O escritório de Cedric na Matilha Bloodmoon era um santuário de preto e mogno, refletindo sua mentalidade de guerra: limpo, funcional e implacável.
Ele estava ali com um dos seus aliados mais antigos, o Alfa Cien, líder da matilha Heartbreaker, e um amigo de longa data de seu pai, o atual Rei Alfa.
Cien, era um homem com a serenidade de quem carrega um peso silencioso, e estava ali formalmente, mas Cedric sempre sentia uma estranha tensão quando se encontrava com ele.
Cedric estava irritado.
O fato de Skyla, a "filha do Beta da Bluemoon", era uma distração constante em sua mente. Ele deveria tratá-la como refém, mas o laço de companheiros que teimava em gritar para ele assumir ela, era um tormento que o fazia duvidar de cada decisão sua.
— Agradeço a visita, Cien — Cedric começou, formalmente, os olhos fixos nos papéis sobre a mesa. — Sua visão sobre os movimentos de Viper tem sido inestimável.
Alfa Cien bebericou de seu copo, seus olhos sérios.
— Não há o que agradecer, Cedric. O homem tem tentado corroer a estabilidade das Matilhas por anos. Mas vim por outro motivo. Um... assunto pessoal.
Cedric levantou uma sobrancelha.
— Pessoal?
Cien colocou o copo na mesa, o som era baixo, mas definitivo.
— Há cerca de vinte anos, minha Luna, Lunara, e eu tivemos nossa filha roubada durante um dos ataques. Foi um roubo silencioso, sem rastros. Usamos todas as Matilhas aliadas para procurar por ela, mas nunca a encontramos.
Cedric sentiu um calafrio estranho, a história de Cien parecia se conectar com sua missão atual.
— Eu sinto muito — Cedric disse, sincero.
— Sentir muito não a traz de volta. Mas não perdemos a esperança. Meu palpite, Alfa Belmont, é que isso tudo tem dedo do Alfa Viper. E eu sei, é uma teoria.
— O que o leva a crer que seu caso está ligado a Bluemoon?
Cien suspirou, a dor visível em seus olhos.
— Nada concreto. Apenas a persistência de Lunara. Ela diz que sente que nossa filha está viva. Além disso, temos uma testemunha que falou que viu o Beta dos Bluemoon por perto, naquela época.
Houve um longo silêncio. A tensão era quase insuportável. Cien se inclinou, a voz baixa, quase suplicante, mas com o peso de que deixava sua humildade falar, enquanto engolia seu orgulho alfa.
— Se, por acaso, em suas buscas, você encontrar alguma jovem que pareça ter sido criada ali, que tenha uma marca de nascença no pulso, me informe. Minha filhote, tem uma marca de nascença única, que herdou da minha Luna, e que passou para nossa filha.
Cedric apertou os punhos sob a mesa, a curiosidade profissional lutando com a cautela.
— E qual seria a marca?
Alfa Cien olhou fixamente para Cedric, transmitindo a seriedade da busca, apesar da dor em seu olhar azul como o céu.
— Ela tem, no pulso esquerdo, perto da dobra do cotovelo. Uma pequena, mas perfeitamente formada, marca de nascença em forma de coração negro.
A memória da foto de Skyla, que ele tinha mandado fazer, não mostrava o braço de Skyla, mas ele se lembra vagamente de que havia notado algo, uma pequena mancha escura no braço dela. Mas ele havia descartado por achar a informação insignificante. Mas, agora...
A mente de Cedric girou. A atração insana. A falta de cheiro de sua loba. E agora, a marca de coração, a marca de uma filha roubada, o fazia cogitar.
Ele era o Alfa mais astuto do seu tempo. Ele não podia revelar que provavelmente já tinha encontrado a jovem. Não podia, pois ele tinha que ter certeza de quem era Skyla e o que ela realmente queria dele, antes de investigar se ela tinha ou não uma marca de nascença no braço.
— É uma pista muito específica, Cien — Cedric respondeu, sua voz controlada, mas grave. — Se eu encontrar alguém com essa marca, entrarei em contato imediatamente.
Cien se levantou, aliviado por ter compartilhado seu segredo. — Agradeço sua discrição, Alfa Belmont, e sua amizade.
Cedric acenou, apertando a mão do Alfa Cien. Assim que a porta se fechou, Blaine fez uma reverência, e ele ordenou.
—Quero que procure fêmeas na casa dos 25 anos, que possuem uma marca de nascença no braço esquerdo. Agora.
A desconfiança de Cedric não havia desaparecido, mas uma nova, esperançosa possibilidade havia nascido, o Alfa Cien era um aliado que tinha o mesmo objetivo que ele, e isso seria de grande ajuda em sua vingança.
