A grande verdade

Amélia brincava com a comida no prato, ainda vestindo a mesma roupa do evento. O brilho do tecido contrastava com o olhar vazio. Fiona havia pedido aos cozinheiros que preparassem o prato favorito da menina.

— Querida, você pode tirar as luvas aqui em casa — disse Fiona com a voz suave, sentando-se à frente dela. — Pedi para as meninas higienizarem tudo: mesa, talheres, copos… Está tudo seguro, está bem?

— Pode confiar — completou Simon com um sorriso acolhedor. — Eu mesmo acompanhei a limpeza.

Amélia manteve o olhar fixo no prato, como se o simples ato de respirar fosse um esforço.

— Lia, você sabe como o papai é meticuloso — disse Tessa, tentando aliviar o clima. Ela estendeu a mão e pousou-a sobre a da amiga. — Está tudo limpo, eu prometo.

Mas o toque, em vez de acalmá-la, pareceu despertar algo.

Amélia puxou as mãos de volta para o colo, tremendo. O ar ficou pesado, e as lembranças daquele dia voltaram com força. As lágrimas vieram sem aviso.

— Lia… — Tessa sussurrou, preocupada. — O que foi?

Fiona e Simon trocaram um olhar silencioso. Fiona vinha observando Amélia com mais atenção desde que sua melhor amiga havia falecido. Não podia negar, Amélia havia mudado drasticamente e não era por conta do luto. A garota animada, sorridente e que amava tocar piano havia se tornado uma menina quieta, que já não tocava mais piano e usava luvas para tudo.

— Querida… — Fiona chamou suavemente a atenção de Amélia. — O que aconteceu com suas mãos?

Amélia encarou as mãos e as apertou, sentindo um nó pesado e dolorido na garganta. Ninguém além dela naquela mesa sabia a verdade. E ela não sabia se estava pronta para contar.

— Amélia — Simon começou com a voz cheia de ternura. — Pode confiar na gente, queremos te ajudar, mas você precisa contar a verdade para nós.

Tessa observava tudo aquilo com o peito pesado, só então se dando conta do quão ingenua tinha sido por acreditar que sua amiga havia, do completo nada, desenvolvido misofobia.

No ano anterior, Amélia havia se escondido por quase seis meses. Meses onde arranjava desculpas para não sair, para não ver Tessa, até mesmo terminando o colégio online.

Fiona se levantou e ficou em frente à Amélia, se abaixando ao seu lado enquanto apoiava uma de suas mãos no joelho da jovem como se quisesse transmitir coragem a ela.

— Foram elas… — Amélia disse com um nó na garganta, fechando os olhos com força como se reviver a lembrança fosse doloroso demais.

— “Elas” quem, meu amor? — Fiona sentia o peito se encher de ódio já sabendo da resposta.

— Sophie e Scarlett… — Amélia olhou para Fiona com uma expressão de dor. — Elas… martelaram minhas mãos por ciúmes, diziam… — engasgou com a própria saliva — diziam que eu não merecia tocar piano.

O silêncio que se seguiu parecer o ar da sala. Fiona sentiu o chão sumir sob seus pés. O rosto de Tessa se contraiu, as lagrimas começaram a descer antes mesmo que ela percebesse.

— Meu Deus… — Fiona sussurrou, levando uma das mãos à boca, horrorizada. — Como… como elas puderam fazer isso?

— E o que aquele desgraçado fez? — A voz de Simon se tornou sombria e Amélia se encolheu, era a primeira vez que o via tão irritado.

Amélia apenas abaixou a cabeça, as lagrimas escorrendo silenciosas

— Meu pai nunca soube… elas disseram que ele nunca acreditaria e que se eu contasse… Elas fariam pior. — Amélia disse com a voz baixa.

Fiona a puxou para um abraço apertado, sem se importar com as lágrimas que molhavam seu ombro.

— Posso ver? — Simon perguntou, a voz embargada, se referindo as mãos de Amélia.

— Miranda pagou um cirurgião plástico… — Amélia começou, tirando as luvas devagar, com medo do que fossem pensar. — Esse cirurgião era amigo dela, e ele… ele fez a cirurgia sem anestesia e…

A voz dela morreu no meio da explicação quando a lembrança da dor atravessou sua mente como uma lâmina afiada. Fiona parecia prestes a vomitar e Tessa correu para o banheiro não aguentando, ela não conseguia pensar na dor que a amiga sentiu.

Simon, em silêncio, levantou e caminhou até ela. Quando Amélia estendeu as mãos nuas, ele arfou, chocado com as cicatrizes finas e tortuosas que cruzavam a pele outrora delicada.

— Ele fez de modo que você sentisse dor se voltasse a tocar, não é? — Amélia assentiu sem conseguir encará-lo e Simon se abaixou diante dela. — Por que não nos contou? — A voz de Simon era baixa, embargada por não conseguir pensar em tamanha crueldade. — Eu poderia ter te ajudado. Nós poderíamos.

— Eu tive medo — sussurrou começando a chorar novamente.

Fiona e Simon a abraçaram apertado, Tessa voltou para a mesa e se juntou ao abraço. Não podiam sequer cogitar a ideia de Amélia voltar para aquela casa. Ela corria um risco de vida imenso.

— Obrigada pelo apoio de vocês e obrigada por me deixarem ficar aqui. — Amélia disse sorrindo fraco. — Vou começar a trabalhar e irei procurar um apartamento para mim.

— Você ficará com a Tess. — Disse Simon por fim. — Eu e a Fiona demos um apartamento de aniversário para ela, são dois quartos, ambos possuem banheiro, então acredito que será o ideal para vocês duas.

— E nem pense em recusar. — Tessa disse fazendo um biquinho quando viu a amiga abrir a boca. — Eu já estava triste porque iria ficar sozinha lá.

— Nós seremos sua família de agora em diante, querida. — Fiona sorriu dando um beijo em sua testa. — Você poderá viver como quiser.

— Muito obrigada. — Amélia disse com a voz baixa, não iria recusar aquela gentileza, até porque não tinha para onde ir e a ideia de ficar com sua melhor amiga era muito melhor do que ficar em um lugar desprotegido ou voltar para casa. — Mas com a condição de ajudar nas despesas, eu pago pela comida e… me viro na limpeza.

— Podemos pensar nisso depois. — Disse Tessa dando um sorriso animado. — Vamos pedir para a Elise esquentar a comida, você não precisa se preocupar com nada por enquanto.

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