Stella Hayes
Acordei com o sol atravessando as janelas altas do quarto. A luz dourada tocava o chão de mármore como se quisesse purificar tudo que havia acontecido na noite anterior. Levei um tempo para abrir os olhos por completo. Minha cabeça ainda latejava, mas... algo em mim estava diferente. Não me joguei da ponte. Não me perdi para sempre. Lembrei que tentei avançar o sinal com ele, mas estava grata e aliviada por ele não ter permitido. Sabia que agora estaria arrependida. Também estava feliz por ter dormido bem, em um colchão que abraçava meu corpo, em um quarto silencioso, longe dos gritos da Irina e da indiferença do mundo. Dominic. Ele tinha me salvado. Mas não podia esquecer: ele também era um homem. E todos os homens, mais cedo ou mais tarde, mostravam a verdadeira face. Mesmo ele, com sua gentileza ensaiada, seu olhar calmo, sua voz tranquila... provavelmente era só fachada. Eu sabia reconhecer um bom manipulador. Já tinha sido enganada antes. “Não vou cair de novo”, pensei, firme. “Não posso me dar esse luxo.” Levantei decidida. Precisava buscar minhas coisas. Não deixaria nem uma escova de dentes naquela casa que me lembrava o inferno, mas era o que me restava de passado. E parte de mim queria esse encerramento. Vesti uma roupa simples, jeans e uma camiseta branca. Prendi o cabelo e tentei parecer forte. A armadura não precisava ser visível, apenas eficaz. Quando estava prestes a sair para pegar um táxi, o motorista de Dominic me parou. — Bom dia, senhorita. — Bom dia. — O senhor Willians me deixou responsável por levá-la em sua casa para buscar seus pertences. — eu abri a boca para negar, mas ele não permitiu. — Ele disse para eu não aceitar um não como resposta. Desculpe, senhorita, mas ordens são ordens. Não posso deixá-la sair sozinha. — antes que eu pudesse tentar retrucar novamente, ele já estava abrindo a porta traseira do carro para mim. — Tudo bem, obrigada. — falei com gentileza e entrei no carro. Dominic não estava em casa, eu pretendia ir rapidamente, sem falar nada com ele, sem incomodá-lo e voltar o mais rápido possível. Mas os planos dele eram outros. E eu senti meu coração aquecer. Ao chegar em minha antiga casa, o cheiro familiar de café queimado me invadiu as narinas. Entrei sem cerimônia. Encontrei Irina na cozinha, sentada à mesa com um copo de suco, como uma rainha decadente no trono da própria miséria. Ao me ver, ergueu os olhos com um sorriso venenoso. — E aí? Já se jogou de vez na cama do seu futuro marido rico? — disse, com a voz carregada de sarcasmo. — Aproveita, querida. Se for pra se vender, que pelo menos traga um bom dinheiro pra casa. Fiquei parada por um segundo, respirando fundo. Queria gritar, queria atirar aquele copo de suco na cara dela, queria explodir. Mas não. Ela não merecia essa isso. Ela não merecia nada. — O acordo foi por um ano, lembra? — respondi, com a voz firme, controlada. — Um ano de casamento. Depois disso, o vídeo será deletado e o contrato encerrado. Ela riu. Uma risada debochada e ruidosa, como se zombasse da minha ingenuidade. — Claro, claro. Vamos ver se você vai querer sair mesmo... ou se não vai estar tão apaixonada, que vai implorar pra ficar com ele. Olhei bem dentro dos olhos dela. — Eu não vou me apaixonar. Não por ele. Nem por ninguém. Nunca mais. Subi as escadas sem esperar resposta. Empacotei minhas roupas, algumas lembranças antigas, e desci sem olhar para trás. Cada passo era uma libertação. Meu pai não estava em casa, mas era melhor assim. Pelo visto, ele não fazia questão de estar perto de mim, já que concordou com esse absurdo. Assim, saí de casa, coloquei minhas coisas no porta-malas, que o motorista já