Capítulo 4

Fechei o sistema, organizei os relatórios e comecei a empilhá-los com calma meticulosa, tentando parecer profissional, mas por dentro… por dentro eu só queria sair correndo. Aquela tarde tinha sido um inferno — não só pelas tarefas intermináveis, mas porque cada vez que cruzava com ele no corredor, meu corpo ainda ardia com as lembranças de mais cedo. Minha calcinha ainda estava úmida, minha cabeça ainda girava no mesmo ciclo maldito de prazer, raiva e culpa.

Terminei de encaixar os relatórios na pasta correta de cada caso jurídico, como se aquilo fosse salvar minha reputação. Como se alguma coisa ainda pudesse me salvar.

Joguei minha nécessaire na bolsa, arrumei o cabelo num coque meio improvisado — o melhor que consegui depois do caos em que Misa me deixou — e forcei um sorriso no espelho da tela do notebook. Andar pelos corredores com cara de “fui comida no horário de almoço” não ia me ajudar a manter o pouco respeito que ainda tinham por mim naquela empresa. Ainda mais sendo estagiária. Ainda mais sendo "a protegida do Patinsk Jr.".

Fechei a luz do meu cubículo, equilibrando bolsa, pastas e o resto da dignidade que ainda me restava. A maçaneta quase caiu da minha mão de tanto que tremia. Não sei se era exaustão, tensão ou simplesmente a raiva de mim mesma.

Atravessei o andar até a mesa da minha supervisora, a Miss “Me-odeia-com-carisma”, e entreguei a papelada:

— Tudo inserido no sistema. Destaquei cláusulas e fundamentei com os artigos corretos da Constituição. — falei rápido, quase em um sopro, e saí antes que ela pudesse me devolver aquele olhar de quem sabe exatamente com quem eu transei na hora do almoço.

Entrei no elevador cheio, sentindo os olhos de meio mundo pesando sobre mim. Antes de sair de vez do prédio, passei no banheiro. Lotado. Executivas do penúltimo andar, todas maquiadas, penteadas e me analisando como se eu fosse um inseto no vidro. A maioria delas tinha dormido com o Misa. E o pior? Ele me contou. Em detalhes. Não porque fosse sincero, mas porque sabia que isso me feria. Sabia e gostava.

Lavei as mãos, ignorei os olhares e saí sem dizer uma palavra. O som dos saltos no corredor abafava os pensamentos que martelavam minha cabeça: faltam três meses para a formatura. Três meses para, teoricamente, virar adulta de vez. Publicitária com diploma e tudo. E o que eu tava fazendo? Transando com o chefe no expediente e fugindo de banheiro em banheiro tentando esconder o cheiro dele na minha pele.

Passei a tarde finalizando os protocolos de encerramento de processos cíveis que nem sei se alguém vai ler. Digitalizei cada cláusula, conferi os anexos e reescrevi quatro pareceres que a equipe sênior tinha jogado no meu colo. Fiz tudo com a concentração de uma máquina, tentando não pensar no gosto da boca dele, no calor da mão dele nas minhas coxas, no arrepio que me dominava cada vez que ele dizia meu nome em tom baixo, quase rosnando.

Mas pensar nisso era inevitável. Ele tava em todo canto.

Andava já quase fora da empresa quando uma mão firme me puxou para o corredor de serviço das faxineiras. Não era um lugar de passagem para os engravatados da Patinsk. Era o lugar perfeito para fazer merda.

— Misa! Eu tô atrasada. — bufei, tentando me desvencilhar.

— Só queria te convidar pra um programinha mais tarde. Lá em casa.

— Não vai dar. — Disse firme, sem encarar muito, porque se olhasse... ah, se olhasse. — Meus amigos me matam se eu não for hoje.

— Tem alguém melhor que eu? — ele fala daquele jeito petulante, que me faz querer socá-lo e beijá-lo ao mesmo tempo.

— Odeio quando você me trata como se eu fosse descartável. — minha voz já sai trêmula. — Você sabe muito bem que eu não fico com mais ninguém.

— Não foi isso que eu quis dizer...

— Mas falou!

— Tá, tá, tanto faz. — Ele revira os olhos, e eu quase vejo o pai dele ali, espelhado na arrogância.

— Tanto faz pra você! — Eu me afasto, mas ele segura meu braço. Sinto os olhos dos executivos nos elevadores virando para nós.

— Aonde você vai?

— Não te interessa.

— Como não?

— Não lhe devo satisfação.

— A única que deve é a sua namorada, né?

Ele cerra os dentes.

— Margo, deixa de ser infantil.

— Pub. — digo seca.

— Merda. A July vai estar lá.

— Então faz companhia pra ela. — reviro os olhos e viro o corpo, mas ele me bloqueia.

— E ficar parado vendo você se esfregar em outros caras?

— Ah, você me irrita! — dou um meio-grito. — Fala como se eu fosse uma vadia! Como tu é idiota!

— Eu vou convencer a July a ficar em casa.

— Se você aparecer lá, eu corto seu pinto!

— É mesmo?

— Embora talvez eu nem tenha tempo, vou estar ocupada me esfregando em outros caras.

— Você quer me matar?

— Não. — dou um sorriso sarcástico. — Mas se acontecer, vou vestir preto na formatura.

Ele me encara com aquele olhar furioso que quase sempre termina em cama. Mas não hoje.

— Ah, e não esquece da sua bombinha de asma, tá? — digo com falso carinho. — Sua consulta com o alergologista é amanhã, às 09h. E lembra das injeções de alergia a amendoim. Acabaram no seu escritório. Ainda tem no seu apê, mas só duas.

— Você se preocupa mesmo comigo, né? — Ele dá aquele sorriso torto. O sorriso que me destrói.

— Só não quero que minha única transa vá parar no hospital. — falo sem emoção. — Seria péssimo pro meu ego.

Dou meia-volta e saio andando. Rebolando. Sentindo o fogo dele queimando minhas costas. E mesmo sem olhar, eu sei: ele ainda tá me assistindo. Como sempre. Como se eu fosse dele.

E talvez… no fundo, eu ainda seja.

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