Todos na mesa ficaram em silêncio. Aylla podia ouvir o próprio coração batendo no peito, cada pulsar mais alto que o anterior. O clima estava tão pesado que quase dava pra tocá-lo. Helena, sua mãe, foi a primeira a romper o silêncio sufocante.
— Filha… como assim? Você e Leonardo não estão mais noivos?
Aylla respirou fundo, não queria magoar os pais, não queria dar mais peso aos seus problemas. Mas também não tinha mais espaço dentro de si pra mentiras. Olhou firme para a mãe e respondeu, seca:
— Sim, mãe. Eu não tenho mais nenhum tipo de relacionamento com esse homem.
O pai dela arregalou os olhos, visivelmente incomodado com a forma como a filha se referia ao genro.
— Filha, não fale assim… O Leonardo sempre foi um bom rapaz, sempre cuidou de você…
Aylla virou o rosto em direção a ele, e a mágoa escorreu pela sua voz:
— Pai, está acabado. E não tem volta.
Leonardo, até então calado, resolveu se levantar e caminhar em direção a ela. Seu tom era doce, ensaiado, como sempre.
— Meu amor, não fale assim… Não liguem, sogros, ela só está nervosa…
Aylla perdeu o controle.
— Eu não estou nervosa, coisa nenhuma! Estou é cansada de você! — gritou. — Pai, mãe, eu sei que vocês me criaram pra “ter um homem pro resto da vida”, que vocês tiravam sarro de mim quando eu dizia que queria casar cedo, mas… eu sou uma mulher de 25 anos! Não sou mais uma criança! E esse homem que vocês tanto endeusam… não passa de um grande patife!
Leonardo arregalou os olhos, sem acreditar no que estava ouvindo. Aquela Aylla era estranha, não a submissa que ele manipulava com facilidade. Ela estava de pé, inteira, feroz.
— Ele me traiu com a minha ex-colega de faculdade! E ainda ajudou ela a conseguir emprego no mesmo hospital onde eu trabalho! Ela já deve estar lá… Eu pedi férias por isso! Me digam, como é que eu ia continuar encarando aquele lugar? Vocês querem mesmo sua filha com um homem desses? Com um manipulador, um covarde?
O silêncio agora era outro. Um que gritava.
Leonardo tentou rir, nervoso.
— Ela tá louca, gente… Tá inventando isso tudo…
Mas Aylla já estava preparada. Pegou o celular e jogou sobre a mesa várias fotos. Leonardo com Catherine. Rindo, se beijando, saindo de um hotel, almoçando em restaurantes que ele nunca quis levar Aylla. Em uma das fotos, Catherine aparecia deitada no colo dele.
O pai de Aylla levantou da cadeira. A veia do pescoço saltada. Andou até Leonardo, o agarrou pelo colarinho e, sem pensar duas vezes, deu um soco. Leonardo caiu no chão, atordoado.
— Então é assim que você trata minha filha, seu merda? Assim que você a humilha? Some da minha casa, agora!
Leonardo limpou o sangue do lábio, mas não disse nada. Pegou suas coisas e saiu como o covarde que era.
Os pais de Aylla a abraçaram. Pediram desculpas. Por não terem percebido. Por terem criado uma filha com medo de contar as próprias dores. Aylla chorou como uma menina assustada. Chorou pelo tempo perdido. Chorou por tudo.
Foi quando seu celular tocou. Era Vanessa.
— Oi, Van… O que foi?
— Aylla, eu tenho um convite. Uma viagem. Quero você como minha acompanhante! Vamos pra uma praia, pegar sol, esquecer tudo. E não vale dizer não!
Aylla olhou para os pais. Eles se entreolharam e disseram juntos:
— Vai, filha. Vai ser bom pra você. Esquece o Leonardo. Vai viver.
Mais lágrimas caíram. Aylla não esperava apoio. Mas ali estavam eles, seus bens mais preciosos, cuidando de sua dor.
— Van, eu aceito. — respondeu, com a voz embargada.
Do outro lado da linha, Vanessa gritou animada. Aylla riu.
Naquela noite, Aylla dormiu com o peito um pouco mais leve. Tinha conseguido colocar tudo para fora. Tinha enfrentado o caos. E sobrevivera.
