Mundo ficciónIniciar sesiónInstinto de Caça
O helicóptero aterrissava no heliponto da Bianchi Group quando Helena sentiu algo estranho. Seus olhos varreram os arredores antes mesmo de o piloto tocar o solo. O vento das hélices levantava seu rabo de cavalo firme, e a mão repousava próxima à lateral do coldre oculto sob o blazer escuro. Leonardo desligou o fone de ouvido e esticou os braços, ainda sorrindo da provocação que fizera mais cedo, chamando-a de: “a sombra que pensa antes de mim”. Helena manteve-se em silêncio. Algo não estava certo! O som metálico abafado veio antes do estampido. Um estalo seco, sutil. Pequeno demais para ser notado por civis. Alto o suficiente para ativar todos os seus sentidos. — Abaixa. Helena gritou, empurrando Leonardo com o antebraço no peito e rolando com ele para o piso do helicóptero. Um segundo depois, o vidro da lateral estilhaçou com um impacto violento. Um tiro certeiro. Se ele estivesse em pé, teria atravessado sua cabeça. — Atirador. Setor norte. Três andares acima. Ela grunhiu ao microfone interno, já se erguendo num pulo, o olhar fixo no prédio vizinho. Leonardo respirava com dificuldade, entre o choque e o susto. Seu rosto estava pálido, e os olhos arregalados percorriam os fragmentos de vidro, a fumaça tênue que saía da carcaça do helicóptero. Helena estendeu a mão. — Anda, Bianchi. Agora não é hora de pânico. —É hora de sobreviver. Ele pegou a mão dela. O toque foi firme, quente, mais humano do que ele esperava. — Está me dizendo que tentaram me matar? Ele murmurou. — Ainda estão tentando. Foco. Movimento. Dois seguranças tentaram se aproximar pela lateral da aeronave, mas Helena ergueu o punho em sinal de parada. — Recua! Pode haver mais atiradores! —Quero varredura nos dois prédios adjacentes! Gritou no rádio. — E alguém me arranja uma maleta preta. Ela está no meu porta-malas. Agora! Leonardo corria ao lado dela, agachado, sem saber para onde exatamente ir. Estava acostumado a controle. A previsibilidade. Lucros e números. Nada em seu mundo se comparava à frieza do olhar daquela mulher, tão precisa quanto a bala que quase o atingiu. No andar inferior, ela o empurrou contra uma parede protegida. — Você tá bem? Ela perguntou, mesmo ofegante. — Acho que sim. Nunca pensei que minha primeira tentativa de assassinato aconteceria com uma mulher dessas me protegendo. — Você tem uma boca irritante, sabia? — Você me salvou. A voz dele saiu mais baixa, quase em reverência. — Claro que salvei! É o meu trabalho. Mas dentro dela, o sangue fervia. A adrenalina pulsava em cada músculo. Havia sentido isso muitas vezes, em campo, protegendo soldados e evacuando civis. Mas agora era diferente. Estava de volta ao Brasil, numa cidade onde o perigo era mais sutil e ainda assim real. Um dos seguranças da Athena correu com a maleta preta. Helena a abriu rapidamente e puxou uma carabina leve com mira óptica e um pequeno kit de rastreamento térmico. — Fica aqui. Não sai por nada. Disse a Leonardo, enquanto subia três degraus e apontava o rifle pela fresta da porta. O prédio vizinho surgiu nítido na lente térmica. Um vulto se movia no telhado. — Tem alguém lá. —Distância: 93 metros. Movimento lateral. —Pode estar buscando outro ângulo. Ela respirou fundo. Um disparo. O vulto caiu. — Alvo neutralizado. Equipe, confirmem. Disse no rádio. — Confirmação visual em dois minutos. — Ótimo. Vou descer com o cliente. —Preparem perímetro e evacuação. Ao voltar, Leonardo a olhava como se tivesse visto uma miragem. Ele, acostumado a executivos bajuladores, a investidores manipuladores, via ali uma mulher que literalmente se jogara sobre ele para salvá-lo. E atirara com a frieza de quem sabia que não podia errar. — Você é um tanque. Ele disse. — Sou uma soldado. Uma mãe. —E a sua sombra até segunda ordem. Ela hesitou. Um lapso de humanidade atravessou seu rosto impenetrável. — Nunca imaginei que teria uma leoa me protegendo... com um filhote em casa. Helena fechou a maleta e endireitou os ombros. — É isso que me faz mais perigosa, Bianchi. —Tenho alguém esperando por mim. —Sempre! Mais tarde, no andar restrito da empresa, enquanto técnicos analisavam os vídeos da tentativa de atentado, Leonardo não conseguia se concentrar. A imagem de Helena se projetando sobre ele, o som do vidro quebrando, a firmeza no olhar, tudo girava em sua mente. — Descobriram quem foi? Perguntou ao chefe de segurança. — Ainda não. Mas temos uma pista. —O atirador era um profissional. —Ex-militar. Pode ter sido contratado por concorrência desleal. —Estamos investigando. Leonardo assentiu, mas sua mente já estava em outro lugar. No corredor, Helena falava ao telefone com voz baixa. — Sim, meu amor. A mamãe vai chegar um pouco mais tarde hoje. —Sim, o coelho azul vai te esperar. —Lava as mãos, hein? Amo você! Ele a observou de longe. E viu uma fenda se abrir na armadura dela. Não era apenas uma profissional de elite. Era uma mãe! Uma mulher que amava profundamente. E que, apesar da dureza, carregava ternura nos gestos. — Seu filho tem sorte. Ele disse quando ela desligou. — Não é sorte. —É uma escolha. Escolhi lutar por ele. Todos os dias. —Como escolho te manter vivo, mesmo que às vezes isso me irrite. Leonardo sorriu, tocado de um jeito que não sabia explicar. — Helena. Eu nunca confiei em ninguém como estou confiando em você agora. — Não me idealize, Bianchi! —Eu sou real demais para suas fantasias. — Talvez seja exatamente isso que me atrai. Ela o olhou, séria. Mas havia algo diferente naquele olhar. Um lampejo de emoção. Um conflito silencioso. Porque a Leoa estava acostumada a morder. Mas não a se deixar acariciar. E o magnata começava a descobrir que por trás da frieza havia um calor feroz. Uma chama que poderia incendiá-lo se ele ousasse se aproximar mais.






