Mundo de ficçãoIniciar sessãoWilliam não esperou os aplausos cessarem e o discurso patético começar. Enquanto eu saía com ele em posse do meu braço, ainda me perguntava como o amor podia mudar de lugar daquela forma, sem avisar.
Não perguntei para onde ele me levaria. Nem precisava. Qualquer lugar longe dali já seria um começo.
William chamou um Uber e em minutos já estávamos indo em direção a um lugar que eu desconhecia. E sinceramente, aquilo pouco me importava.
No carro, o silêncio durou pouco. A minha raiva não gostava de ficar quieta.
— Eu vou dormir com o primeiro homem que encontrar — anunciei, fingindo firmeza, enquanto por dentro, estava totalmente destruída.
O motorista de aplicativo ergueu os olhos pelo retrovisor, me encarando, claramente com intenção de reagir.
— Todo mundo, menos você — deixei claro. — Você usa aliança.
Ele soltou uma risadinha sem graça. Me virei para a janela, ouvindo Will dizer:
— Não quero que simplesmente “durma” com alguém, bebê. Você vai transar, foder bem gostoso e entender que merece sentir prazer, se sentir viva... e o principal: sem precisar do Michael.
Observei a cidade borrada pelas luzes e pela minha própria decisão. Não era exatamente desejo de dormir com alguém. Era necessidade de provar para mim mesma que eu era desejável, que nem sempre seria usada com segunda opção, ou descartada.
E o que mais doía era que Michael sabia que eu era apaixonada por ele. Não tinha como ele não saber. O mundo inteiro sabia.
Will já estava no telefone:
— Preciso de um favor.
O favor tinha nome, endereço e uma promessa implícita de esquecimento.
Quando o carro parou diante da boate, eu franzi a testa:
— Will… eu nem peguei documentos.
— Relaxa, irmãzinha! — ele não pareceu nada preocupado.
Um homem se aproximou, confiante demais para ser apenas um frequentador. Era um amigo de Will, daqueles de sorriso fácil. Usava um terno escuro e tinha o olhar de quem sabia exatamente como as coisas funcionavam por ali.
— Vocês entram como VIPs — explicou, já caminhando conosco. — Em nome de gente que cancelou em cima da hora. Consumação liberada. Considerem sua noite de sorte… — ele fez um gesto vago com a mão — o sistema está instável. Ninguém está conseguindo controlar entrada nenhuma.
Aquela frase soou como um presságio.
Dentro da boate, tudo era excesso: luzes pulsantes que quase cegavam, música grave que dava a sensação de estar sendo engolida por um caminhão, corpos em movimento que faziam questão de esbarrar no meu.
Will me puxou para perto de um espelho no corredor lateral, avaliou meu vestido como quem encarava um projeto inacabado:
— Vira. — Ordenou.
Obedeci. Sim, ele era o irmão mais novo, mas era eu que o obedecia sempre. Porque geralmente Will sempre sabia exatamente o que fazia.
Ele abriu uma fenda discreta no tecido, com um rasgo. Ajustou com cuidado. Não ficou vulgar. Ficou.... diferente.
Quando terminou, inclinou a cabeça, satisfeito:
— Pronto. Agora sim.
Olhei meu reflexo. Eu estava mais exposta. E, pela primeira vez em muito tempo, me senti sexy. E tive consciência do meu próprio corpo. Eu não era feia. Talvez só precisasse de um pouco de vaidade, o que aliás, Letícia tinha de sobra.
— Talvez você tenha um talento nato para ser designer de moda! — o elogiei.
— Eu sempre soube, bebê.
— E eu sempre acreditei em você.
Um rapaz se aproximou de nós, sorrindo, com uma bebida colorida na mão. Esperei pelo convite, mas ele foi diretamente em Will. Os dois começaram a conversar e minutos depois meu irmão gritou no meu ouvido:
— Vai lá se divertir. Porque eu vou fazer isso. — Deu um beijo na minha bochecha e saiu com o moreno alto e totalmente atraente. — E não esqueça: o cartão de consumação é livre. Use até esquecer o próprio nome.
— Como é mesmo o meu nome? Bebê? — brinquei.
— Nem sonhe... Só eu posso chamá-la assim.
— Ah, Will, eu nem bebo...
— Hoje bebe.
