Do outro lado, na Costa, na mansão Blackwolf, Bryan Blackwolf, apenas um filhote de quatro anos, dormia serenamente em sua cama, seu rosto sereno iluminado pelo luar que entrava furtivamente pela janela. Mas, de repente, uma energia arrebatadora, distante mas intensa, algo alem da tempestade que rugia lá fora percorreu o ar como um choque silencioso. Bryan despertou com um arfão, um grito sufocado preso na garganta, suas mãozinhas pressionando o abdômen com força.
Sob o pijama, o lobo negro marcado em sua pele — o símbolo orgulhoso e perfeito de sua linhagem Blackwolf — brilhou com uma luz prateada, incandescente como fogo estelar vivo gravado em sua carne, pulsando em uníssono com um chamado que ele não podia entender, mas que sua alma reconhecia instantaneamente. Babi Maya e Nathanael irromperam no quarto, atraídos pelo mesmo distúrbio energético, seus rostos pintados de intriga e alarme, observando a marca do filho pulsar com uma luz fria e ancestral. Algo monumental, maior do que suas vontades ou histórias, havia acabado de ser selado no tecido da realidade. E bem próximo na mansão Ashowrth, a tempestade havia finalmente começado a recuar aos poucos, deixando para trás um silêncio pesado e úmido, como se o mundo estivesse segurando o fôlego. O vento ainda uivava baixo entre as palmeiras, agitando suas folhas em sussurros conspiratórios, e o céu, agora limpo, refletia o brilho intenso e prateado da lua cheia, que dominava a noite com sua presença soberana. Elizabeth caminhava de um lado para o outro no salão principal, os dedos tremulamente roçando os pingentes de prata em seu pescoço, cada trovão distante um eco remanescente do caos que havia varrido a Costa da Lua. Alaric observava o horizonte pela janela alta, sua expressão tão grave e impenetrável quanto a superfície do mar escuro lá fora. O mar revolto ainda cuspia fúria, deixando rastros de espuma branca e amarga nas pedras negras próximas à doca, mas a tormenta cessara subitamente, como se o próprio universo reconhecesse que o evento primordial já havia ocorrido. O silêncio que se instalara era espesso, carregado de presságios, quebrado apenas pelo sussurro quase inaudível de Elizabeth: — A bebê está prestes a nascer… — murmurou, sua voz um fio de som carregado de intuição ancestral. O celular vibrou na mesa de mármore, o som abrupto cortando a tensão como uma faca. Do outro lado da linha, a voz trêmula e contida da médica da prisão ecoou, cada palavra pesada como uma lápide: — Beta Alaric… Senhora Elizabeth… a criança nasceu. Katherine… não resistiu. Eu sinto muito… O coração de Elizabeth apertou-se violentamente, esmagado por uma dor súbita e profunda. As lágrimas vieram sem aviso, rolando quentes e silenciosas por seu rosto pálido. Ela caiu de joelhos no tapete persa, cobrindo o rosto com mãos que de repente pareciam estranhas, incapaz de conter a onda de luto pela irmã que partira. Alaric moveu-se rapidamente, sua mão firme e quente apertando seu ombro, oferecendo um contato terreno em meio ao turbilhão etéreo de sua dor, mas nada poderia diminuir a intensidade crua daquele momento. Eles não hesitaram. Apressaram-se para alcançar a penitenciária, onde uma vida recém-iniciada brilhava tenramente enquanto outra se extinguia em sombras. A viagem foi curta — a ilhota onde ficava a prisão não era distante da Costa, mas o trajeto de barco pareceu atravessar um abismo entre dois mundos. O mar ainda respirava fundo, agitado e negro, mas o céu permanecia implacavelmente limpo, a lua cheia pairando como um olho cósmico testemunhando tudo. Assim que chegaram, foram recebidos pelos guardas, suas expressões duras e impessoais, que os conduziram em um silêncio respeitoso até a ala médica, fria e impregnada do cheiro antisséptico de desinfetante e sangue. Lá, a parteira os aguardava, seu rosto pálido e suado, como alguém que carregava o peso de um segredo grande demais para seus ombros. Mesmo com a tempestade cessada, o vento gelado ainda cortava como lâminas invisíveis, espalhando pelo ar o cheiro metálico de ferro e a maresia salgada, como se a própria terra guardasse a memória viva do evento transcendental