Mundo de ficçãoIniciar sessãoAcordei com o som contínuo de um monitor cardíaco e a sensação incômoda de que algo tinha sido arrancado de mim. Não era dor física. Era lacuna. A filha da puta tinha um namorado. E eu ainda cheguei a sentir pena de tê-la fodido de forma selvagem porque era virgem. Fui um idiota! Enganado por uma ninfeta com uma tatuagem de maçãzinha na bunda.
É! Agora eu entendia porque Adão foi expulso do paraíso! Comer a maçã era praticamente uma obrigação.
Me perguntei se ela realmente era virgem ou levou uma espécie de sangue falso para me enganar. Por um breve momento, lembrei do que houve com meu irmão no passado. E imaginei se tinham feito a mesma armadilha para mim. Seria muito amadorismo. Mas não era impossível.
— Finalmente — disse Aayush, surgindo ao lado da cama. — Achei que ia precisar explicar para o conselho porque o CEO resolveu hibernar num hospital.
— O que aconteceu? — perguntei, atordoado.
— O senhor está no hospital. Encontrei-o desacordado no tumulto da boate. Exames indicam que foi dopado.
A palavra ecoou como um soco no meu estômago. Quem diria, Maçãzinha, com aquela carinha de anjo, tinha vindo diretamente do inferno, sem escalas, para me foder. E eu não me referia a foder no sentido de transar não. Era foder com a minha vida.
— Dopado? — repeti, quase que de forma ingênua, já sabendo por quem.
Aayush cruzou os braços, tentando ser profissional:
— Tivemos o jantar de negócios. Depois, a boate. Em algum momento, entre um e outro… alguém colocou algo na sua bebida.
Fechei os olhos. Os fragmentos surgiram rápido. A música alta, ela me observando o tempo todo, a voz mansa demais, fingindo ingenuidade!
— Foi ela! — minha voz soou alta demais.
— Ela quem, senhor?
— A garota da boate.
Aayush franziu a testa:
— Tem certeza?
Certeza absoluta eu não tinha. Mas tinha instinto. E experiência demais para ignorar os sinais, que estavam visíveis.
— Isso já aconteceu antes, lembra? — o encarei — Com alguém que você lembra muito bem.
— O senhor Asheton? — o semblante dele mudou.
— Garota bonita se aproximando do nada, banheiro, foda rápida. O final sabemos muito bem. Zadock casou com ela. Eu não serei burro como ele.
— A história... não foi bem assim. — Claro que Aayush falaria aquilo, pois viveu praticamente tudo aquilo junto de Zadock e Caliana.
— Eu fui dopado pela Maçãzinha! — suspirei e o encarei — Jamais vou me perdoar por ter pensado com meu pau e não com o cérebro.
— Maçãzinha? — ele estreitou os olhos, confuso.
— Você não acreditaria se eu explicasse!
Aayush suspirou:
— Vocês, CEO’s bilionários, tem cada jeito peculiar de apelidarem suas mulheres!
— Ela não é a minha mulher! — quase gritei, furioso.
Acontece que, mesmo eu estando em fúria, ela me interessava. E isso era o mais perturbador.
Eu não lembrava do rosto dela. Não conseguia reconstruir a imagem completa. Era como tentar lembrar um sonho logo ao acordar. Mas alguns detalhes estavam gravados com uma precisão irritante.
— Ela tinha tatuagens — falei.
Aayush arqueou uma sobrancelha e cruzou os braços, como quem diz: “Vamos lá, conte, abra o seu coração”.
— Um coração pequeno no dedo anelar direito. E… — hesitei, irritado comigo mesmo por lembrar daquela parte com tanta clareza — uma maçã mordida. No lado direito... da nádega.
Aayush franziu a testa:
— Anotado, senhor: mulher misteriosa, tatuada, possível agente de sabotagem. Pode descrevê-la de forma mais clara, por favor? Desta forma encontro com mais precisão nas imagens das câmeras da boate.
— Então... temos um problema!
Horas depois, já em casa, tentei me convencer de que o ambiente familiar ajudaria a organizar meus pensamentos.
Erro clássico!
Davi estava sentado no tapete do escritório, sob a vigilância da governanta, concentrado demais para uma criança de quatro anos. Espalhei cola colorida sobre uma folha grande e empurrei para ele:
— Não jogue no tapete! Não se pinte por inteiro! Não coma! — avisei.
