A noite já se arrastava para o fim quando Isadora, radiante, se levantou da mesa, ajeitou o cabelo com uma elegância despreocupada e caminhou até o pequeno palco montado no salão. Um murmúrio de expectativa percorreu os convidados, e Úrsula, agora sozinha à mesa com Luiz, cruzou as pernas com tranquilidade, o observando.
Ela inclinou-se um pouco na direção de Luiz, sua voz baixa, rouca, carregada de ironia: — O garotinho pobre com a esposa rica… — ela deixou a frase no ar, saboreando a provocação, observando o modo como ele tentava manter a compostura, mas os dedos batiam no tampo da mesa, impacientes. — É algo novo pra mim, sabia? Me surpreende você ainda ter coragem de ser infiel. O que você tem sem ela, Luiz? Ele fechou os olhos por um segundo, os dentes cerrados, como se as palavras dela fossem um soco na boca do estômago. Quando abriu os olhos, havia raiva ali, misturada com uma pontada de algo mais: medo, talvez? Úrsula deu um sorriso quase inocente, um brilho de escárnio no olhar, e terminou seu vinho em um gole demorado, os lábios manchando a borda da taça de vermelho. No palco, Isadora brilhava. A mulher que nunca tinha tido irmãos agora parecia flutuar em um mar de felicidade, a voz firme, emocionada: — Eu só queria agradecer a todos por estarem aqui hoje, para celebrar esse momento tão especial… Eu cresci acreditando que era filha única, mas o destino me deu a dádiva de uma irmã, de sangue, de verdade! E eu quero que todos saibam que a Úrsula agora faz parte oficialmente da nossa família… Úrsula sentiu os olhares se voltando para si, mas ela não se mexeu. Não sorriu, não acenou. Apenas observou, sabendo que todos os olhares eram para ela, mas sem necessidade de aprovação. Então Isadora sorriu ainda mais, e disparou, cheia de orgulho: — Úrsula agora é minha sócia… dona de cinquenta por cento de tudo o que construímos. O salão engoliu um suspiro coletivo. Mas foi Luiz quem não conseguiu disfarçar: a frustração escureceu seu rosto como uma nuvem pesada. Seus olhos, arregalados, foram até Úrsula, que sustentou o olhar dele com um sorriso de canto, apesar de também estar em choque. Luiz se levantou abruptamente da mesa, o guardanapo caindo no chão, as mãos fechadas em punhos. Saiu sem dizer nada, os passos pesados ecoando pelo salão, como se fugisse de algo que não sabia lidar. Úrsula não desviou o olhar até ele desaparecer. Assim que os aplausos para Isadora começaram a cessar, ela se levantou da cadeira com uma elegância estudada, o vestido preto como uma lâmina de seda cortando o salão. Seu salto ecoou firme enquanto atravessava o espaço até o palco, sentindo os olhares grudados em cada movimento seu. Subiu os degraus, cabeça erguida, um sorriso treinado nos lábios — o tipo de sorriso que brilhava, mas não aquecia. Ao lado de Isadora, pegou o microfone com um gesto suave, a ponta dos dedos quase tocando os dela. — Eu… — Úrsula começou, a voz carregada de doçura falsa, mas perfeitamente encenada — quero agradecer à Isadora. Não é sempre que a vida nos dá uma chance de recomeçar, de ter uma família… — Ela fez uma pausa dramática, olhou para Isadora, com os olhos úmidos — Você não me conhecia, mas me recebeu de braços abertos. Eu prometo honrar essa confiança. O salão suspirou, impressionado, e Úrsula soube que havia vencido ali também. Era boa em fingir, sempre fora, e agora era aplaudida por isso. Mas muitos, naquela noite, saíram com um gosto amargo na boca. Rostos incrédulos, sussurros abafados, olhos de desconfiança voltados para Isadora. Como ela podia dar metade do império Valli a uma estranha? Luiz sequer esperou que chegassem em casa para manifestar sua revolta. No carro, antes