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Skyla acordou horas depois no consultório da médica da alcateia, o ar cheirando a ervas e desinfetante. Sua cabeça latejava menos, mas a dor em suas costas e pescoço era uma lembrança constante da fúria do pai. A luz era suave. Ao lado dela, sentada, estava Leona, o doce de pessoa. Leona segurava sua mão, e seus olhos gentis e fiéis estavam cheios de lágrimas não derramadas.
A Drika, a amiga ousada, estava em pé perto da porta, o rosto contraído de raiva e preocupação.
— O que houve dessa vez, senhorita Skyla? — perguntou a Doutora Alara, a voz cansada, mas firme.
Seu coração acelerou timidamente. A mentira era a única proteção que ela conhecia.
— Eu caí da escada.- É? Essa escada te deixou com três colunas quebradas e marcas no pescoço.
A doutora Alara, uma loba idosa com anos de experiência em lidar com os "acidentes" da família Beta, ironizou com um olhar de profundo pesar.
— É? Essa escada te deixou com três colunas quebradas, hematomas que mal consigo curar e marcas profundas no pescoço.
A Doutora Alara inspecionou o pescoço de Skyla, justamente onde a marca pulsava sob a bandagem. Ela suspirou, desviando o olhar.
— Querida, precisei te dar uma porção fortíssima dessa vez, e você dormiu um dia e meio. Você vai me contar a verdade?
Skyla desviava o olhar, insistindo na mentira. Afinal, quem acreditaria que seu pai, o Beta da Matilha Azul, a espancava daquela forma, com a conivência de sua mãe, nojenta e cruel, e de sua irmã, fútil e nojenta?
Skyla se sentia num conto de fadas, estilo cinderela, de tão complicado sua vida era.
— Eu escorreguei e caí da escada, é sério.
A Doutora Alara suspirou novamente, mais frustrada do que surpresa. Ela olhou para Drika, que assentiu com a cabeça, indicando que a médica deveria prosseguir.
— De acordo com suas amigas, seus pais bateram em você. É verdade?
Skyla negou novamente. Não queria causar mais problemas para as amigas. Além disso, ela tinha certeza de que o Alfa já sabia da crueldade que passava, já que seu pai era o Beta.
— Que seja. Mas você deveria contar ao Alfa, antes que você chegue aqui morta. Não é a primeira vez que você está à beira disso, Skyla.
Skyla concordou e saiu do consultório, já bem melhor. Era fácil adivinhar que suas amigas a limparam e a vestiram no caminho para a clínica, como de costume.
Ao sair com suas amigas, Leona, com sua gentileza característica, a abraçou primeiro.
— Graças à Deusa que você está bem.
Drika, a mais ousada, interveem, segurando Skyla pelos ombros e olhando-a nos olhos azuis para impor a realidade.
— Vem, vamos falar com o Alfa sobre o seu pai. Temos que usar as marcas como prova de que você está em perigo.
Skyla suspirou, cansada de lutar contra a parede de poder da hierarquia.
— Ele é o Beta dele, ele sabe. Ninguém vai contradizer o cruel e frio Beta da Matilha.
Angustiadas, as amigas a levaram para a casa de Leona.
Como de costume, elas foram para a cozinha, e Leona, com o carinho que só ela tinha, serviu um belo e delicioso bolinho de banana, o favorito de Skyla.
Skyla mordeu o bolinho com um gemido de satisfação.
— Agora eu vi vantagem.
As amigas a observavam. Drika foi direta, como era de sua natureza.
— Já percebeu que o Cillion não é o seu companheiro, né?
Leona, aliviada, completou, a doçura em sua voz.
— É, você tá vivinha da Silva.
Skyla suspirou, o alívio misturado à confusão e à angústia.
— Eu não entendo. Cillion me falou que era o meu companheiro, mas como eu não tenho lobo, eu não sinto o laço do companheiro.
Suas amigas se entreolharam antes de segurar sua mão. Drika, carinhosa, mas firme.
— O importante é que você percebeu.
Leona, apoiando-se na bancada, ficou curiosa.
— Nos conte sobre ele?
Skyla se estremeceu só de lembrar do seu companheiro desconhecido. Lembrou-se dos intensos olhos ambares e de como se sentia ao toque dele.
Suas amigas a observavam, conscientes do coração acelerado de Skyla.
— Olhos dourados.
As duas a encararam estupefatas. Leona, sem jeito, comentou.
— Alguns raros lobos têm olhos dourados, assim como os seus olhos azuis, Sky.
Skyla se lembrava da pressão que sentiu na presença dele.
— A presença dele me lembra a de um Alfa.
As duas pensaram por um momento, se encarando confusas.
Leona reuniu as informações.
— Um Alfa de olhos dourados? Vamos descobrir tudo o que pudermos para você.
O brilho de Drika se apagou, e seu sorriso se tornou preocupação.
— Mas... tem um Alfa que não é muito sociável e que, bem... Tem olhos dourados, como sua descrição.
Skyla as encarou. Drika, angustiada, revelou.
— Alfa Cedric Belmont.