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CAPÍTULO 1. O ANEL
A vida toda eu fui apaixonada pelo meu melhor amigo, Michael. Não foi uma paixão repentina, dessas que surgem do nada e amornam conforme o tempo passa. Foi algo que cresceu comigo, silencioso, paciente, como se sempre tivesse estado ali, esperando o momento certo para ser revelado ao mundo.
Michael fazia parte da minha vida desde antes de eu entender o que era amor ou dor. E na minha cabeça, e lá no fundinho do coração, eu tinha certeza de que era correspondida. Ele era meu porto seguro, meu riso fácil, meu lugar conhecido, o abraço mais sincero, o beijo mais quente. Sim, nós já tínhamos nos beijado algumas vezes, mas nunca fomos além disto - porque ele não quis.
Eu cursava Medicina muito mais por ele do que por mim. Não que eu odiasse o curso, pelo contrário, eu até gostava, mas a verdade é que estar ali significava ficar perto de Michael, dividir corredores, cafés apressados, noites de estudo e conversas que nunca terminavam.
Ele estava se formando enquanto eu ainda tinha um caminho longo pela frente. Mas isso nunca pareceu um problema, porque na minha cabeça nosso futuro já estava traçado: casaríamos, teríamos dois filhos, um cachorro, um gato e um periquito e viveríamos felizes para sempre.
— Você ficou sabendo? — ele perguntou, jogando a mochila no banco ao meu lado, no pátio da faculdade.
Balancei a cabeça, distraída, fechando o livro que fingia ler e deixando os biscoitos recheados de lado. Eu odiava ler aqueles livros que mais pareciam escritos em grego. Sempre preferi livros coloridos e com figuras. Mas figuras fofas, infantis e não de órgãos internos divididos ao meio.
— Do quê?
— Que você foi selecionada para aquele concurso de babás que está passando na internet. — Ele riu, confuso. — O tal reality de babá para o filho do CEO da Asheton Armaments.
— Mas… eu nunca me inscrevi — ri — deve ter sido um erro no sistema. Ou, o que é mais provável, alguém que tem o mesmo nome e sobrenome meu.
Michael arqueou uma sobrancelha, divertido:
— Disseram que escolheram poucas candidatas. E o seu nome foi anunciado. Eu ri. E achei bem estranho, porque você não comentou nada comigo sobre isso.
— Eu jamais me inscreveria para um concurso que expõe as pessoas desta forma. Sem contar que… é longe demais. Ir para outro estado significaria ficar longe de você, do Will, da mamãe, do papai… todas as pessoas que eu amo.
Ele me observou por alguns segundos, como se estivesse tentando entender algo:
— Sim, este concurso é ridículo. Mas o valor que este homem pagará para a babá do filho chega a ser humilhante perto do que nós, meros mortais, recebemos.
— Que as candidatas selecionadas sejam felizes com suas escolhas — levantei as mãos, como se estivesse abençoando-as — e que vença a que tem mais aptidão para cuidar do menino. Até porque, eu duvido que alguma destas mulheres estejam lá realmente pelo filho do CEO. Creio que estejam focando no próprio CEO. — fiz careta.
Michael assentiu, trocando de assunto:
— Vamos almoçar juntos, fora do campus? — convidou. — Quero comemorar o último mês antes da formatura. E com você, claro!
Meu coração acelerou, porque sim, ele não resistia ao charme de Michael:
— Claro que vou.
O restaurante da rua detrás do campus era simples, mas aconchegante. Um lugar que frequentávamos há anos, onde os garçons já nos conheciam pelo nome. Michael estava especialmente animado naquele dia. Falava sobre o futuro, sobre residência, fazia planos. E compartilhava tudo comigo, como sempre fez. E cada palavra dele soava como uma promessa silenciosa, mesmo que não tivesse mencionado o meu nome.
Depois do almoço, ele sugeriu que caminhássemos um pouco pelo centro. Conversávamos sobre coisas bobas quando ele parou em frente a uma joalheria.
— Vem comigo — disse, segurando minha mão.
Meu estômago se contraiu. Lá dentro, o brilho dos anéis me encantou, quase me hipnotizando com tamanha beleza das pedras. Meu coração acelerou ainda mais quando percebi que o lugar era focado em anéis. Michael conversou rapidamente com o vendedor e, em seguida, virou-se para mim com um sorriso que eu conhecia bem:
— Escolhe um. O que você achar mais lindo de todos. E não se preocupe com o preço. Ganhei uma grana boa do meu pai pela formatura.
Meu mundo parou. E as pernas amoleceram como sorvete derretido:
— Michael… — comecei, sem conseguir completar a frase.