que havia acontecido ali. — Traga a criança. Agora. — disse a médica, sua voz um comando suave mas carregado de uma urgência solene. Minutos depois, que pareceram uma eternidade, a pequena Mia foi entregue aos braços de Elizabeth. A bebê chorava baixo, um som frágil e quebradiço, mas havia algo mais, uma presença energética que fazia o ar estremecer e o corpo de quem a segurava arrepiar-se involuntariamente. A luz da lua, trespassando a pequena janela gradeada, parecia reconhecê-la, envolvendo-a num halo prateado etéreo que dançava sobre sua pele recém-nascida. A médica aproximou-se com expressão grave. — Senhora Elizabeth… além das marcas lunares, há algo mais… algo que nunca vi antes em um filhote… — Seus olhos fixaram-se na pequena. — Ela carrega uma marca extra. Elizabeth a segurava com uma mistura de devoção e temor, cada respiração leve da bebê enchendo a sala com uma energia quase palpável, estática e doce. A médica se aproximou, seus olhos examinando a criança com uma cautela que beirava o religioso. — Olhe com atenção… — disse, sua voz baixa e cheia de uma reverência profunda. — Há algo mais em seu abdômen… além das marcas da Loba Prateada. Uma marca que não deveria estar nela, pelo menos não tão cedo. Algo que transcende a profecia… Elizabeth ergueu os olhos, marejados de lágrimas não secas, seu coração disparado contra as costelas. A médica apontou para o abdômen da recém-nascida, onde um símbolo perfeitamente delineado — uma espiral lunar entrelaçada com um lobo — pulsava com uma energia suave e própria, como um segundo coração batendo sob a pele. — Isso… — murmurou Elizabeth, sem fôlego, o ar preso em seus pulmões. — É impossível… — Não. — respondeu a médica, firme, mas com um tremor de assombro em sua voz. — Nossa espécie nunca testemunhou nada assim. Essa criança nasceu não apenas com o dom da lua, mas com a sua essência gravada na carne. E sua marca… já a liga a um destino que não poderá ser evitado, um caminho já traçado nas estrelas. Elizabeth apertou a bebê contra o peito, sentindo o peso físico e metafísico daquela revelação. A marca não era desconhecida: era um espelho perfeito da que carregava seu afilhado amado, Bryan Blackwolf, de apenas quatro anos. O herdeiro da alcateia negra. O destino de ambos já estava entrelaçado por fios de prata e sombra — até suas almas, mesmo à distância, se reconheciam e clamavam uma pela outra. — Então… o futuro dela já começou. — sussurrou Elizabeth, abraçando Mia com uma força protetora feroz. — E será um futuro tão poderoso quanto as forças que o forjaram. Enquanto a pequena respirava, suave e profunda, um uivo solitário e distante, carregado de ancianidade e poder, atravessou oceanos, florestas e montanhas, respondendo ao chamado ancestral de sua chegada. Em territórios distantes, lobos de todas as alcateias ergueram-se de seus repousos, inquietos, reconhecendo instintivamente o poder recém-nascido que ecoava na teia do destino. Parecia que a própria terra, das raízes mais profundas às montanhas mais altas, proclamava em voz silenciosa a ascensão da Loba Prateada. A médica observava em silêncio, seu rosto um mosaico de temor e fascínio. — Ela… — murmurou, como se falasse consigo mesma. — Carrega em si não apenas o próprio destino, mas o fardo e a glória de todos nós. Esse poder… essa marca que ainda não compreendemos… mudará tudo que conhecemos, tudo que somos. O olhar de Elizabeth encontrou o de Alaric, e entre eles houve uma compreensão silenciosa e pesada: proteger Mia não significava apenas guardar uma criança. Significava proteger o próprio futuro da espécie, a semente de um novo mundo. Significava enfrentar forças obscuras e ancestrais que ninguém poderia prever totalmente, atravessar territórios proibidos da magia e do poder, e assumir um papel em uma história da qual o mundo mortal ainda não estava pronto sequer para ouvir os ecos. E assim, com a pequena Mia nos braços de Elizabeth, já predestinada ao futuro rei Blackwolf, o grande destino começou a se desenrolar, lentamente e inexorável como a maré sob a lua cheia. Uma nova era se iniciava naquele instante — a era da Loba Prateada havia raiado.