Início / Lobisomem / A Lua dos Exilados / Capítulo 1 — A Marca Que Brilha na Água
A Lua dos Exilados
A Lua dos Exilados
Por: Romislaine Corrêa
Capítulo 1 — A Marca Que Brilha na Água

(POV Selene)

Meu nome é Selene Marlowe. Tenho vinte e dois anos, um metro e sessenta e sete de pura contradição e um cabelo castanho teimoso que nunca decide se é liso ou ondulado. Meus olhos são cor de mel — pelo menos é o que minha tia Ivy diz —, mas eu nunca gostei muito deles. Prefiro não me olhar no espelho quando posso evitar.

Sou aquela garota que passa despercebida em qualquer multidão. Boa nisso, aliás. Aprendi cedo que chamar atenção nunca traz nada de bom.

Moro com minha tia desde que me entendo por gente. Ela diz que meus pais morreram quando eu era pequena, mas nunca quis falar sobre eles, e eu aprendi a não perguntar. Minha vida é uma sequência de dias iguais: manhãs no café onde trabalho por um salário que mal paga as contas, noites na faculdade que eu nem sei se quero terminar, e madrugadas em que eu caminho sem rumo porque o sono não vem.

É por isso que estou aqui agora. No cais, com o vento frio cortando meu rosto e o cheiro de ferrugem misturado ao sal grudando na boca. Caminhar me ajuda a pensar — ou pelo menos a fingir que estou no controle de alguma coisa.

Mas ultimamente… o mundo tem ficado mais barulhento.

Eu ouço coisas que ninguém mais ouve. Sinto cheiros que não deveria sentir. E, às vezes, tenho a impressão de que tem alguma coisa dentro de mim querendo sair.

Hoje, o mundo não está só barulhento. Ele está errado.

O cheiro chega primeiro. Ferro. Quente. Denso. Ele me faz parar no meio da calçada, como se tivesse batido de frente com uma parede invisível. Meu coração dispara sem motivo. Aperto a chave do apartamento entre os dedos, um hábito bobo que me faz sentir segura.

Dou um passo, depois outro, seguindo aquele cheiro como se ele me chamasse pelo nome. E então eu vejo.

O corpo está encostado no muro grafitado, meio submerso numa poça que reflete a lua como um prato quebrado. Uma mulher. Jovem. Cabelos grudados no rosto, pele pálida demais. O sangue escorre em um sulco até o ralo entupido, desenhando uma linha torta no concreto.

No meio do peito, esculpido a faca, um símbolo que me faz esquecer como se respira: uma lua crescente mordendo o próprio rabo.

Eu já vi isso antes. Nos meus sonhos. Nos meus cadernos rabiscados quando era criança. Sempre o mesmo desenho, como se minhas mãos soubessem de algo que minha cabeça insiste em esquecer.

— Não encosta.

A voz vem de trás de mim. Baixa, firme.

Eu me viro devagar.

Ele está ali, parado no limiar da luz amarelada do poste. Alto, ombros largos, casaco escuro. Não vejo o rosto inteiro, só a sombra de uma mandíbula forte e um par de olhos que parecem mudar de cor a cada piscada da luz — cinza, depois verde, depois algo que eu não sei nomear.

E, mesmo de longe, ele parece perigoso.

— Eu… — Minha voz falha. — Eu só achei ela assim.

— Eu sei. — Ele dá um passo à frente, lento, como se não quisesse me assustar. — Você sempre acha primeiro.

Sempre? A palavra me arrepia. Dou um passo para trás, sentindo o concreto gelado da parede nas minhas costas.

Quero dizer que ele está confundindo, que eu nem sei quem ele é, mas o símbolo no peito da mulher continua queimando na minha mente, como se estivesse gravado na minha pele.

Ele me olha como quem analisa uma peça rara. Não com curiosidade, mas com reconhecimento.

— Quem é você? — sussurro.

— Alguém que tentou evitar exatamente isso — ele responde, a voz carregada de uma calma perigosa. — Cheguei tarde.

A sirene de uma viatura grita ao longe, crescendo rápido.

Ele desvia os olhos por um segundo, depois volta a me encarar.

— Selene — diz meu nome como se já tivesse usado ele antes. — Você precisa sair daqui comigo.

O mundo some por um instante. Ele sabe meu nome. Ele sabe quem eu sou.

— Como…? — Não consigo terminar.

Ele dá outro passo, e a luz finalmente acende o rosto dele. Bonito demais. Perigoso demais. Do tipo que parece esculpido para seduzir e destruir ao mesmo tempo.

Meu coração dispara. Não sei se de medo.

— Quem é você? — Tento manter a voz firme, mas soa como um sussurro.

— Dorian — ele diz, como se isso fosse resposta suficiente.

E, naquele instante, algo no meu pulso começa a queimar. Olho para baixo, confusa, e vejo o brilho suave da cicatriz em forma de meia-lua que sempre achei que fosse só um acidente de infância.

Mas agora… agora ela pulsa. Viva.

E, de algum jeito, eu sei: nada na minha vida vai voltar a ser normal depois dessa noite.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
capítulo anteriorpróximo capítulo
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App