5 O Jantar da Discóridia

No dia seguinte, o mundo de Isadora girava em outro ritmo: acelerado, vibrante. A ideia de ter uma irmã para compartilhar sua vida, sua família e até sua fortuna a deixou elétrica. Passou a manhã toda no telefone, falando com organizadores, floristas, a equipe de catering.

Isadora queria que a noite fosse impecável. Reservou o salão de festas de um de seus negócios, o hotel Alvorada. Escolheu uma decoração clássica, mas sofisticada: tons de creme e dourado, arranjos de orquídeas e rosas brancas, e mesas longas de madeira escura. Um quarteto de cordas foi contratado para tocar música ambiente, e o menu seria refinado, com entradas delicadas, pratos principais dignos de um restaurante estrelado, sobremesas elegantes.

Mandou convites virtuais para o seu círculo social: empresários, amigas de longa data, vizinhos influentes. E, claro, para Úrsula.

Quando o convite chegou, Úrsula ainda estava deitada, os lençóis bagunçados ao redor dela, o corpo aquecido e relaxado. Murilo estava ao seu lado, o peito ofegante, enquanto ela pegava o celular e desbloqueava a tela.

O convite piscou como um aviso inesperado:

“É com grande alegria que convido você para o jantar de apresentação de minha irmã, Úrsula Costa, amanhã às 20h no Salão Alvorada. Um evento especial para marcar esse novo capítulo em nossas vidas.”

Úrsula arregalou os olhos, leu o texto duas vezes, então soltou um resmungo.

— Quando foi que ela recebeu meu número de telefone? — mostrou a mensagem para Murilo, ainda meio zonza da manhã. — E como me convida para um evento onde sou a homenageada, sem sequer me consultar antes? Garota atrevida!

Murilo sorriu de lado, preguiçoso, enquanto afastava os lençóis para se descobrir.

— Foi você quem deu meu número? — ela perguntou, arqueando uma sobrancelha.

— Não, meu chefe. — ele se sentou na beira da cama, procurando a calça no chão. — Só sigo ordens.

— E quem ordenou que dormisse aqui ontem? — Úrsula provocou, um sorriso malicioso surgindo nos lábios.

Murilo apenas riu, balançando a cabeça, antes de se levantar para terminar de se vestir.

Ela o seguiu com o olhar, e, por um instante, algo suave a atravessou, quase como uma pontada de afeto. Mas logo ela sacudiu a cabeça, suspirou e voltou a olhar para o convite, resmungando:

— Homenageada… Sei.

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Úrsula chegou pontualmente ao salão do hotel Alvorada, um espaço imponente, moderno, com detalhes clássicos em mármore e lustres cintilantes. Mal pisou no tapete vermelho que forrava a entrada e logo soube: aquele hotel pertencia à família Valli. Era um império, de fato.

Ela estava impecável. Usava um vestido preto de seda, justo ao corpo, que marcava sua cintura fina e os quadris generosos, com um decote discreto, mas insinuante, e uma fenda lateral que mostrava as pernas longas em cada passo. Os cabelos estavam presos em um coque sofisticado, deixando o pescoço à mostra, e os brincos de pedras negras balançavam a cada movimento. Nos lábios, como sempre, o vermelho intenso, a sua marca registrada.

Quando entrou, o som do quarteto de cordas embalava o ambiente. Úrsula manteve o queixo erguido, os olhos atentos, observando tudo: o brilho discreto das taças, o perfume de flores frescas, os olhares que se voltavam para ela. Era como se o mundo se dobrasse ao seu redor, e ela sabia aproveitar isso.

Isadora veio ao seu encontro, sorridente, radiante, como se fossem melhores amigas de infância.

— Ah, você está maravilhosa! — disse, agarrando suas mãos como se fossem íntimas. — Venha, venha! Quero apresentar você para todo mundo.

Úrsula deixou-se guiar, sentindo os olhos sobre ela, os cochichos, os elogios sussurrados. Isadora fazia questão de anunciá-la a todos, o braço entrelaçado ao dela, como se fossem duas debutantes em um baile.

— Esta é minha irmã, Úrsula Costa, minha família! — repetia, orgulhosa, como se Úrsula fosse um troféu, uma joia rara recém-descoberta.

Úrsula sorria de leve, acenava com a cabeça, mas o incômodo crescia a cada passo. Aquela mulher mal a conhecia.

— Ah, agora vamos encontrar o Luiz! — disse Isadora, puxando-a mais uma vez pelo salão. — Ele está sempre se escondendo…

Úrsula a seguiu até o bar, e então, o tempo pareceu parar.

Lá estava ele, de costas, encostado no balcão, a mão segurando um copo de uísque. Quando ele se virou ao ouvir a voz de Isadora, os olhos dele encontraram os de Úrsula.

Lá estava ele: alto, corpo largo sob o terno bem cortado, pele morena de tom quente, barba rente e bem-feita, o cabelo castanho escuro alinhado com cuidado. E, no dedo anelar, reluzente, a aliança.