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O dia seguinte chegou com céu claro. Aylla arrumou as malas, se despediu dos pais com abraços apertados. O pai a levou até o aeroporto. O voo foi tranquilo, mas na cabeça dela, as turbulências internas ainda ecoavam.
Assim que chegou em seu pequeno apartamento, deixou as malas no chão e começou a separar o que levaria para a viagem. Logo estava em um táxi, indo encontrar Vanessa.
Ao vê-la, Aylla sorriu. Vanessa era como um sol em dias nublados. Impossível não se sentir contagiada por sua energia.
— Tudo pronto? — perguntou Vanessa. — Agora, vamos pegar um sol. Tô cansada desses dias frios!
Aylla riu da empolgação da amiga.
— Mas Van, por que essa viagem assim, de repente?
— Porque eu quero viajar com a minha melhor amiga. Isso já é motivo suficiente, né?
Foram quatro horas de estrada. Quando chegaram ao hotel, era quase fim de tarde. O lugar era luxuoso, cinco estrelas, cheio de hóspedes de várias partes do mundo. Aylla se sentia deslocada, como sempre. Vanessa percebeu e disse, sorrindo:
— Aylla, relaxa. Eu tô com você. A gente vai se divertir, prometo.
O quarto era espaçoso, moderno e com vista para o mar. Aylla foi procurar um biquíni, queria dar um mergulho na piscina aquecida que Vanessa tanto elogiava. Pegou um biquíni preto.
Vanessa entrou e arregalou os olhos.
— Você não vai usar isso, né?
— Por que não?
— Porque tá fora de moda! — respondeu, já tirando da bolsa alguns biquínis novinhos.
Aylla sabia que resistir era inútil. Escolheu um maiô ousado.
— Van… isso aqui tá pequeno demais atrás, não tá?
Vanessa gargalhou.
— Fica lindo em você! Mostra esse corpinho, mulher. Você é linda!
Aylla se olhou no espelho, insegura. Seus cabelos dourados, olhos castanhos, o corpo curvilíneo… Ela não se sentia tão bonita. Se achava pequena, comum. Mas Vanessa insistiu:
— Você tem que parar com essa baixa autoestima!
Vanessa vestiu um biquíni verde-esmeralda, realçando ainda mais sua beleza. Disse com um brilho nos olhos:
— Hoje eu vou caçar aquele tigre que tá se fazendo de difícil comigo.
— Existe homem que resista a você? — perguntou Aylla, rindo.
— O Cristian Alencar… aquele que te apresentei. Tô caidinha, mas ele se faz de difícil.
As duas riram, foram até a piscina. A água estava deliciosa. Vanessa logo se enturmou com hóspedes estrangeiros. Aylla, mais reservada, ficou bebendo um suco de laranja.
— Aylla, vou ali num bar com esses rapazes. Quer vir?
— Pode ir. Quero ficar por aqui mesmo.
— Então não sai daí!
Aylla viu a amiga sumir entre risos. O ambiente foi esvaziando. Ela se deixou relaxar, até que alguém apareceu. Uma mulher de cabelos pretos, biquíni de oncinha. Logo atrás, um homem.
Aylla gelou. Era Ayron.
Virou de costas, orando para que não a vissem. Mas a mulher entrou na piscina, e Ayron também. A mulher falava com voz infantilizada:
— Ayron, massageia minhas costas…
— Claro — ele respondeu.
Aylla sentiu o sangue ferver. Será que era uma cliente dele? Aquilo tudo era ridículo demais.
— Ayron, você é maravilhoso… Eu adoro esse seu corpo…
— O seu também é uma delícia — ele respondeu.
Aylla cerrou os punhos. Aquela voz… aquelas palavras… lembravam demais a noite que ela queria esquecer. Como pôde ser tão burra?
A mulher saiu para buscar drinks.
Aylla orou baixinho: não vem na minha direção… por favor, não vem…
Mas então ela ouviu. Um movimento na água. Alguém se aproximando.
E logo, uma respiração quente no seu ouvido.
— Quanto tempo você planeja fingir que não me conhece, docinho?
Aylla congelou. O inferno havia chegado com olhos âmbar e um sorriso diabólico.