havia aberto, e entrei novamente no carro. Voltar para a casa de Dominic me trouxe uma estranha paz. Era tudo frio e organizado, mas pelo menos não havia olhares de julgamento, nem portas batendo, nem mentiras dançando nos cantos. Havia silêncio. E espaço. E, por ser um lugar gigante e diferente, me trouxe muita curiosidade. Passei algum tempo explorando os cômodos. Era uma mansão clássica, cheia de madeira escura e mármore polido. Mas não era impessoal. Dominic tinha deixado traços por todo lado — livros com marcações, quadros discretos com paisagens melancólicas, pequenas esculturas que denunciavam gosto refinado. Quando entrei no escritório, não sabia o que procurava. Talvez nada. Talvez apenas uma distração. Mas ao abrir uma estante, encontrei algo que me paralisou. Um porta-retratos antigo. O peguei. Na foto, Dominic, alguns anos mais novo, sorrindo ao lado de uma mulher bonita — cabelos escuros, olhar sereno — e um menino de aproximadamente cinco ou seis anos, com os mesmos olhos escuros e intensos dele. Fiquei encarando a foto como se o tempo tivesse parado. Ele era divorciado. E tinha um filho. Não havia mencionado isso. Claro que estávamos noivos a o quê? Algumas horas? Eu não poderia esperar saber toda a vida dele. Mas confesso que fiquei curiosa. Muito curiosa. Segurei o porta-retratos com mais força do que pretendia. Meus pensamentos giravam. Quem era aquela mulher? Onde ela estava agora? E o menino? Quantos anos ele teria? Ainda morava com ele? Fui tirada do transe por um barulho vindo da sala de estar. Um estalo rápido, como o som de uma porta sendo fechada. Assustada e com medo de ser pega no flagra fuçando as coisas dele, voltei o porta-retratos para o mesmo lugar que estava e me apressei em sair dali com o coração batendo forte. O sentia na garganta. — Dominic? — chamei, saindo do escritório. Passei pelo corredor cheio de quadros e desci a escada. Mas parei assim que vi quem estava ali. Brandon. Simplesmente Brandon. Meu ex-namorado, ex-futuro marido. O homem que tinha partido meu coração noite passada e me empurrado ao limite, estava ali, parado na sala, com a expressão carregada de surpresa — e algo mais. Eu só não sabia dizer o que era. — Stella...? — ele murmurou. Ficamos nos encarando por alguns segundos que pareceram eternos. Meu estômago revirava. Meu peito doía. Era como ver um fantasma que eu queria muito que desaparecesse de vez. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a porta da frente se abriu. Dominic entrou, com a chave ainda na mão. E ao ver a cena — eu e Brandon paralisados no meio da sala — parou no mesmo instante. Seus olhos se arregalaram. Sua expressão mudou completamente. Mas não foi ele quem quebrou o silêncio. Foi Brandon. — P-pai?! — gaguejou, atônito. — O que está acontecendo aqui?! Parei de respirar. Senti minhas pernas fraquejarem. As palavras ecoaram no ar, mas não consegui absorvê-las de imediato. "Pai"? Olhei para Dominic. Depois para Brandon. Depois de volta para Dominic. — Pai?! — minha voz saiu num sussurro. As peças começaram a se encaixar na minha mente de forma cruel e abrupta. A criança na foto. A aparência Os silêncios. Meu corpo gelou. Um arrepio percorreu minha espinha e, pela primeira vez em dias, eu não sabia o que sentir. Raiva? Horror? Culpa? Eu estava noiva do pai... do meu ex-namorado. E os dois... agora sabiam.Stella Hayes Naquela noite, Nolan me chamou até o quarto dele. Ele era o filho da minha madrasta, Irina. Nossa relação sempre foi distante, e eu queria recusar seu convite, mas ele disse que tinha algo para me mostrar. A forma como ele falou não me pareceu suspeita de imediato, só... estranha. Mas eu, extremamente