Era ele.

O homem que certa vez lhe deixou uma gorjeta como se fosse uma prostituta.

O calor subiu pelo corpo de Úrsula como fogo líquido, o sangue fervendo, o coração martelando no peito. Sua expressão endureceu, os lábios se apertaram, mas ela manteve o controle. Não era o momento de causar uma cena.

Isadora não percebeu a tensão, apenas sorriu:

— Amor, essa é a Úrsula, minha irmã!

Luiz ficou pálido por um segundo, os olhos arregalados, depois vestiu a máscara de sempre: o sorriso treinado, o aperto de mão firme.

— Prazer… — murmurou, a voz rouca traindo o nervosismo.

Úrsula sustentou o olhar dele, fria como gelo, o sorriso de canto carregado de veneno.

— O prazer é meu… cunhado.

Ela disse a palavra como se fosse uma ironia afiada, e então se virou para Isadora com um sorriso suave, como se nada tivesse acontecido.

Úrsula manteve o sorriso impecável durante todo o jantar, os lábios vermelhos curvados em um charme controlado, os olhos semicerrados, como se estivesse realmente interessada em cada palavra que os outros diziam. À sua esquerda, Isadora parecia uma criança feliz, rindo, puxando conversa, mostrando-a como uma joia recém-descoberta. À sua direita, Luiz, com o rosto rígido, sustentava um sorriso tenso, mas os olhos… Ah, os olhos entregavam tudo.

Úrsula notava o jeito como ele desviava o olhar, o leve desconforto, o modo como segurava o garfo com força demais. E ela se divertia com aquilo, deslizando os pés sob a mesa até tocar os dele de propósito. Ele se afastava bruscamente, como se tivesse levado um choque, mas ela sempre voltava a insistir, como um lembrete sutil: eu sei quem você é.

— E quando foi que vocês se conheceram? — Úrsula perguntou, a voz doce, as sobrancelhas arqueadas em interesse, enquanto se recostava na cadeira, os dedos brincando com a taça de vinho.

Isadora sorriu, quase suspirando, as bochechas coradas de nostalgia.

— No shopping! — contou, animada. — Eu estava escolhendo um vestido para a festa de formatura do ensino médio, e ele estava lá, entregando currículos…

Úrsula olhou para Luiz, os lábios se curvando, a curiosidade mal disfarçada.

— Currículos?

— Jovem aprendiz — disse Isadora, rindo. — Ele disse que tinha quase dezoito anos… Achei bonito, interessante. Convidei para ver um filme no mesmo dia, e ele aceitou.

— E ele tinha quase dezoito? — Úrsula perguntou, inclinando-se levemente, como quem aprecia um bom escândalo. Tinha quase certeza de que ela e Isadora eram mais velhas que Luiz.

Isadora mordeu o lábio inferior, como se fosse uma confissão:

— Não… No nosso quarto encontro, descobri que ele tinha, na verdade, treze anos. Faria 14 dali um mês, estava entregando currículos antecipadamente para entrar logo como menor aprendiz em alguma empresa pois queria comprar um videogame. Eu fiquei em choque, claro! Mas já estava encantada, não dava mais pra voltar atrás…

Luiz pigarreou, desconfortável, ajustando a gravata, mas Úrsula não se conteve:

— Então você era um garotinho e ela… uma mulher feita? — sua voz era suave, mas o veneno estava ali, deslizando como mel.

— Eu já era homem suficiente… — Luiz respondeu, um brilho desafiador nos olhos, mas a tensão era evidente.

Úrsula sorriu, como quem saboreia uma taça de vinho raro.

— Imagino que sim.

O silêncio caiu por um breve momento, e Isadora, sem perceber o clima, acrescentou:

— Nos casamos assim que ele concluiu a faculdade de contabilidade na federal… Sempre foi muito inteligente.

— E não quis ter o sobrenome de seu marido, irmã? — Úrsula perguntou, se recordando que Valli era o nome do pai de Isadora.

— Não, Luiz é que ficou com o meu. É um belo sobrenome, combina comigo e também combinou com ele.

Úrsula pousou o garfo com delicadeza, inclinou-se para a frente, apoiando o queixo na mão, os olhos fixos em Luiz:

— E você abriu mão do seu sobrenome, Luiz? Para ter o dela? Sua família não se importou?

Ele travou o maxilar, mas respondeu com um sorriso cínico:

— Qualquer sobrenome é mais bonito que Silva, não concorda?

Úrsula inclinou a cabeça, avaliando-o, os pés deslizando novamente até roçarem a perna dele, provocativa.

Ela não tinha o menor interesse nele. Nenhum. Não queria aquele homem para si. Mas a maneira como ele tentava manter a compostura enquanto ela cutucava a memória incômoda oscilando entre eles era um jogo delicioso demais para resistir.

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