As luzes piscaram de repente e por dois segundos ficou tudo escuro e a música falhou.
— De novo — alguém comentou. — Esse sistema hoje está o caos.
— Boate chique, internet de padaria — Will riu e saiu.
Minutos depois, eu estava sozinha no bar, com um copo que nunca parecia vazio. A bebida descia fácil demais. E o mundo ficava cada vez mais lento. E então eu senti. Sim, eu não vi, mas senti um olhar pousado em mim. E nunca experienciei antes aquela sensação. Queimava!
Quando virei o rosto, lá estava ele: lindo demais para fazer sentido. Certamente ilusão de ótica, causada pela bebida.
Alto, olhos azuis que pareciam um lago glacial, frio e límpido, daqueles que guardavam o silêncio do fim do inverno. A postura era segura, o terno escuro que me fazia imaginar o que tinha por baixo, gravata perfeitamente ajustada. Roupa formal demais para um lugar totalmente informal.
Ele não sorria, observava. Era como se estivesse escolhendo sua presa.
Num segundo que me distraí, para respirar melhor e tentar sensualizar, ele desapareceu.
Tudo bem, eu odiava o inverno mesmo! Ele deixava as pessoas tristes e deprimidas por não poderem sair para rua por conta do frio, o que as fazia não socializarem e por consequência...
— Vai continuar fingindo que não me viu? — ouvi a voz ao meu lado e estremeci.
Era ele! Respirei fundo e o encarei, jogando ali toda confiança que nunca tive:
— E você? Está me olhando assim desde quando? — perguntei, a língua já meio solta.
— Tempo suficiente para saber que você não vai lembrar direito disso amanhã.
Eu ri:
— Estou tão bêbada que acho que você é uma ilusão de ótica.
Um canto da boca dele se curvou:
— Jura? Por quê?
— Nunca vi um homem tão lindo na vida! — saiu. Juro que eu não planejei. Aliás, se pudesse, eu cortava minha língua naquele exato momento.
— Isso explica muita coisa. Inclusive o fato de você não ter ido embora ainda.
Meus olhos analisaram descaradamente o seu corpo e ele acompanhou, com aquele sorriso sarcástico de quem sabia exatamente o que acontecia em seguida.
Gravata! Aquilo em nada combinava comigo! Mas ele? Ele era o tipo de homem que combinava com tudo. Tudo que envolvesse quatro paredes.
— O que um homem como você faz aqui? — perguntei.
— Minha especialidade é cuidar de garotas bêbadas — respondeu, sem hesitar.
Não respondi. Acho que eu não sabia flertar. E naquele momento, especialmente, estava lenta e não queria dizer nada que pudesse me arrepender segundos depois.
— E qual a sua especialidade? — seu hálito quente na minha orelha fez eu me arrepiar por completo.
— Lidar com crianças birrentas. — fui sincera.
Ele arqueou a sobrancelha:
— Que maneira direta de dizer que tem filhos!
— Não tenho filhos — expliquei mais que depressa — cuido dos filhos dos outros. Sou babá.
— Ótimo — ele roçou os lábios no meu pescoço, fazendo-me estremecer. — Eu preciso urgentemente de cuidados.
A proximidade era perigosa. O perfume dele envolvente. O calor do seu corpo me queimava.
Eu já sentia o risco. Mas ele era o tipo de homem que valia qualquer risco. Tudo bem se eu acordasse no dia seguinte e percebesse que ele era feio e todo aquele monumento que estava na minha frente fosse tudo ilusão causada pela bebida.
Quando ele me virou de frente, sem pedir licença, e se inclinou, meu corpo respondeu antes da razão.
— Senhor — o homem de quase dois metros pigarreou, marcando presença. — Temos um problema sério.
Não houve beijo. Apenas a promessa dele, suspensa entre nós.
Ele fechou os olhos por um instante, como quem amaldiçoava a própria existência. Depois se afastou, já diferente, distante, controlado.
Sequer se despediu.
Fiquei ali, lembrando do quanto eu odiava o inverno. Por que mesmo?
Ok, eu estava bêbada e já nem sabia mais organizar os meus pensamentos.
Me deu vontade de ir atrás dele e dizer: “Senhor, eu também tenho um problema! Me apaixonei à primeira vista."
Eu era patética!







