verdade eu doo todo o lucro, bem esta é a única forma para sair de graça, quer fechar?

- Certo, não vejo muitas alternativas no momento, quando pode ir até lá?

- Agora mesmo!

- Sério?

Alessandra balançava a cabeça dizendo sim, enquanto Julia se alegra e diz novamente.

- Por que você irá assim tão depressa?

- Eu preciso analisar, as vezes pode ser algo mais simples de lidar.

O rosto de Julia volta a ficar pasmo.

- Infelizmente não é tão simples.

Alessandra diz para irem logo, elas entram no carro, e Julia conduz até sua casa, ao chegarem em frente, antes de abrir a porta.

- Olha doutora Alessandra, tente não fugir, ok.

Com ar de superioridade, Morais à responde.

- Garota se acalme, já vivi demais, nada mais me aflige, vamos abra a porta.

A casa estava quieta, escura quase não conseguia se ver nada, Julia liga as luzes da sala e da cozinha, todos os móveis estavam ainda mais afastados e Lucas estava desmaiado no chão, sozinho, ao lado do sofá, Júlia correu para seu filho, a doutora fica surpresa, mas tenta não parecer surpresa até que olha para escada e vê Priscila, completamente suja com líquido estomacal amarelo pingando pelas roupas e em volta dela junto com o líquido, há comida em pedaços, alguns alimentos mal mastigados, com o cheiro forte que exalava, a doutora tapa a boca e chegando quase a vomitar, ao se recuperar um pouco ela se aproxima de Priscila.

- Oi garotinha eu sou a doutora Morais, me diga o que aconteceu!

Ela ainda limpando a boca e com migalhas de alimento no rosto e cabelo.

- A mamãe pediu para eu não comer, mas eu senti tanta fome e depois eu me senti tão mal, por que isso?

- Se acalme garotinha, venha comigo.

  A doutora a leva até o banheiro para não ter que vomitar pela casa, Julia consegue acordar Lucas e se afasta um pouco dele, mas ele ainda está em estado letárgico.

- Lucas está tudo bem, não estou te segurando tá bem.

Lucas fica com hiperventilação e treme, sem saber o que fazer, ela chama a doutora, ela ordena que o leve para fora de casa, Julia rapidamente corre até a saída ao fazer isso e o colocar sentado na calçada é impressionante como o garoto melhora rápido e ele se levanta e está completamente ciente.

- Meu filho eu te amo, fica aqui um pouco, pode brincar tá bem, mas não vá longe!

Dr.Morais esta na sala de pé, enquanto Julia se aproxima dela.

- Obrigada, meu filho já está bem melhor, como sabia o que ele tinha, como poderia ter tanta certeza?

-Ele tem claustrofobia.

  Mas que estranho, ele nunca demonstrou nada disso, eu sou a mãe dele eu teria percebido antes.

- É imaginei que não tivesse notado, enquanto sua filha tem compulsão alimentar, nunca percebeu que sua filha tivesse problemas de auto-estima?

- Olha aqui eu sou uma ótima mãe, isso aconteceu como da noite para o dia tá legal, e tem mais

Batidas fortes, ecoam pela casa, o som vinha de cima, Julia começa subir as escadas e chama Alessandra.

- Vamos ver se é tão normal assim, tanto quanto pensa doutora, aviso que possa ser um pouco perigoso.

Rudemente Morais não diz nada, as duas sobem as escadas chegam de fininho até o quarto, o som de batidas, como de um martelo não param, da porta arrombada por ele, Júlia fica assustada que ele tivesse aberto aquela porta sozinho, elas observam Ricardo, pregando tábuas nas janelas, e falando baixo para si mesmo.

- Ele não vai me ver aqui. agora estarei bem. daqui ele jamais me pegara.

A expressão da doutora de horror e medo do que estivesse acontecendo aqui, as duas descem silenciosamente até a sala.

- Doutora esse é todo meu problema, tudo aconteceu de uma forma estranha, muito de repente, eu não sei explicar.

- Algo fora do cotidiano aconteceu? algo que pudesse mudar drasticamente a vida de vocês, qualquer coisa?

