"Encontro as cegas"

Aylla teve um sobressalto. Jamais imaginou encontrar aquele homem ali. Seu instinto foi imediato: sair rapidamente e se esconder. Seus pés mal tocaram o chão enquanto buscava um abrigo atrás de um carro estacionado próximo. Sentia-se como uma criminosa, esgueirando-se pelas sombras. O coração acelerado martelava em seu peito. Que tipo de situação era aquela?

O homem que ela havia reconhecido estava prestes a sair pela porta. Sua postura era firme, dominante. Quando chegou à soleira, uma voz o chamou com urgência:

— Chefe! Chefe!

Aylla espiou, mal conseguindo conter a respiração. A mão tremia sobre a boca enquanto se encolhia atrás do veículo. A tensão no ar era densa, quase palpável.

— Chefe, me escute… ele disse que vai pagar — disse o homem de voz aflita, claramente intimidado.

O outro, o que Aylla conhecia como Ayron — ou achava que conhecia — aproximou-se com um olhar transtornado. Algo ali estava errado, muito errado.

— Pagar? — A voz dele saiu fria, letal. — Manuel, se ele não pagar até meia-noite… você é um homem morto. Eu não me importo com o que vai acontecer com você.

O subordinado gaguejou, visivelmente aterrorizado:

— Calma, chefe… esse assunto será resolvido. Eu juro.

Aylla sentiu o medo subir pela espinha. "Matar?", pensou, paralisada. "Ele está falando em matar alguém?" Aquilo não podia ser real. O homem com quem ela havia dormido, com quem dividira momentos de entrega, falava sobre assassinato como quem comenta o tempo.

Ela se encolheu ainda mais, tentando desaparecer. Seu corpo se recusava a se mover. Por fim, um carro conversível parou diante do restaurante. Um funcionário do hotel entregou a chave a Ayron, que entrou no carro e partiu sem mais uma palavra.

Aylla saiu apressada dali, quase tropeçando nos próprios pés. A respiração estava descompassada, o coração em frenesi. "Meu Deus… o que era aquilo?" Caminhou sem rumo por alguns minutos, assombrada pela imagem do homem. Ainda sentia suas mãos em seu corpo, sua voz em seu ouvido. Como podia ter se entregado tão cegamente?

Seu celular tocou. Era Vanessa.

— Oi, amiga. Você não está em casa?

Aylla demorou a responder. Como explicar tudo aquilo? "Oi, Vanessa, o garoto de programa que você me indicou talvez seja um assassino a sangue frio. O que você acha disso?" Mas não disse nada disso.

— Estou bem, só… saí um pouco pra espairecer.

— Hm… ok. Depois me liga.

Desligou. Seu sexto sentido gritava. Tinha algo muito errado com aquele homem. Não era só um pressentimento bobo; era instinto puro. Precisava entender o que estava acontecendo. Entrou no banho e permaneceu ali por longos minutos, a mente queimando em dúvidas. Foi dormir atormentada por tudo que viu e sentiu. Aquilo não podia ser real. Ayron não era só um garoto de programa. Ele escondia segredos — sujos, perigosos.

Acordou no domingo com a cabeça latejando. A noite tinha sido um turbilhão. Mas ela precisava seguir. Era dia de plantão, e no hospital se sentia viva. O sorriso das crianças conseguia, por algumas horas, apagar seus fantasmas. O turno passou rápido, e mesmo cansada, Aylla estava aliviada por ter conseguido distrair a mente.

No fim da tarde, Vanessa ligou novamente.

— Vamos sair hoje, Aylla. Tem uma balada nova abrindo. Você precisa se distrair.

— Ah, Vanessa… eu tô tão cansada. Só queria dormir.

— Nada disso! Logo você vai tirar férias. Vamos sim! Vem se arrumar aqui em casa, eu tenho tudo!

Aylla tentou recusar, mas acabou cedendo. Passou em casa, pegou algumas coisas e chamou um táxi até o apartamento da amiga. Vanessa morava no centro, em um prédio luxuoso, daqueles em que só gente rica colocava os pés.

Vanessa era assim: uma mulher que conquistava tudo e todos. Sempre teve tudo na vida — beleza, apoio dos pais, educação de ponta. Hoje era uma arquiteta renomada, com clientes importantes e uma vida invejável. Recebeu Aylla com um sorriso animado.

— Que bom que você chegou! Eu tô tão ansiosa pra hoje!

Aylla sorriu e notou que a amiga estava se maquiando. Estava deslumbrante. Os cabelos avermelhados, lisos e brilhantes, contrastavam com os olhos verdes intensos. Vanessa tirou Aylla de seus pensamentos:

— Aylla! Tô te chamando há dez minutos! Me conta, como foi a noite quente?

