Alice estava completando dezenove anos. Para a maioria das pessoas, era apenas mais uma comemoração, mas para ela aquele aniversário parecia um marco: estava deixando a adolescência para trás e entrando, de fato, na vida adulta.
Queria dançar, rir, esquecer os livros da faculdade e o peso das responsabilidades que já começava a sentir. Queria ser livre. Reuniu oito amigos próximos para comemorar em uma das boates mais badaladas da região. O lugar estava lotado: a música eletrônica fazia o chão vibrar, as luzes de neon piscavam em tons de azul e vermelho, refletindo nos copos e nos olhos das pessoas. A energia era quase palpável. Alice sorria. Seus cabelos castanhos cacheados deslizavam pelos ombros, a cada movimento refletindo pequenos brilhos sob as luzes. Vestia um vestido curto e simples, mas que nela parecia elegante sem esforço. Era o tipo de garota que chamava atenção sem perceber e isso, às vezes, atraía olhares errados. O grupo ocupava um camarote no andar superior. De lá, podiam ver a pista lotada, os corpos dançando em sintonia com o som grave que ecoava pelas paredes. — Vamos, Alice! — gritou uma das amigas, puxando-a pela mão. Alice riu, mas antes resolveu parar no bar. Precisava de um pouco de coragem líquida para entrar no ritmo da noite. Pediu uma dose de tequila. O copo gelado brilhou sob a luz, e ela virou de uma vez, sentindo o calor da bebida descer queimando sua garganta. Fez uma careta e riu de si mesma. Logo depois, juntou-se ao grupo na pista. Dançava livre, braços no ar, deixando-se levar pela batida da música. Sentia-se viva, dona de si. Foi nesse momento que sentiu uma mão firme demais em sua cintura. O toque não era convidado, não era leve, e a fez se enrijecer. Virou-se, tentando se afastar com educação. O homem, alto, com olhar carregado de arrogância sorriu de um jeito que a deixou desconfortável. — Está com sede, minha linda? Posso te pagar uma bebida… - ele puxou o braço dela antes que pudesse sair. Alice abriu a boca para responder, mas não teve chance. Uma voz surgiu, baixa e firme: — Solte-a. Liandra. A guerreira treinada, sua sombra desde que Felipe a colocara nessa missão, apareceu como sempre fazia — no momento exato. Liandra era imponente: alta, postura ereta, olhar que parecia cortar como lâmina. Havia algo na forma como ela falava, quase um rugido contido, que fazia qualquer um recuar. O homem riu, tentando mascarar o desconforto. — Eu não sabia que ela tinha namorada. — O tom era debochado. — Mas quem sabe não dá pra dividir a brincadeira? A resposta veio rápida: um passo à frente, olhos faiscando. — Fale mais uma palavra e você vai engolir os dentes. Ele não precisou de mais nada. Soltou Alice, levantou as mãos em rendição e recuou para a multidão. Alice suspirou, o coração acelerado. — Liandra, está tudo bem. — tocou no braço dela, tentando acalmá-la. — Vamos voltar pro camarote. De volta à mesa, Alice se jogou no sofá com um suspiro. No começo, achava engraçado o quanto Liandra era protetora. Mas com o tempo, passou a sentir o peso disso. Liandra estava sempre por perto. Sempre. Onde quer que fosse, ela aparecia. Às vezes parecia sufocante, como se respirasse o mesmo ar que Alice, como se fosse incapaz de deixá-la sozinha. Ela não sabia e não poderia imaginar, que aquela vigilância não era apenas amizade. Era missão. Um garçom se aproximou, trazendo uma bandeja de drinks coloridos. Colocou um à sua frente: um copo transparente com duas camadas de cores misturadas, decorado com uma rodela de limão e pedaços de morango na borda. Alice sorriu. Morangos eram seu ponto fraco. Desde criança amava o cheiro, o sabor, a doçura fresca que lembrava tardes de verão. Pegou o copo e bebeu um gole. Gelado, doce, perfeito. Por alguns minutos, deixou-se levar pelo riso das amigas. Mas logo o calor começou a aumentar. Sentiu a cabeça girar de forma estranha, diferente