mesmo de ligar o motor, já explodiu: — Você enlouqueceu, Isadora?! — a voz dele soou mais alta do que pretendia, as palavras cuspidas como se queimassem sua língua. — A gente está junto há anos, a vida inteira! Casamos com partilha de bens, Isadora, partilha! Você simplesmente entrega metade de tudo o que conquistamos pra uma mulher que você mal conhece?! Isadora, ainda com o vestido elegante e um sorriso cansado nos lábios, respirou fundo, mantendo a compostura. — Não conquistamos nada, minha família conquistou! Quando você chegou, tudo isso aqui já estava erguido! E não é "uma mulher", Luiz. É minha irmã. — Irmã? — Luiz riu, um som amargo e nervoso. — Você a conheceu há dois dias! Ela é uma estranha, Isadora. Não importa se saiu de dentro da barriga da sua mãe, ela é uma estranha! Isadora virou-se para ele, o olhar endurecendo, o cansaço dando lugar à firmeza. — Sabe o que eu acho, Luiz? — a voz dela saiu baixa, mas cortante. — Você está tão incomodado porque o problema não é ela ser minha irmã. O problema é que, agora, você não vai ter direito à tudo que antes era só meu, não é? — Ela o encarou com olhos de quem sabia exatamente o que dizia. — Você é um interesseiro, Luiz! Ele abriu a boca para rebater, mas Isadora ergueu a mão, cortando a discussão ali, como quem diz chega. O silêncio entre eles era desconfortável enquanto o carro finalmente seguia pelas ruas escuras da cidade. Isadora não disse mais nada, mas seu olhar fixo pela janela deixava claro que não havia espaço para arrependimentos. O carro deslizava pela avenida, mas dentro dele o ar era cortante, denso como chumbo. Luiz segurava o volante como se fosse seu único alicerce, o maxilar travado, os dentes rangendo. Os faróis iluminavam a noite enquanto ele se perdia em pensamentos sombrios, raiva e frustração latejando em sua têmpora. Isadora, ao lado, mantinha o rosto virado para a janela, os olhos distantes. A expressão de serenidade que vestira no jantar agora era uma máscara rachada; por baixo, havia cansaço, tristeza e uma pitada de desilusão. As palavras de Luiz martelavam em sua mente, mas ela não deixaria que ele a desmontasse. Eles estavam brigados de novo. De novo. O ciclo que ela conhecia tão bem — a paixão, a rotina, a raiva, as acusações. Mas dessa vez, algo dentro dela tinha mudado. Ela não se sentia sozinha. Úrsula estava ali, uma irmã de verdade. Alguém dela. Luiz não conseguia mais diminuir isso. Enquanto isso, do outro lado da cidade, Úrsula observava seu próprio reflexo na janela do apartamento alugado, o vidro refletindo sua imagem com um brilho cruel. O batom vermelho ainda intacto, o cabelo impecável mesmo após a longa noite, ela parecia a personificação de vitória. Um sorriso torto, quase felino, curvou seus lábios. — Nada mal para uma "ninguém", murmurou para si mesma, o peito aquecido com a adrenalina de saber que agora tinha poder. E o poder tinha nome: Império Valli. Os trâmites não demoraram. Os advogados de Isadora, velhos senhores de ternos caros e olhares julgadores, redigiram os documentos. Úrsula assinou com um floreio, cada letra do seu nome como uma punhalada contra as expectativas de todos que a olhavam atravessado. Isadora também assinou, sem hesitação. A tinta no papel parecia selar não apenas uma nova era, mas também o fim de um mundo antigo. Quando os papéis foram registrados, era oficial: cinquenta por cento do patrimônio, dos imóveis, das empresas, das ações, tudo; metade do império Valli agora pertencia a Úrsula Costa. Uma mulher sem pedigree, sem sobrenome pomposo, sem "história"; aos olhos daquela elite, uma ninguém. Mas agora, uma ninguém com poder. E aquilo era insuportável para muitos.