— Faça este favor para mim, por favor.
Minhas mãos tremiam enquanto eu observava as vitrines. Não havia dúvida do que aquilo significava. Nenhuma mulher escolhia um anel daquele jeito sem saber. Escolhi um simples, delicado, exatamente como eu sempre imaginei. Quando o vendedor colocou o anel sobre o balcão, senti os olhos arderem e contive as lágrimas.
Michael sorriu satisfeito:
— É a sua cara. Mas bem simples.
— Você mandou eu escolher o que achava mais lindo. E o que eu mais gostei.
Eu sempre pegava carona com Michael. O caminho de volta para casa naquele final de tarde foi silencioso, mas não desconfortável. Era aquele silêncio cheio de significados não ditos, de expectativas compartilhadas. Eu e Michael sempre fomos daquele jeito: falávamos muito mais por olhares do que por palavras.
Assim que ele me deixou em casa, larguei a bolsa no sofá e fui direto até o quarto do meu irmão.
— Will! — subi as escadas correndo, quase sem conseguir conter a empolgação.
Willian abriu a porta do quarto, sem camisa, só com uma bermuda e o celular na mão.
— Uau! — parei, analisando-o — Você está… lindo. Se não fosse meu irmão, eu pegava.
Ele riu:
— Fê, da fruta que você gosta eu como até o caroço.
— Que compartilhemos as frutas! — brinquei.
— O que foi? Parece que ganhou na loteria. Ou melhor… não me diga que… foi selecionada para o reality de babás.
Franzi a testa:
— Como eu seria selecionada, se nem me inscrevi?
— Eu inscrevi você.
Balancei a cabeça, confusa:
— Como assim? Por que você faria isso?
— Para que você conheça ao vivo e a cores o CEO mais gostoso do planeta.
Então… eu tinha mesmo sido selecionada para aquela coisa? Meu irmão estava louco e ninguém me avisou?
Dei de ombros. Eu tinha algo mais importante para contar a ele do que aquele mal entendido. Sorri, feito uma adolescente que estava prestes a dar o primeiro beijo:
— Eu acho que hoje vou ser pedida em casamento.
William me encarou por alguns segundos. Depois sorriu, daquele jeito protetor que sempre teve comigo:
— Finalmente! — fez sinal de prece com a mão — Já estava mais do que na hora. O felizardo é o Michael?
— Claro! Quem mais seria?
— O CEO do reality show?
Gargalhei. Will sempre foi muito divertido:
— Vai ser no jantar de família de amanhã. Tenho certeza.
— Vou ser o padrinho.
— Eu jamais pensaria em outra pessoa. E ainda vai pegar o buquê.
— Demore um pouco para formalizar este casamento porque já quero estar comprometido até lá. Daí pego o buquê e já caso.
No dia seguinte, passei a tarde inteira me preparando. Escolhi a roupa com cuidado, fiz o cabelo, tentei disfarçar o nervosismo.
Os jantares de família aconteciam uma vez por mês. A família de Michael sempre participava, porque eram amigos de infância dos mesu pais e praticamente já tinham um lugar cativo na casa dos Lorenz.
Naquele jantar, em especial, Natalie, minha prima e inimiga de infância, estaria presente, pois acabara de chegar do exterior. Ouvi dizer que o jantar seria em homenagem a ela, o que achei ridículo.
O jantar começou tranquilo. Conversas leves, risadas, brindes. Até que Michael se levantou, batendo levemente o garfo na taça:
— Eu gostaria de dizer algumas palavras — anunciou, chamando a atenção de todos.
Meu coração quase saiu pela boca. Então ele sorriu e seus olhos voltaram-se apaixonados… mas não foi para mim. Michael virou-se para Natalie.
— Natalie, desde que éramos crianças… — começou.
O resto das palavras chegaram até mim como se eu estivesse debaixo d’água: abafadas, distorcidas, difíceis de compreender.
Mas o pedido de casamento estava ali, junto do anel, com um Michael ajoelhado no chão… e não era para mim. O sorriso dela, assim como de todos os presentes, foi de surpresa. A vida inteira todos imaginaram que Michael e eu casaríamos.
Tentei sorrir, mas não tinha certeza se consegui. Por dentro, eu estava morrendo. Meu coração, destruído.
E só tinha uma certeza: não teria estômago para assistir aquilo. Era um filme de terror.
Naquele instante, tudo o que eu tinha certeza era de uma coisa: eu precisava ir embora… fugir dali, de todos, de mim mesma.
E eu ainda não fazia ideia de até onde essa fuga me levaria.