da leve tontura que o álcool trazia. O som da música ficou distante, como se alguém estivesse diminuindo o volume aos poucos. Ela piscou, tentando clarear a visão. — Preciso ir ao banheiro… — murmurou, levantando-se com dificuldade. Ninguém a questionou. Alice sempre fora forte, raramente passava mal por bebida. O corredor parecia mais longo do que lembrava. O calor do corpo aumentava, suas pernas pesavam como chumbo. Tentava focar na porta iluminada ao fundo, mas o mundo girava cada vez mais. Deu alguns passos incertos. E, então, tudo escureceu. ⸻ Liandra voltou do banheiro poucos minutos depois, secando as mãos com um papel. O camarote estava cheio de risadas, mas vazio da única presença que importava. — Onde está Alice? — perguntou, já em alerta. — Foi ao banheiro. — respondeu uma das amigas. Liandra congelou. Não a havia visto no corredor. Instintivamente, pegou o celular, abriu o aplicativo de rastreamento. O ponto de luz brilhou no mapa… fora da boate. O coração da guerreira disparou. Sem pensar, correu. ⸻ Do lado de fora, o ar da noite estava pesado, misturado ao cheiro de gasolina e fumaça de cigarro. Mas Liandra sentiu outra coisa: o perfume doce e inconfundível de Alice da Miss Dior era inconfundível. Seguiu o rastro até um carro estacionado numa rua lateral. O sangue dela gelou ao ouvir risadas abafadas vindas de dentro. Abriu a porta com força, e a cena a fez ver vermelho: Alice estava desacordada, a roupa parcialmente rasgada. Dois homens a seguravam, um deles já inclinando-se sobre ela. Liandra não pensou. Puxou o primeiro para fora e o jogou contra o chão com tanta força que ele perdeu o ar. O segundo avançou, mas não percebeu quando as garras dela surgiram. Num movimento rápido, agarrou-o pelo pescoço e o prensou contra a parede do carro. — Humanos escória… — rosnou, os olhos brilhando com a fúria do lobo. O primeiro tentou se levantar. Liandra pisou com força no joelho dele, até ouvir o estalo seco do osso. O grito foi abafado pelo soco que o deixou inconsciente. O segundo, ainda preso contra a parede, recebeu o mesmo destino: uma perna quebrada, e o corpo desabando sem forças. A respiração de Alice chamou sua atenção. Fraca. Instável. — Droga… — Liandra a pegou nos braços e a carregou até o seu carro. Ela avançou o mais rápido que conseguiu até o hospital mais próximo. A cada segundo, a culpa pesava mais. Ela havia falhado. Permitiu que Alice saísse sozinha. Isso nunca deveria ter acontecido. Quando a equipe médica chegou, Liandra acompanhou até o a entrada do atendimento de emergência. Mas não a deixaram entrar na sala de atendimento. Precisava esperar. O telefone vibrou em sua mão. Um número que ela sabia que não podia ignorar. — Boa noite, Alfa. — sua voz saiu firme, mesmo com o coração apertado. — O que faz em um hospital? — a voz de Felipe era um trovão do outro lado da linha. — Alice foi drogada na boate. Está sendo atendida neste momento. Estava inconsciente quando a trouxe, mas a respiração é estável. Um silêncio pesado. Depois, a resposta: — Quero um relatório completo. Nomes. Tudo. — Sim, Alfa. Ele desligou sem esperar. Liandra fechou os olhos. Sabia que sua vida se tornaria um inferno depois dessa noite. ⸻ A quilômetros dali, em Chicago, Felipe parou no meio da reunião com investidores. O cheiro de baunilha com chuva de verão invadiu sua mente, e Zurkn, seu lobo, rugiu dentro dele. “Ela está em perigo”, repetia, insistente. Felipe sentiu o corpo tremer de raiva. A cada detalhe que Liandra relatava, sua mente via vermelho. Humanos a haviam tocado. Humanos ousaram drogá-la. — Arrume o jatinho. Vou para Phoenix. — ordenou ao beta, sem dar espaço para perguntas. O conselho, os negócios, a política… nada importava naquele momento. Porque sua companheira estava em risco. E, mesmo que tentasse negar, a verdade era inescapável: nada no mundo poderia impedi-lo de ir até ela.