O destino ri da minha cara

Um mês tinha se passado.

Trinta dias desde a noite que eu prometi esquecer. E falhei miseravelmente. O passado insistia em não tirar da minha mente aqueles olhos azuis. E as marcas que demoraram a se apagar do meu pescoço provavam que ilusão de ótica não passava de uma coisa da minha cabeça embriagada.

Maldita hora que decidi virar a chave e esquecer Michael. Meu novo amor conseguia ser ainda mais impossível, porque tudo que eu lembrava dele era que tinha belos olhos e um pau que nasceu para ficar entre as minhas pernas.

Sim, deixei de ser a louca santa para me transformar na mulher que se masturbava diariamente gemendo o nome dele: senhor ilusão de ótica.

E me martirizaria pelo resto da vida por ter bebido até esquecer o meu próprio nome. E o dele. Me pegava, do nada, listando nomes e riscando, na tentativa de tentar lembrar qual era o dele.

— Eu nunca vou esquecer aqueles olhos — disse, encarando meu prato, longe demais dali — E aquele pau.

Will quase engasgou com o suco:

— Você disse “pau”?

— Sim, Will. Eu disse. E esta pessoa não sou eu.

Ele suspirou e recostou-se tranquilamente na cadeira:

— Bem-vinda ao clube, bebê. O clube de pessoas que tentam, desesperadamente, esquecer noites e pessoas inesquecíveis. É só a sua primeira. Logo se acostumará.

— Acostumar? Nunca vou me acostumar a perder o homem mais lindo que já vi na vida. E o pior: por culpa sua.

— Culpa minha? Bebê, eu fiz meu papel de irmão. Só quis salvar você.

 — Salvar do quê? Não tinha fogo, porra!

— Mas ninguém sabia!

— Nunca mais me salve. Ao menos não quando eu estiver com um homem de 1,90 e olhos azuis. E... de terno.

— Sinceramente? Prefiro ouvir você deslumbrada por um desconhecido do que iludida por um filho da puta conhecido.

Will me fez relembrar Michael, que eu tinha enterrado num lugar bem fundo do coração. Desde que ele noivou com a minha prima, o excluí da minha vida. Dei desculpas esfarrapadas cada vez que ele tentava um encontro. Definitivamente, eu não queria mais vê-lo, embora soubesse que seria inevitável nos encontros de família, já que a dele era muito próxima da minha.

E o pior de tudo: jamais me perdoaria por ter que trancar a minha faculdade depois de ter dado todo o meu dinheiro suado para que ele concluísse a dele.

Foi quando vi o menino. Lindo! E sério demais para a idade. Sentado algumas mesas à frente, completamente absorto no celular enquanto duas mulheres insistiam para que ele comesse verduras.

Sim, estávamos numa lanchonete fast food e as idiotas ofereciam ao menino salada e carne! Ele obedecia, mas com uma tristeza resignada que me deu vontade de sequestrá-lo ali mesmo e levar para a minha casa.

— Estão emburrecendo a criança — falei, mais para mim mesma. — E ainda roubando a alegria básica que é viver a infância.

— Instinto de babá falando? — Will debochou.

— Não, instinto de pessoa normal falando sobre hipocrisia. Elas estão comendo hambúrguer e obrigando o pobre garoto a comer alface e tomates. É o fim dos tempos. São exemplos típicos de babás que eu chamo de “A mão que balança o berço”.

— A mão que balança o berço? Conte mais...

Não contei. As mulheres se levantaram para pagar a conta e esqueceram dele ali por alguns minutos. Foi tudo muito rápido. E instintivo. Peguei algumas batatas do meu prato, me inclinei e ofereci ao menino.

— Quer experimentar?

Os olhos dele brilharam como se eu tivesse oferecido pizza de calabresa. Eu comparava porque, na minha opinião, pizza de calabresa era a melhor coisa que se podia comer na vida.

— O que é isso? — ele perguntou, com a voz fininha, encantadora.

— Você não conhece batatas?

— Não assim!

— Isso aqui se chama felicidade em forma de comida. — sussurrei, como se fosse um segredo.

Ele provou, mastigando bem devagar. Depois sorriu, com os dentinhos minúsculos e branquinhos:

— É a melhor coisa que eu já comi na vida.

Foi ali que a confusão começou. As duas mulheres voltaram, viram a cena e fizeram um escândalo digno de teatro.

— Quem você pensa que é?

— Ele não pode comer isso!

— Gordura faz mal!

Toda a lanchonete decidiu olhar para mim naquele instante. E nem deu tempo de eu responder. Meu estômago se contraiu, certamente causado pelo vexame. Corri imediatamente para o banheiro.

Certamente elas acharam que fugi. Mas não. Seria humilhante demais vomitar na frente de todo mundo.

Respirei fundo, segurando a pia, enquanto jorrava para fora toda a gordura que ingeri, repetindo para mim mesma que aquilo foi causado pelo estresse, nada mais.

