Aylla soube, naquele instante, que aquele encontro não havia sido casual. O universo não dava voltas à toa, e ela sentia nos ossos que algo estranho estava em curso. Encontrar Ayron numa balada? Aquilo era um sinal, mas de quê, ela ainda não sabia. Sua garganta secou, o estômago revirou. Com dificuldade, balbuciou:
— Oi… como você tem passado, Ayron? É mesmo esse o seu nome? O homem riu, e o som que escapou de sua boca foi quase cruel. A risada soou baixa, debochada, como se estivesse se divertindo com o desconforto dela. — Aylla… Sim, meu nome é Ayron. Por que eu mentiria sobre isso? Ela tentou manter o semblante calmo, mesmo com a certeza latejando dentro de si: aquele homem era um mar de segredos, e ela tinha medo de mergulhar fundo demais. Os olhos âmbar dele percorriam seu corpo com um desejo que queimava. E estranhamente… ele estava ainda mais bonito do que na noite em que estiveram juntos. Ela piscou várias vezes, culpando a bebida pelo calor que sentia subindo por suas pernas. Então, ele falou com um tom mais carregado, quase possessivo: — Pelo que vejo, tem muitos urubus rondando você… Aylla sentiu o sangue ferver. Quem ele pensava que era para se meter nos assuntos dela? — Senhor Ayron, com todo respeito, talvez isso soe rude, mas… o senhor não tem nada a ver com a minha vida. — disse firme, olhando nos olhos dele. Ela viu claramente o desagrado estampado no rosto dele. Aylla continuou, com uma coragem que nem sabia que possuía: — O senhor, para mim, foi apenas uma noite. Uma noite paga. Um serviço. Já terminou. Não tem por que discutirmos isso aqui. Ayron se aproximou lentamente, o perfume dele invadindo o ar ao redor. Ela sentiu as pernas fraquejarem, mas manteve a postura. Ele perguntou, com a voz carregada de algo que ela não soube identificar: — Aylla… por que está me tratando assim? O que aconteceu com a mulher que se entregava para mim de todas as formas possíveis? O rosto dela pegou fogo. Aquela exposição a envergonhou profundamente. — O senhor está me ofendendo… pare com isso. Por favor. Mas Ayron não era o tipo de homem que recuava. Ele deu um passo ainda mais perto, a boca quase roçando a dela. — Eu gostei de você, Aylla. Você era… deliciosa. Não terminou a frase. Um tapa estalou alto no rosto dele. Por um instante, tudo parou. Ayron permaneceu imóvel, absorvendo o impacto. Depois, passou a mão devagar pela bochecha avermelhada e murmurou com um sorriso torto: — Eu achei que você fosse uma mulher submissa… mas pelo que vejo, tem sangue quente correndo nessas veias. Aylla teve vontade de arrancar aquele sorriso do rosto dele. Onde estava o homem carinhoso e cuidadoso da noite que passaram juntos? Quem era aquele cretino à sua frente? Ela respirou fundo e respondeu com calma: — Senhor Ayron, eu não aceito esse tipo de desrespeito. Sem esperar por resposta, virou as costas e saiu da pista de dança. Precisava encontrar Vanessa. Quando chegou até a amiga, a viu aos beijos com seu acompanhante e, sem coragem de interromper, voltou para o camarote. Lá de cima, seus olhos foram atraídos para a figura de Ayron, cercado por várias mulheres que dançavam em cima dele. Parecia que ele fazia questão de mostrar que era desejado, que estava se divertindo… e que ela não significava nada. Mesmo assim, ele a encarava. Aquilo a corroía por dentro. Por que se sentia tão incomodada? O celular vibrou em sua bolsa. Uma mensagem de Leonardo. Ela bufou. Só podia ser mais uma tentativa desesperada de convencê-la de algo. "Aylla, meu amor. Estou com saudades. Queria conversar, te explicar. Eu não tive nada com aquela garota, ela se jogou pra cima de mim. Eu sou homem…" A raiva subiu como fogo. Que tipo de desculpa esfarrapada era aquela? Como ele ousava tratá-la como uma mulher boba, fraca? Jogou o celular de lado, sem responder. Não iria bloqueá-lo — não por fraqueza, mas porque jamais admitiria que ele ainda a perturbava. Enquanto tentava se recompor, notou que Ayron continuava a fitá-la de longe. O que ele queria? Passar a noite toda a secando? Decidiu ir embora. Aquele lugar não era mais para ela. Desceu as escadas, tentando não pensar em nada. Mas então