Os olhos dele brilharam, como se eu tivesse acabado de oferecer o maior presente do mundo. Puxou a cadeira com dificuldade e empoleirou-se à mesa:
Enquanto ele colava papéis tortos, pensei no quanto aquele garoto era o único ponto fixo da minha vida, a única coisa que importava. Tudo o que não podia ser ameaçado e o que estava mais bem guardado.
E ainda assim, minha mente se voltava para ela, com imagens em fragmentos, como se eu precisasse montar um quebra-cabeça. Mas eu tinha certeza de que se visse de novo, identificaria.
— Senhor — Aayush entrou no escritório com o tablet em mãos. — Más notícias.
— Imagino!
— Não há imagens das câmeras da boate por causa da pane total do sistema naquela noite.
Suspirei, descansando as costas no assento da cadeira:
— E a lista de entradas?
— Temos os nomes. Mas devido à pane, muitas pessoas entraram sem estar na lista.
— Provavelmente usando identidades falsas — suspirei, decepcionado comigo mesmo — Maçãzinha certamente era uma agente secreta. E aposto que foi treinada para me matar.
— Talvez.
— Talvez? — o encarei.
— Uma agente secreta, treinada para matar... codinome: Maçãzinha! Isso soa bem... estranho, senhor!
Apoiei as mãos na mesa:
— Você sabe que este não é nome dela, Aayush. E não é impossível encontrá-la. Quantas mulheres você conhece com um coração tatuado no dedo anelar?
Aayush sorriu de canto e abaixou a cabeça, falando quase inaudível:
— Poucas. Agora, com uma maçã tatuada na bunda… — a voz ficou ainda mais fraca. — O senhor vai ter que olhar muitas bundas, senhor!
— Isso não será um problema — Não acredito que eu ainda me dei ao trabalho de responder para ele.
Aliás, quando foi que dei tanta liberdade a Aayush? Será que ele achava que o motivo pelo qual o tirei de Zadock foi porque eu queria um amigo?
Antes que eu chamasse a atenção dele, um desastre aconteceu. Davi virou um pote de tinta diretamente sobre o meu laptop.
— Porra! — explodi.
A governanta se levantou num pulo.
— Eu disse que não consigo controlá-lo sozinha! — defendeu-se. — Mas… tenho uma sobrinha. Ela é ótima com crianças. Poderia trabalhar como babá.
A palavra me atingiu como um estalo: “Babá”.
Veio à minha mente a fala da agente secreta, falsa virgem, garota da boate, ou simplesmente... minha Maçãzinha:
“Não tenho filhos. Cuido dos filhos dos outros. Sou babá.”
— Aayush — chamei, sem tirar os olhos de Davi. — Divulgue uma vaga.
— Que tipo de vaga?
— Babá. Salário irrecusável. Estou disposto a pagar o que for preciso... para encontrar a mulher que me dopou.
— Requisitos?
— Não mais de 22 anos, cabelos compridos, magra. — Fiz uma pausa. — E tatuagem de coração no dedo anelar.
Aayush parou, contendo o riso, sem disfarçar:
— E a maçã?
— Essa… eu mesmo vou encontrar.
Ele me encarou, ajeitando a postura e me encarando agora de forma séria:
— Acha que iremos encontra-la desta forma, senhor? E o pior... colocar o inimigo dentro da sua própria casa, convivendo com o seu filho?
— Eu sei que é um risco, Aayush. E que esta mulher pode ser bem mais perigosa do que imaginamos. Mas encontrá-la significa muito mais. Precisamos saber quem está por trás dela, quem mandou ela me exterminar.
— “Exterminar” é um pouco exagerado, senhor! Afinal, ela só o dopou.
— Eu poderia ter morrido pisoteado, Aayush! Aposto que ela foi a responsável pela pane no sistema da boate. Claro que foi! Esta garota planejou tudo! — Inclinei-me para trás, observando Davi espalhar as tintas coloridas sobre as teclas do computador.
— Papai, olha que lindo! — falou, orgulhoso.
Sorri para ele:
— Linda vai ser a sua babá, meu filho!
Dentro de mim, a caça já tinha começado.