burra e curiosa, fui. Quando entrei, ele estava encostado na cômoda, como se me esperasse há horas. O quarto estava com as luzes mais baixas, uma garrafa de bebida sobre a escrivaninha. Ele pegou um copo e serviu um pouco. — Quer? — perguntou, estendendo o copo para mim. Balancei a cabeça, tentando ser educada: — Não, obrigada. Ele revirou os olhos, impaciente. — Para de fingir que é pura! — zombou irritado e eu congelei. Sem que eu pudesse reagir, ele se abaixou, puxou alguma coisa debaixo da cama e jogou em cima dela. Meu coração quase parou. Era uma lingerie vermelha, provocante... exatamente aquela que o Brandon tinha me dado de presente no meu aniversário. Eu a
Dominic WilliansA reunião com o conselho da empresa parecia mais uma arena de combate do que uma mesa de discussão. O clima era pesado, como se cada palavra carregasse um peso de mil decisões. Eu já estava acostumado com aquilo, mas naquela manhã, algo me incomodava mais do que o normal.Os diretores estavam especialmente agitados, debatendo o cenário econômico — instável, imprevisível e volátil. Palavras que eu ouvia desde que comecei nesse ramo. Mas então, como sempre acontecia nessas reuniões, o foco desviou do mercado para a sucessão da empresa. E o nome dele surgiu.— A imagem da empresa precisa de estabilidade, Dominic. — disse Martins, um dos conselheiros mais antigos, encarando-me com aquele olhar que escondia julgamento. — E seu filho, Brandon... convenhamos, ele não transmite nenhuma confiança como sucessor.Fechei os olhos por um segundo. Já esperava por isso. Brandon era tudo, menos previsível. Mas era meu filho, e parte de mim ainda tinha esperanças de que ele mudasse. S
Stella Hayes Quando ele disse que tinha vinte e um anos, franzi a testa. Ele era dois anos mais novo do que Brandon e um ano velho do que eu… mas não parecia. O tal Dominic tinha uma presença tão marcante, tão firme, que era difícil acreditar que fosse apenas um ano mais velho do que eu. Fora a aparência em si. Não que ele fosse feio, ao contrário, era muito bonito e charmoso. Mas ainda assim, não parecia ter essa idade. A primeira coisa que reparei foi no olhar dele — calmo, profundo, como se me enxergasse além da superfície. Depois, no porte: elegante, seguro, maduro. Cada movimento seu enquanto falava — e me olhava — sorria, gesticulava, vinha acompanhado de uma serenidade quase intimidadora, como alguém que sempre sabia o que estava fazendo. Não dava pra negar: ele era bonito. Muito bonito. E diferente de qualquer homem que eu já tinha conhecido. A gente se sentou à mesa. O jantar começou meio tenso, com sorrisos forçados e aquele tipo de conversa que servia só para quebrar
Dominic WilliansEu saí do restaurante com a intenção de clarear a mente. O jantar, as negociações, o descontrole de Brandon... tudo isso girava em círculos na minha mente. Mas havia um nome que se sobressaía em meio à confusão: Stella.Ela não me saía da cabeça. O jeito calado, o olhar doce — ainda que triste. A maneira como ela observava tudo à sua volta como quem carregava o mundo nos ombros. Tinha algo nela que mexia comigo, algo que eu ainda não sabia nomear.Entrei no carro, liguei o motor e deixei que as ruas me guiassem. Não pensei no caminho. Só queria distância do que era conhecido, previsível, controlado. Talvez, no fundo, esperasse encontrar respostas no silêncio da cidade.Foi quando a vi.Stella caminhava sozinha pela calçada. Os ombros curvados, os passos arrastados, o olhar vazio. Tinha algo errado. Muito errado.Parei o carro alguns metros atrás, desliguei o motor e desci sem pensar duas vezes. Comecei a segui-la, tentando não chamar atenção. Parte de mim queria apena