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Capítulo 3 - Coisas que Guardamos

Após o jantar, a rotina de Clara na casa seguiu em ritmo de adaptação. Ela achava fácil cuidar do Dr. Pedro. Ele era um paciente colaborativo, um pouco rabugento mas cheio de histórias. Já sua esposa, era inquieta, tentava ser acolhedora, mas parecia sempre em alerta com a saúde do marido e também com os funcionários.

 

Certa tarde, enquanto organizava a biblioteca, Clara reparou em algo curioso. Havia várias fotos da família espalhadas pelas prateleiras — registros do casal ainda jovem, dos filhos pequenos, formaturas e imagens mais recentes. Mas, ao abrir um livro antigo no fundo de uma gaveta, encontrou duas fotos escondidas.

 

Na primeira, a família aparecia em um momento de descontração. Os gêmeos eram bem pequenos, talvez com uns três anos. Todos conversavam animadamente, e entre eles havia um homem que ela não conhecia. Estava ao lado do Dr. Pedro, e os dois pareciam ter idades próximas — além de serem muito parecidos.

 

Na segunda foto, o mesmo homem vestia um uniforme de policial, daqueles usados em cerimônias formais, como casamentos ou funerais. Clara deduziu que poderia ser um irmão ou algum parente próximo, mas como as fotos estavam escondidas, preferiu não tocar no assunto com a família. Guardou tudo de volta no lugar onde encontrou.

 

Ela comentou discretamente com Marisa, em tom de curiosidade:

 

— Dona Marisa… achei umas fotos antigas que estão na biblioteca… tinha uma foto de um policial, sabe se é parente do Dr. Pedro?

 

A empregada rapidamente e mudou de assunto:

 

— Hmmm… tem tanta gente que já passou por essa casa, minha filha… Vamos tomar um café?

 

O desvio não passou despercebido por Clara, que entendeu o recado: aquele assunto não seria discutido.

 

Apesar do mistério, Clara se sentia cada vez mais à vontade na casa. Era uma pessoa de riso fácil e não tinha dificuldade para fazer amizades. Logo estava entrosada com os funcionários.

 

Marisa, com seus 57 anos, era ativa e rápida — talvez até demais. Não tolerava demoras e era exigente com tudo, mas tinha bom coração. Já Igor, o motorista, era o oposto: tinha 30 anos, era calmo, tranquilo até demais, o que irritava Marisa com frequência.

 

— Esse menino me tira do sério! — resmungava ela. — Ele acha que o mundo vai esperar ele terminar o cafezinho...

 

— E você acha que o mundo vai acabar se ele atrasar dois minutos? — brincava Clara, arrancando um olhar revirado e um sorriso contido da outra.

 

Mesmo com as diferenças, os três conviviam bem. E não demorou para que ficassem encantados com Antônio, o filho de Clara. O menino era educado, discreto e nunca dava trabalho nas vezes em que precisava esperar a mãe na cozinha.

 

Com o tempo, até Dona Isadora e Dr. Pedro se afeiçoaram ao menino.

 

— Ele tem algo especial — comentou Isadora certa noite, observando Antônio brincar em silêncio com um livro de colorir. — Tão doce e… leve. Acho que essa casa estava precisando disso.

 

Clara sorriu, sempre que alguém queria ganhar sua afeição, o caminho mais curto era através de seu filho.

 

Em um determinado dia, conversando sobre aleatoriedades, Dr. Pedro falava sobre significados de nomes e interpelou Clara sobre o seu:

 

— … Então, por que seus pais escolheram Clara para você? O meu foi porque meus pais eram católicos e queriam um nome bíblico. Mas e o seu?

 

— Clara era o nome da avó do meu pai. Ela morreu no ano em que eu nasci e eles quiseram homenagear.

 

— É um nome bonito. ‘Clara Fagundes’, é sonoro. E qual o seu nome do meio?

 

— Eu não tenho nome do meio. Na verdade eu tirei. O do senhor também é muito sonoro: ‘Pedro Nogueira’…

 

— Como assim você tirou?

 

— Depois que a minha mãe morreu, meu pai foi embora e nunca mais voltou. Eu esperei ele voltar até o dia em que fiz 18 anos, depois não esperei mais. Então entrei com um pedido para excluir a paternidade dele dos meus registros. Desde então, tenho só sobrenome da minha mãe.

 

— Eu sinto muito por isso. Não sei o que leva um pai a fazer isso com uma filha…

 

— Acho que ele só esqueceu. Quem sabe?…

 

Dr. Pedro não disse, mas aquilo o magoou pessoalmente pois ser pai era algo precioso em sua vida. O fez questionar sua própria paternidade.

Os pais não devem se esquecer dos filhos.

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