Cordilheira Sredinny, Rússia.
Território Markab, ocupado pela única matilha, entre todos os licantropos do mundo, formada unicamente por lycans idosos, com exceção de seu Alfa. Há mais de trezentos anos não se tem o nascimento de uma nova geração. E tudo isso por culpa de um único macho: Dante.
O lycan que, nesse exato momento, permanece sentado em sua cadeira, na cabeceira da grande mesa retangular de reunião do salão de sua casa. Enquanto alguns dos mais velhos o encaram como se ele fosse uma falha genética que se recusa a seguir o instinto básico de sobrevivência dos licantropos –acasalar, gerar proles fortes–, agindo pior do que um fêmea de luto por um companheiro que morreu apenas alguns dias atrás.
Para eles, Alfa Dante sobreviveu à perda de sua destinada, mas se recusa a continuar, os condenando para sempre a desaparecem enquanto todas as outras se perpetuam com as novas gerações.
Ultrajante.
— Entre todos os sete Alfas, você é o único sem herdeiros! — Acusa mais uma vez o primeiro beta, Galak, indignado.
— Já se passaram trezentos anos, Alfa... — uma das Lunaes lamenta, seus olhos marejados. — Cada inverno leva mais um de nós, já não temos mais do que um punhados de velhos na matilha... desse jeito iremos...
A fêmea se cala, vencida pela dor. Ela lança um olhar dolorido para os lobos idosos ao redor da mesa, antes tão jovens e numerosos, agora quase em extinção, curvados pela idade e pela dor na coluna.
A sala mergulha em silêncio. Não o tipo de silêncio respeitoso, mas o tipo que pesa nos ombros como uma condenação.
Visitaria a alcateia com menos frequência — Dante decide, seus tímpanos doendo com as reclamações que vem escutando desde o momento que havia pisado em seu território, na noite anterior, com as exigências e acusações cada vez mais diretas e desrespeitosas dos seus subordinados.
— Enviaremos convites para as fêmeas solteiras das outras matilhas! — O segundo beta da matilha, Galen, sugere. — Nosso Alfa é bonito, ainda é considerado um bom partido, elas duelarão para conseguir ser escolhida, será um honra ser a nossa Velut Luna!
Dante ergue o queixo, mas não responde. Seus olhos –negros, imponentes– estão firmes, mas não focados em nenhum membro ao seu redor, como se a presença deles fosse irrelevante. E o simples ato de se manter o silêncio diante a proposta do segundo beta faz os outros rosnarem em reprovação.
— Para quê duelo quando já temos uma candidata? — O primeiro beta, quebra o silêncio. — No momento que o Alfa autorizar, e se emparelhar com a filha do Alfa Nicolas, poderemos unir nossas matilhas e ficar numerosos novamente.
Dante começa a dedilhar o braço de sua cabeira, seus olhos fixos em nenhum ponto específico. Cansado da mesma conversa. Do lado de fora, o vento noturno uiva entre as montanhas congeladas da cordilheira, cobrindo o território com uma nevasca constante. As tocas feitas de pedras escuras e madeiras de pinheiro, resistem firmes em meio ao deserto branco. Ali, onde os ventos nunca cessam e o silêncio pesa como gelo sobre os ombros, sua alcateia resiste há séculos
Mas, por quanto tempo ainda?
— Alfa, sua matilha está morrendo...
Dante rosna.
— Vocês estão com fome? — Dante indaga, seu olhar recaindo sobre a Lunae que se encolhe em sua cadeira e por debaixo da mesa aperta a mão de seu companheiro. — Falta peles sobre as camas em suas tocas? Roupas para suas formas humanas?
— Não estamos falando di...
— Desde que assumi essa alcateia, nunca deixei que faltasse nada a nenhum de vocês! — Dante rosna, fazendo-os se encolherem. — Dei a cada um abrigo digno, alimento farto, conforto...
— Mas falta vida! — Explode uma das fêmeas com os cabelos completamente brancos, com lágrimas escorrendo pelos sulcos de seu rosto enrugado.
Ela está cansada, farta. A voz dela treme de dor. A dor de um ventre que nunca gerou, e que por conta da idade avançada, nunca gerará. Pois, quando uma matilha fica muito tempo sem uma Velut Luna –companheira do Alfa–, o ventre das Lunaes fica férteis, e com isso, seus companheiros duelam entre si e o mais forte duela contra o Alfa. Se sair como vitorioso, o campeão e sua companheira passam pelo ritual de morte-renascimento, se sobreviverem ao ritual, se tornam o novo Alfa e Velut Luna da alcateia podendo agora gerarem as novas gerações e dando fim ao cio das demais Lunaes.
Mas para as Lunaes dessa matilha, esse caminho é impossível. Ninguém ali tem mais idade para seguir, só os restam pressionarem o alfa e rezarem a deusa da lua para que o líder tome consciência e faça o que é certo.
— Sem filhotes, estamos definhando — prossegue outra. — Não é a fome ou o frio que está nos matando, Alfa. É o esquecimento, não temos ninguém a quem repassar nossos conhecimentos.
— É sua obrigação gerar descendentes! — O primeiro beta volta pronunciar. — Outras alcateias estão cheias de filhotes! E nós? Estamos desaparecendo!
O olhar de Dante fica ainda mais duros, as palavras o acertando como socos. A imagens de trezentos anos atras volta me sua mente.
Seus filhotes.
Sua primeira ninhada.
Ele falhou.
Não os protegeu, nem aos seus filhotes, nem a sua companheira...
— Você passa mais tempo no mundo humano do que aqui! — Acusa um ômega, a voz amargurada, arrancando-o de suas lembranças dolorosas. — Foge de nós e quando volta fica ainda menos tempo, sei que chegará o tempo que nem virá mais aqui, afinal, já terá enterrado o ultimo desses velhos.
— Exatamente! — o primeiro beta concorda. — Aceite o acordo que consegui com o Alfa Nicolas, faça o que deve ser feito, honre a matilha que foi de seus pais, Alfa Dante, e garanta o nosso futuro!
— Seus velhos...
Mas antes que termine, o celular vibra no bolso do alfa. O toque alto rasga o silêncio. Dante puxa o aparelho do bolso de sua calça, ao ver o nome de Olga ele se levanta da cadeira.
— É a sua chefe, Alfa? — O primeiro beta questiona, a zombaria nítida em seu tom, Dante rosna, então projeta sua dominância sobre o velho que se curva sobre a mesa com o peso. — Perdão, perdão Alfa — ele murmura, com dificuldade, os olhos ardendo com as lágrimas.
— Voltem para as casas de vocês.
Dante ordena e se retira da sala.
— Galak, você está bem? — A companheira do primeiro beta acaricia suas costas. Ele rosna, furioso.
— Desse jeito, ele irá nos levar para o túmulo — a fêmea lamenta, os olhos fixos na porta por onde o Alfa da matilha saí.
— Não irei permitir — Galak diz com firmeza, os planos se arquitetando em sua mente.
— O que tem em mente, Primeiro Beta? — Questiona o segundo beta, com um olhar desconfiado.
Galak não responde, apenas se levanta e sai da casa do Alfa, sendo seguido pelos demais, cada um indo para a própria casa.
Dante, entra em sua toca e fecha a porta com um empurrão do ombro. A chamada tocando pela terceira vez, ele finalmente atende.
— Sim? — diz, a voz grave.
— Preciso urgente de você — a voz firme do outro lado é inconfundível, deixando o lycan instantaneamente em alerta.