Mundo ficciónIniciar sesiónCAPÍTULO 2: A SOMBRA DE JULIA
Cinco anos atrás, o vínculo entre Livia e Matheus era um rio de prata fluindo suave e forte. Eles eram jovens, e o mundo cheirava a promessa. Livia conseguia sentir a euforia de Matheus antes mesmo dele entrar em uma sala, conseguia sussurrar com a mente dele em meio à caçada, coordenando movimentos com uma perfeição que deixava a alcateia em êxtase. Num desses dias, sob uma chuva fina, eles corriam lado a lado, suas peles cinza misturando-se à névoa. A loba de Livia, ágil e esperta, levava o grupo, e a força de Matheus a seguia sem hesitar. Foi a última vez que ela se sentiu completa. A festa de comemoração foi quando tudo começou a mudar. Julia, então com quinze anos, não tinha apresentado seu lobo ainda. Enquanto todos elogiavam a sintonia do futuro Alfa e da futura Lua, Julia ficou num canto, seus olhos claros seguindo cada movimento de Matheus com uma intensidade que beirava a posse. "Ele não é para você, você sabe," Julia sussurrou, passando por Livia com uma taça de suco. "Você é muito... comum para ser a Lua de alguém como ele." Livia ignorou, atribuindo a comentário à imaturidade da irmã. Mas a semente da dúvida estava plantada. E quando, semanas depois, o lobo de Julia finalmente surgiu — um animal de pelagem dourada rara e olhos azuis hipnotizantes — a atenção de todos se voltou para a irmã mais nova. A "Lua Dourada", como começaram a chamá-la. Matheus foi um dos primeiros a cair sob o feitiço. "É uma cor tão incomum," ele comentou, observando Julia treinar no pátio. "Sinal de algo especial." Livia sentiu o primeiro enfraquecimento, como se alguém tivesse dado um puxão fraco no vínculo. Ela o ignorou. Era ciúme, ela pensou. Apenas ciúme tolo. --- O PRIMEIRO CORTE O primeiro corte profundo veio no Conselho de Verão. Um grupo de viajantes pediu permissão para caçar nas terras baixas da alcateia. Livia, sentindo uma desonestidade sutil em seus cheiros, aconselhou cautela. "Eles cheiram a ganância, Matheus. Devemos estabelecer limites muito claros." Julia, no entanto, tinha uma visão diferente. "São apenas humanos necessitados. Negar-lhes a caça seria um ato de arrogância. Mostrar compaixão fortalecerá nossa reputação." Matheus olhou para Julia, depois para Livia. A hesitação dele foi uma faca. "Julia tem um coração generoso," ele disse por fim. "Vamos permitir. Com supervisão." Os viajantes, como Livia previra, não se contentaram com as terras baixas. Caçaram um veado sagrado nas colinas centrais, um desrespeito profundo. Quando confrontados, fugiram, mas o dano estava feito. Matheus nunca admitiu seu erro. Em vez disso, sua frustração se voltou para Livia. "Sua desconfiança constante nos torna rígidos, Livia. Precisamos de mais da luz que Julia oferece." Naquela noite, a dor foi tão aguda que ela vomitou. Sua loba, no plano espiritual, uivou de solidão. --- A FARSA DA IRMÃ PERFEITA A manipulação de Julia era uma obra-prima de sutilezas. Ela "acidentalmente" derramava água no diário de Livia, borrando as anotações. Ela se oferecia para entregar mensagens de Livia para Matheus, mas "esquecia" ou alterava os recados sutilmente, fazendo Livia parecer desinteressada ou confusa. Numa manhã, Livia passou horas colhendo ervas raras para um unguento medicinal. Julia, vendo a cesta cheia, elogiou o trabalho. "Que maravilha, irmã! Deixe-me levar isso para a curandeira para você. Você parece cansada." Livia, ingênua, aceitou. Julia foi, sim, mas não antes de misturar um punhado de ervas comuns às raras, diluindo drasticamente a potência do unguento. Quando o remédio falhou em aliviar a dor de um filhote doente, foram os olhos de Julia que se encheram de lágrimas convenientes. "Eu só queria ajudar... deve ter sido um erro de Livia ao colher. Ela não tem muito jeito para isso, coitada." A alcateia murmurou. Matheus colocou uma mão reconfortante no ombro de Julia. "Você fez o que pôde. A intenção é que importa." Livia, vendo a cena de longe, sentiu as lágrimas queimarem seus olhos. Ela não chorou. Engoliu o choro como engolia tudo: em silêncio.






