A claridade bruxuleante das velas incomodava seus olhos, tinha em mão uma pena e a tinta intocada ao lado. Estava sem sono, diferente do que dissera a Sirius há meia hora quando deixou o banquete. Uma certa paz a envolveu, satisfação por ele e Argus terem dado um passo importante. Outra parte dela, contudo, mantinha seu ânimo baixo e lhe privava o sono.
Tinha costume de escrever no caderninho de capa dura que ganhara do irmão anos antes, porém sua imaginação não estava ativa o suficiente para redigir nem uma receita de bolo de cenoura, algo que Dinah fez questão de ensiná-la quando era criança. Mesmo assim, tentava espremer qualquer coisa da sua infértil mente.
Mergulhou a ponta metálica e cintilante na tinta, pensando na primeira palavra de uma possível história ou conto que ainda não existia na sua cabeça. Um calafrio a atravessou de s&u
“Duvenur era considerado por muitos povos da antiguidade o sleniano mais controverso dentre todos os hiadovanos, tal fato se manteve inalterado até o período atual pós-descrínico. Duvenur fez como moradia o interior do crânio do gigante Eltisdes, derrubado por Hallar’ken nas guerras de Belqzardu. Sendo considerado o deus da morte e da piedade, do ódio e do amor, Duvenur também é nomeado como Osein e Abierg. Filho de Ninguém, carrega os títulos mundanos de Preceptor Dúbio, Mestre Ambíguo e Senhor Desolado. Entre os deuses, era principalmente reconhecido como Corvo Sereno e Guerreiro de Negras Seda e Foice. Casado com Tarinfel, a próxima deusa a ser estudado no capítulo seguinte, teve cinco filhas cujos nomes são debatidos e observados até hoje. O mais aceitável é que elas eram Cecill, Niahr, Átilae, Ciliv e Analesia.”— A&i
Os que estavam presentes olharam de imediato para quem entrava, murmúrios incendiaram o local, calaram-se as vozes alteradas. Igualmente repentino foi a troca de olhar de reconhecimento entre pai e filha, Sirius e sua expressão ligeiramente surpresa, nada repreensiva. O formiguento silêncio se manteve enquanto Millena levava Brienqcorti até o seu assento no arco de arquibancadas à direita. Haviam seis anões munidos de machados, lanças e martelos aguardando-o em pé, sentando-se apenas após o líder.Na outra extremidade do arco, após um notável vazio, reunidos estavam os representantes de Suillardre. Homens grandes e altivos, com vestes em tons de vinho que nenhum artesão wendeveliano poderia reproduzir. Estavam acompanhados de uma pequena guarnição própria, lâminas de espadas curvas à mostra.Os Nove Patriarcas dos Pilares Políticos de Wendevel encontravam seus assentos no arco à esquerda, diferentes expressões tomavam seus rostos, sobressaindo a tensão que deixava a at
— Então, qual a sensação?— Demandou Nico, talvez pela milésima vez.— Faça isso de boca fechada— ordenou Endrick.O rapaz pegou mais um tapete enrolado sobre o ombro e levou para dentro da casa, voltando logo em seguida. Estavam em Elisesile, ajudando no transporte da mobília de uma senhora, um favor que custaria alguns grelv. Era o tipo de trabalho que mais conseguiam pela região, geralmente não compensava o esforço, entretanto era uma forma boa de mostrar a Mercstzine que faziam algo além de “se humilharem completamente” na Arena.— É só uma pergunta inocente.— Nada que passe pela sua boca é inocente, ainda menos que tenha passado muitas vezes.Nico resmungou e levou um estofado, agora só restava dois baús da pilha inclinada que antes havia sido forçada a se sustentar sobre a carroça.— Você faz um julgamento péssimo de mim— reclamou assim que retornou.— Faço o julgamento mais sensato.— Mas qual a sensação?— Perguntou, levando os
Nico despertou duas horas após o anoitecer, estava em uma cama na Casa Mercstzine, um quarto separado apenas para ele. Achava que reconhecia o local, onde havia um pequeno guarda-roupa com a lateral da parte de cima enegrecida, descendo como raízes para o seu centro, manchas causadas por uma goteira que havia sobre o móvel. Dez anos atrás, o som da água em colisão direta com a madeira o despertara de forma gradual, quase afável. Johen o havia encontrado na madrugada e se abrigaram na estalagem durante a chuva, não sem antes se molharem. Era um lugar desconhecido que se tornou difícil de imaginar como tal nas atuais circunstâncias.Houve uma discussão com a senhora Mercstzine para que fossem aceitos, além de estarem encharcados, ela sabia que o homem não teria dinheiro para pagar por um quarto, quiçá por dois. A estalajadeira, porém, viu a criança e soube que ela ficaria doente, concedeu um quarto para ambos e disse que prepararia um chá para quando acordassem. O pequeno Nico j