- Mesmo que fosse, por que eu não fui afetada? porque todos estão sofrendo assim? a única coisa foi depois que chegamos de viagem dentro da minha mala tinha uma caixa, mas meu marido não comprou aquilo, e muito menos eu, quando eu a vi eu senti um arrepio passar pelo meu corpo, aliás não sei como isso teria algo a ver com tudo isso.

Muito intrigada a doutora a pergunta novamente.

- Como disse, uma caixa?

- Sim, estava em minha mala, talvez alguém colocou dentro, mas não sei o motivo.

- Quero ver como ela é, pegue-a.

Julia vai até o armário da sala, sua nuca ficou fria quando abriu o armário e pegou a caixa, e trouxe para ela.

- Está aqui.

É entregue nas mãos da doutora a mesma caixa preta, Morais fica intrigada e a segura com cuidado e diz a Júlia.

- É não consigo definir de que lugar isso veio, esses dizeres estranhos talvez dos emirados!

- Não é, eu estudei muito os países que visitei e nenhum desses símbolos se parecem com nada disso nesta maldita caixa.

Morais pega a caixa em suas mãos e olha seu exterior, abre e olha dentro da caixa, em um reflexo Julia fecha os olhos e se vira por instinto. Morais diz a ela ao fechar a caixa novamente.

- Nada!

- Nada? como assim?

- É só uma caixa, sua família está com sérios problemas, essa é a única verdade, pode guardar essa coisa.

Ela joga a caixa para o lado com desprezo e continua explicando a Júlia sobre os processos diário e como devem agir e sobre como funciona as seções de tratamento, até que gritando Ricardo interfere, descendo as escadas segurando um martelo nas mãos e bastante irritado por ter visto ela ali.

- Quem é você! ninguém pode entrar aqui!

Júlia tenta acalmá-lo, ficando em frente a ele e tenta segurar sua mãos e o martelo.

- Ricardo pare por favor solte esse martelo, ela é a doutora Morais, ela vai nos ajudar, vai salvar nossos filhos.

  Ricardo apenas continua indo em direção a Alessandra e empurrando Julia, a doutora começa a se afastar para a porta e ele volta a gritar.

- Essa vadia que deve estar me seguindo e ainda tentou destruir minha caixa.

  Ele joga o martelo em direção a Morais, o martelo bate na parede, as crianças correm para a cozinha, Julia e a doutora correm para fora, mas Ricardo não as perseguem e fecha a porta com uma força que causa um estrondo.

- Você não me disse que seu marido era perigoso!

- Mas é claro que eu disse isso, sua louca, mas não sei o que aconteceu, ele não tinha sido violento até agora, mas e agora vai nos ajudar?

Alessandra fica pensando enquanto está suspirando e ofegante, por ver a possibilidade do medo tirar a coragem da doutora, Júlia tenta a convencê-lá.

- Quer o seu livro ou não?

Alessandra mantinha a cabeça baixa e mexendo em seu celular, até ouvir essas palavras e no mesmo momento guarda o telefone na bolsa e a responde.

- Tá bem, eu aceito, mas precisarei de um pessoal, e eu já aviso, não será nada fácil, nada do que irá acontecer aqui será bonito.

- Eu já imaginava que alguns remédios não iriam sumir com tudo isso.

Um carro se aproxima da calçada e estaciona.

- Até amanhã Julia, eu tenho que organizar tudo e procurar alguns colaboradores.

- Eu espero que venha mesmo estou confiando em você doutora, todas minhas fichas estão com você.

Alessandra ao partir, deixa um fio de esperança na alma de Julia, mas no momento terá que resolver por si mesma o que estivesse agora dentro de sua casa.

Com o tempo mudando drasticamente o vento forte pelas ruas, o céu se fechando e o dia quase se acabando, mensagens do trabalho faziam o celular vibrar muito, ela cansada desliga o aparelho, a doutora havia acabado de ir embora e o desconforto que era entrar novamente em casa, era radicalmente difícil, mas ela puxa a maçaneta para entrar, novamente vê que Ricardo está colocando algumas tábuas de madeira nas janelas.

- Ricardo para que tudo isso?

