Razões Para Permanecer

Razões Para Permanecer

O sol ainda não tinha rompido o horizonte quando Helena acordou com um leve sussurro vindo do quarto ao lado. 

Era Gabriel, falando baixinho com seus brinquedos, talvez encenando uma batalha entre soldados e monstros, como sempre fazia. 

Ela se levantou silenciosamente, calçou as botas e caminhou até ele. 

Pela fresta da porta, viu o menino ajoelhado no tapete, os cabelos castanhos despenteados, o pijama amassado.

— General Gabriel em missão especial? Ela disse com um sorriso leve.

Gabriel virou-se, o rosto iluminado por um brilho que nenhuma guerra jamais conseguiria apagar.

— Só estou impedindo que o monstro entre na base.

— Está fazendo um excelente trabalho.

Ele se levantou correndo e a abraçou pela cintura.

— Você vai sair de novo hoje?

Helena hesitou. 

As missões exigiam presença constante, mas Gabriel era sua ancora. 

Seu motivo. 

Sua razão para lutar. Ela se abaixou para ficar de frente com ele.

— Vou sim. Mas você está seguro aqui. 

—E volto antes da história para dormir, como prometi.

Gabriel assentiu, embora o medo em seus olhos fosse claro. 

Ele já aprendera, mesmo pequeno, que a mãe lidava com perigos que ele ainda não podia entender. 

Mas também aprendera a confiar.

Helena tomou banho, vestiu o uniforme tático e revisou os dispositivos de monitoramento. 

O sol surgia devagar, tingindo o céu de tons alaranjados. 

Na casa principal, Leonardo já estava acordado, como sempre. 

Tomava café lendo relatórios de mercado, com uma concentração tensa que fazia parecer que estava prestes a vencer uma guerra financeira.

— Bom dia, sombra. Ele disse, sem levantar os olhos.

— Bom dia, alvo.

Leonardo riu de leve, sem desviar os olhos do tablet.

— E então, vai ficar me seguindo o dia inteiro hoje também?

— Até você aprender a não abrir a porta de casa sem verificar as câmeras, sim.

— Você é tão carismática. Já pensou em virar influencer?

— Se eu for, você vai ser o primeiro unfollow.

Leonardo ergueu os olhos, encontrou os dela, e algo no ar mudou. 

Por um segundo, não havia provocações. 

Apenas uma observação mùtua. 

Helena via um homem cansado, escondido por camadas de sarcasmo. 

Leonardo via uma mulher feita de ferro e fogo, que se recusava a desmoronar.

— Não dormiu bem? Ele arriscou.

Helena desviou o olhar. Não era da conta dele.

— Tenho um filho pequeno. 

—Dormir bem não faz parte do pacote.

— Gabriel.

Ela o encarou, alerta.

— Você sabe o nome dele.

— Claro. É parte do meu trabalho saber com quem estou convivendo.

— Você pesquisou sobre mim?

— Não. Pedi para minha equipe fazer.

—Mas confesso que li tudo.  Leonardo apoiou os cotovelos na mesa, os olhos fixos nos dela. 

— Você é impressionante, Helena. Não só pela ficha militar. 

Pela forma como reconstruiu a vida. 

Pelo garoto que criou.

Ela se levantou, desconfortável. Aquilo não fazia parte da missão.

— Se quiser fazer entrevista, fale com a imprensa. 

Eu estou aqui para manter você vivo.

Leonardo assentiu, o sorriso sumindo.

— E você? Quem está te mantendo viva?

A pergunta bateu como um murro surdo. 

Helena fechou a porta atrás de si e foi para a sala de monitoramento. 

As mãos tremiam levemente, mas ela forçou a firmeza.

 O trabalho exigia foco. Emoções eram para depois, se depois houvesse.

O dia foi longo. Reuniões com investidores, visitas ao novo centro de dados da empresa, jantares com parceiros estrangeiros. 

Leonardo era um imã de atenção, mas também um alvo ambulante. 

Helena o acompanhava de perto, avaliando cada sombra, cada rosto estranho. 

Seu olhar nunca parava.

Em um dos corredores da empresa, um entregador se aproximou rápido demais. 

Em segundos, Helena estava na frente de Leonardo, a arma invisível em punho, o corpo tenso como uma máquina de guerra.

— Calma! É só um pedido de sushi! O homem disse, assustado.

Leonardo observou a cena em silêncio. 

Quando o entregador se afastou, ele falou baixo:

— Quantas vezes por dia você vive assim?

— Todas.

— E nunca abaixa a guarda?

— Nunca! Ela disse, os olhos ainda em movimento.

Naquela noite, Helena voltou para casa exausta. 

Gabriel dormia com um dos desenhos na mão. 

Um soldado sorridente protegendo uma mulher com cabelos presos e um menino de capa azul. 

Ela sentou na beira da cama dele e passou os dedos pelos fios castanhos.

— É por você que eu fico em pé, pequeno.

Ela não sabia como aquela missão terminaria.

 Mas sabia porque começara. 

E, por agora, isso era o suficiente para continuar.

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