Percorreram vias com árvores retorcidas, relva e trepadeiras tomando casas e calçadas, no escuro, cães corriam lembrando lobos ou, para um arrepio na espinha, fantasmas com caninos tão assustadores quanto perigosos. Uma construção branca e enorme como um palácio assomou diante deles, poderia ser bonita se seu aspecto não prometesse guardar todas as sombras vivas do reino. Adentraram o portão, Endrick primeiro, o assobio do vento os acompanhou por uma aleia estreita de frondosas árvores. Perante a escadaria que levava às portas duplas de carvalho, Endrick pegou Nico pelo braço, o olhar misterioso.— Não fale nada, eu cuidarei disso. Não aceite provocações.O garoto assentiu, admirado com o tom de sua fala, como se cada sílaba possuísse um discurso próprio.— Sem mais ação desnecessária— garantiu.As portas se abriram quando o último degrau foi alcançado, um mordomo olhava para eles com a sua expressão vazia, suas roupas, de maneira impecável, brancas.—
Estava tudo quieto e abafado. Nico se levantou rápido e sua cabeça encontrou uma superfície sólida. Tateou de forma nervosa no escuro e descobriu que estava confinado em um espaço cúbico, uma grande caixa de madeira.— Endrick— clamou.Nenhuma resposta veio. Estava tonto e um gosto amargo tomava seu paladar, sentia muita sede, o odor de esgoto proveniente de algum lugar o fazia querer vomitar; só não o fez por sentir no estômago o vazio. Após instantes refletindo no ocioso silêncio, começou a esmurrar seu cubículo, mais por raiva do que na intenção de se libertar, desvendando o que teria de enfrentar por seus atos.Em segundos, abriu um espaço entre as tábuas da madeira, sua saída. Saída não foi a melhor palavra para descrever, pois se viu em uma cela, como um prisioneiro. Correu e agarrou as barras de ferro, brada
Ocorreram as conversas mais importantes desde a chegada dos novatos, que permitiram conhecer mais dos indivíduos que ali viviam. Segundo o que diziam, vinham de lugares diversos e eram esses lugares que sabiam não estar presos naquele momento, pois o transporte levara dias. Nico percebeu que foi o único a dormir durante esse processo. Eram todos trabalhadores: ferreiros, açougueiros, carregadores, construtores, todo tipo de serviço que exigia um tipo elevado de força. Exceto Tadeus.— Eu era um pensador da área da matemática— dizia ele, para o riso de alguns.— Uma noite eu dormi com a mulher do homem que eu gerenciava a fortuna e acordei a caminho desse buraco. Dois meses se passaram desde então, eles não compensaram minha leviana aventura.Vários duvidaram da capacidade dele. Victorstic deu outro depoimento após diversos prisioneiros.— Eu trabalhava em uma mina de ouro desativada em Ristivia, uma das que Wendevel levou tudo. Procurava sem descanso para melhora
O cinza pintava a manhã com dedos mornos, a claridade invadia o refeitório a partir das grandes janelas do Nono Pilar. As mesas se enchiam aos poucos de funcionários do palácio: Mestres e aprendizes, Senhores dos Livros e pesquisadores, mas não só eles; haviam também os que se entregavam a funções mais simples, desde enumerar ou separar livros, como Millena, e quem era contratado para carregar incontáveis volumes que um leitor ávido viera levar. As vozes brandas, risos quietos e o som dos talheres davam início ao desjejum. As engrenagens tornavam a girar, o mundo funcionava novamente, ela adorava apreciar esse despertar quase todas as manhãs.Serviu-se como de costume, não obstante os ovos parecerem demasiados oleosos e os nognoas passados do ponto, era uma refeição da qual poderia repetir. Sua mente aos poucos levava a imagem da figura aterrorizante para longe, sumia da luz das suas ideias, como se batesse as asas para espantar o machado em formato de morcego. Sendo um sonho,