Ricardo parecendo muito preocupado se vira para ela e a abraça de forma repentina e isso a surpreende e ele a diz.

- Amor, que bom que entrou, aquela louca estava te convencendo não é, mas que bom que se livrou dela.

- Ainda abraçada a ele Julia começa a chorar novamente e o empurra.

- Por que isso está acontecendo?

- Julia não é culpa sua, tem pessoas querendo nosso mal, mas a caixa sim pode nos auxiliar, se acalme meu amor.

Em um grito estridente de ódio, expele sua incógnita.

- Por que?

Julia desaba a chorar e parte para cima do armário e pega a caixa e a joga ao chão e começa a pisar enquanto sua lagrimas caiam no piso e a xingando.

- Foi você sua desgraçada, acabou com minha família.

- Seu marido a segura e a tira logo de cima.

- O que está fazendo? deixe isso aí! eu preciso disso.

Furiosa rebate a resposta.

- Então por que não enfia isso no seu rabo.

Ele segura a caixa em esmero, com apego emocional e a guarda no mesmo lugar de sempre, antes de fechar o armário faz carícias, Julia sobe as escadas, sua casa está completamente destruída os papeis de paredes rasgados, com tabuas coladas ou pregadas nas janelas, quando entra no banheiro sua filha está apoiada no vaso, vomitada mais uma vez, pingando no lavatório e a privada os restos.

- Minha filha, o que eu faço para te ajudar? vamos para o quarto.

Ela com dificuldade leva-a até o quarto e a coloca na cama, desce novamente e Lucas está com a caixa aberta, mas havia acabado de fechar quando sua mãe chegou, Júlia praticamente salta até com os olhos fechados com medo de ver também.

- Solte isso!

  Gritando histericamente Julia tira das mãos dele a caixa, que agora já estava fechada novamente, em seguida pergunta com medo e tristeza.

- Por que fez isso? não está vendo oque esta acontecendo? por que foi mexer com isso?

Ela solta a caixa e sacode o garoto, ele fica com mais medo e corre até a cozinha, Julia percebe o que aquela caixa estava fazendo, o que poderia continuar fazendo com sua família, ela agarra a caixa novamente nota que seu marido não estava ali agora, aproveita a porta aberta e sai de casa de baixo da luz da lua e as amareladas luzes dos postes começa a correr, os vizinhos a olham com curiosidade do por que ela estaria correndo tão desesperada.

Mas ela não liga e continua até o centro do bairro, onde passa um riacho por perto, e simplesmente joga a caixa e vendo aquela coisa que escurecia sua alma, agora no ar a cair para longe, a provocou um sorriso, uma expressão que já não lembrava mais, mesmo com algumas pessoas olhando e achando aquilo muito estranho, alguns até conhecidos de Júlia, uma mulher a reconhece e vai até ela.

- Julia, oi está tudo bem?

- Bem, agora está!

  Com olhar de desconfiança ela continua a falar.

- Bem, meus filhos disseram que o Lucas e a Priscila não foram a escola por dois dias.

- Ah eles não estão muito bem.

- E o Ricardo? ele está bem?

- Pegou resfriado, não é bom perguntar tanto sabia, agora tenho que ir.

A resposta direta de Julia faz com que mulher fique envergonhada e Júlia volta a sua casa com o alívio de não ver mais aquela coisa na sua frente, mesmo que não soubesse o que isso poderia causar, mas manter aquela caixa longe da sua casa iria tirar essa duvida.

- Chega, agora pelo menos nada vai piorar, não sei o que tinha ali dentro mas prefiro não descobrir.

Julia entra e tudo ainda está igual, sua expressão muda de alegria para tristeza, mas pelo menos agora havia destruído a caixa, tudo ainda estava muito sujo e Júlia não aguentava nem a si mesma mas um sono a pega de repente se deitou no sofá e apagou por completo. Lucas no meio da noite saíu da sala e subiu para dormir em sua cama, Priscila antes de dormir se olha no espelho durante uma hora inteira, notando a fraqueza de seu corpo, mas Ricardo parecia quieto demais, pois ninguém ouvia nem mesmo os passos que ele costuma dar de janela em janela.

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