esbarrou em alguém. Um homem, claramente embriagado, sorriu torto e disse: — Olha só o que temos aqui… uma delícia sozinha. Ela tentou se afastar, mas ele a segurou com força pelo braço. — Não foge, gatinha… O homem se aproximou para beijá-la, mas antes que pudesse tocá-la, foi arrancado com brutalidade. Ayron. Ele o agarrou pelo pescoço e começou a socar seu rosto com violência. Aylla congelou, sem conseguir gritar, sem conseguir mover um músculo. O som dos socos se misturava à música alta da boate. O rosto do homem já estava coberto de sangue quando Ayron vociferou: — Estou começando a acreditar que esses ratos não sabem o próprio lugar. Como você ousa tocar no que é meu? Ela não compreendeu aquelas palavras. Meu? — Por favor… senhor Ayron, pare! — implorou, chorando. Ele finalmente soltou o homem, sua camisa suja de sangue. Chamou dois seguranças e ordenou: — Joguem esse lixo pra fora. Aylla estava paralisada. O medo lhe apertava o peito. Ayron se virou para ela, a expressão mais calma. — Você está machucada? Ela balançou a cabeça, negando. Ele pegou uma toalha que alguém lhe entregou e limpou as mãos, como se fosse um hábito. Como se fosse algo comum. Aylla o encarou, incrédula. — Desculpe fazê-la presenciar isso… mas preciso lembrar esses vermes do lugar deles. Ela ainda não conseguia falar. Ele a observava intensamente, como se quisesse ler sua alma. — O que você é, realmente? — ela perguntou, num sussurro. Mas antes que ele pudesse responder, Vanessa surgiu correndo: — Amiga! O que está acontecendo? Aylla se virou para o lado… e Ayron havia desaparecido. — Van… eu tô bem, não se preocupa. Mais tarde, Aylla contou tudo para Vanessa e Cristian, omitindo apenas quem a havia defendido. Disse que queria ir embora. Vanessa se ofereceu para levá-la, mas Aylla insistiu em pegar um táxi. Ao sair da boate, colocou o casaco e foi chamar um carro, mas uma porta se abriu ao seu lado. Ayron. Ele havia trocado de camisa. — Entra. Eu te dou uma carona. — Não, obrigada. — Se você não entrar, eu vou aí e te jogo dentro. Ela empalideceu. Quem era esse homem? Entrou no carro. Ele dirigia em silêncio. Nem perguntou o endereço, como se já soubesse. Ela comentou: — Senhor Ayron… não vai perguntar onde moro? — Eu sei onde você mora. No caminho, ele perguntou se estava com fome. Ela disse que não. E então, mais calmo, perguntou: — Por que está brava comigo, Aylla? Eu te fiz algo ruim? Ela não respondeu. Quando chegaram, tentou sair rápido do carro, mas ele a segurou pelo pulso. — Você está esquecendo algo. E a beijou. Um beijo forçado, que ela revidou empurrando-o. — Pare com isso! Saiu correndo, ouvindo a risada dele às suas costas. Já no apartamento, caiu no sofá. Uma mistura de raiva, vergonha e desejo a consumia. Dormiu… mas os sonhos foram todos com Ayron. Eróticos. Intensos. Acordou se sentindo a garota mais sem-vergonha do mundo. Na semana seguinte, trabalhou exausta no hospital. Suas férias estavam próximas, mas ela não queria se afastar de suas crianças. Quando finalmente chegou o dia, decidiu visitar os pais no interior. A viagem demorou cinco horas. Seu pai a esperava no aeroporto e ela correu para abraçá-lo. Aquele homem de 55 anos ainda era bonito e forte. No carro simples, conversaram sobre a vida, e ela omitiu o rompimento do noivado. Ao chegar na casa, foi recebida com bolo e amor. A mãe, com seus cabelos dourados, a abraçou como se nunca mais fosse soltar. Aylla sentiu paz ali. Mas então… — Por que Leonardo não veio com você, filha? — Ele tinha muito trabalho, mamãe. Seu pai sorriu e mandou que ela descansasse. Foi para seu quarto, tudo estava igual. Se deitou, mas Ayron voltou à sua mente. Por quê? Desceu até o jardim, vestida com jeans e suéter, os cabelos presos num rabo de cavalo. Observava as flores, em paz, até ouvir um carro. Não esperava ninguém… e quando viu quem desceu, seu estômago virou. Leonardo. Com um sorriso cínico, ele caminhou até ela, como se nada tivesse acontecido. — Oi, amor… Ela respirou fundo, o ódio crescendo como fogo. — O que você está fazendo aqui, Léo? Duas almas que um dia se amaram… agora travavam uma guerra silenciosa.