Aylla ficou em silêncio. Como dizer o que realmente tinha acontecido?

— Van… de onde você conhece aquele cara?

A amiga hesitou um pouco, depois respondeu:

— Numa balada. Ele estava com conhecidos meus. A gente conversou… ele me disse que era garoto de programa. Quando contei de você, ele se ofereceu pra te ajudar a esquecer o ex. Achei que era uma boa ideia.

Aylla quase disse tudo. Mas algo a impediu. Decidiu guardar aquilo por enquanto. Entrou no banheiro do quarto de Vanessa, uma suíte digna de princesa. A banheira estava cheia, com óleos aromáticos. Aylla relaxou ali, sentindo-se quase em outro mundo. Pensou em sua vida. Veio de uma família simples, conservadora, mas cheia de amor. Os pais lhe ensinaram o certo e o errado, e desde cedo ela soube que queria ser pediatra. Lutou muito para se formar. Vanessa esteve ao seu lado durante toda a jornada. A amizade das duas era um pilar em sua vida.

Ao sair do banho, ouviu Vanessa ao telefone. Quando chegou, a amiga havia encerrado a ligação.

— Aylla… eu tô conhecendo alguém.

Aylla sorriu, sentindo que a amiga estava feliz.

— Sério? Quem?

— Um cliente do estúdio. Assim que vi ele… senti uma conexão.

Aylla entendeu. Também havia sentido algo estranho — e forte — com Ayron. Mas não sabia explicar o que era. Não era amor, não ainda. Era uma curiosidade arrebatadora, uma inquietação.

As duas começaram a se arrumar. Vanessa escolheu um vestido azul profundo, justo, que valorizava cada curva. Aylla a aplaudiu. Mas ela mesma não sabia o que vestir. Vanessa jogou várias opções em cima da cama. Entre elas, Aylla viu um vestido preto, com decote nas costas, fenda na perna e alcinhas finas. Fluido, delicado, sensual.

Vestiu-se e ficou impressionada com o reflexo no espelho. Vanessa fez uma maquiagem que destacou seus olhos castanhos. Aylla estava deslumbrante, embora relutasse em admitir.

— Van… eu tô bonita?

— Você é linda, mulher! Para com isso de se achar feia!

Aylla riu. Calçou uma sandália de salto baixo — não suportava salto alto — e pegou uma bolsinha com celular e batom. Desceram até a garagem, onde Vanessa pegou sua Lamborghini. Aylla assobiou.

— Você fica tão sexy dirigindo isso.

Vanessa riu alto, e as duas seguiram para a boate. Era uma casa de shows recém-inaugurada e já famosa na cidade. Vanessa não enfrentou fila — entrou direto com Aylla. Lá dentro, o ambiente pulsava com luzes, música e gente bonita.

— Vamos pegar uma mesa?

— Que mesa? Peguei um camarote, querida.

Subiram para o segundo andar. Homens olhavam com desejo para as duas. Aylla se sentia deslocada, mas segura ao lado da amiga.

Um homem alto, bonito, de cabelos pretos e olhos profundos aproximou-se. Vanessa sorriu e o cumprimentou com um beijo no rosto.

— Aylla, esse é Cristian Alencar, meu cliente no estúdio.

— Oi. a Venessa fala muito de você — disse ele, simpático.

— Não falo tanto assim — Vanessa rebateu, corando. Aylla achou graça. Vanessa corando era uma raridade.

Cristian pediu drinks. Depois, ele e Vanessa foram dançar. Aylla ficou observando, bebendo algo doce e forte. Sentia o rosto quente. Quando acenaram para ela ir, Aylla se juntou a eles. Dançavam, riam, se divertiam. Muitos homens olhavam para ela.

Um rapaz bonito se aproximou.

— Oi, sou Benjamin. Quer dançar?

Ela hesitou, mas aceitou. A música era lenta. Ele a segurou pela cintura, se aproximou demais.Ele puxou assunto, Aylla respondeu com poucas palavras. Sentia-se desconfortável quando ele passou a mão em suas costas.

De repente, o rapaz foi empurrado com força. Ao olhar para quem o havia afastado, ele empalideceu e recuou. Aylla se virou, confusa… e tombou no peito de alguém.

— Ai, me desculpe…

Seu olhar subiu, encontrando aqueles olhos âmbar. Ayron.

Estava ali. Impecável. Perigoso. Lindo.

— Oi, Aylla. Nos encontramos de novo.

E naquele instante, ela soube que a noite acabara de mudar completamente.

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