Meu celular vibrou.

— Alô?

— Maria Fernanda?

— Sim, sou eu. — Era a pior hora do mundo para me ligarem, mas ainda assim, pálida feito um papel, não deixava de ser eu.

— Estamos ligando para informar que seu currículo foi selecionado para a vaga de babá a qual se inscreveu.

— Qual seria? Eu... me inscrevi para no mínimo umas dez neste último mês.

— O que dizia que a vaga era para babá, mas a criança e a família seriam mantidas em sigilo por serem pessoas de grande influência na mídia.

Ok, só podia ser um engano! Eu realmente tinha me inscrito, mas o salário era absurdo. Então jamais passou pela minha cabeça ser selecionada, porque, além de experiência, eu não tinha formação nenhuma.

— Deve ter sido um engano — minha voz soou fraca — Você verificou aí se o currículo está mesmo no meu nome? Maria Fernanda Lorenz.

— Senhora, estou ligando para o número que está no contato do currículo. E você atendeu.

— Poderia repetir o salário? Só para eu ter certeza de que não me enganei quando mandei o currículo.

— O salário é… — tinha tantos números depois da vírgula que cheguei a ficar tonta, tendo que me apoiar na pia.

Engoli em seco:

— Ah. Nesse caso… talvez seja eu mesma.

Saí do restaurante atordoada. Will me esperava do lado de fora. Já tinha pago a conta.

— Ou eu estou delirando… ou acabei de ser chamada para uma vaga de babá com salário milionário.

— Claro que foi — ele respondeu. — A vida adora plot twist. Um gato secreto que fode bem pra caralho à noite. E um emprego com salário milionário durante o dia. Acho que você deveria tatuar uma lua do outro lado da bunda, porque a sua bundinha nasceu virada para ela. Pega o emprego, fica amiga da mãe da criança e me chama para ser personal stylist dela.

No dia seguinte, quando estava saindo pela porta para ir para entrevista, senti meu estômago dar sinal de novo. Corri para o banheiro e vomitei de novo. E de novo. E mais uma vez.

— Gordura — olhei para a minha imagem refletida no espelho. — Definitivamente preciso mudar a minha alimentação e comer mais saudável.

Desci correndo a escada, espraguejando minha falta de sorte, porque estava atrasada. Há uma quadra da Asheton Armaments, o meu salto prendeu num bueiro e quebrou.

— Perfeito! — tive pena de mim mesma quando olhei no relógio e já tinha passado dez minutos do tempo marcado.

Mendiguei um calçado até que uma boa alma me vendeu seu All Star, aceitando todo o dinheiro que eu tinha no bolso. Comprar numa loja? Sim, seria perfeito. Não fosse o fato de eu estar numa área totalmente ocupada por arranha-céus de empresas e a loja mais próxima a trabalhar com calçados que certamente custariam o meu primeiro salário milionário que eu ainda nem tinha recebido estava a quadras de distância.

Cheguei à Asheton Armaments com um terno clássico barato, tênis All Star usado e a dignidade no dedão do pé. As duas outras candidatas já estavam saindo, impecáveis, maquiadas, usando roupas caras e perfumes importados. Será que eu estava no lugar certo? A vaga era para babá ou modelo da Victoria Secret’s?

— Eu vim para a entrevista — falei para a secretária enquanto as duas mulheres me olhavam de relance e saíam juntas, sendo conduzidas por um homem para outra sala.

— O processo já foi encerrado.

— Por favor. — insisti.

— Senhora, não se atrasar para a entrevista é mínimo que poderia fazer.

— Eu tenho um motivo.

— Todo mundo tem. — ela ironizou e voltou a olhar para os papéis, ignorando a minha existência.

— O meu é verdadeiro. Meu salto prendeu no bueiro... mas não perdi o respeito — sim, a porra da música ecoou na minha cabeça, embora eu não tenha querido fazer graça. — tive que improvisar, mas estou aqui. — o outro motivo era ainda mais humilhante, então eu preferi ocultar.

— Não. — seguiu olhando para os papéis.

Valia a pena eu insistir. Afinal, ganhar aquele salário de novo na vida, só se eu nascesse de novo.

— Por favor... por tudo que é mais sagrado para a senhora, seus filhos, seus netos, bisnetos...

Ela levantou a cabeça para mim e franziu a testa, furiosa:

— Olha aqui, senhora...

Foi quando porta atrás dela se abriu. E os olhos que guardavam o silêncio do fim do inverno apareceram. Meu corpo inteiro tremeu com a presença dele. Não importava saber o nome. Importava que ele estava ali, com seus 1,90 metros e um pau gigantesco guardado no meio das pernas.

Abri a boca para falar qualquer coisa. Mas não saiu.

Ele recostou-se no batente da porta e cruzou os braços, sorrindo de forma sarcástica:

— Maçãzinha! Você veio!

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