Capítulo 5

Eu tinha feito um bom trabalho com o blazer e o cinto. Acabei abotoando novamente a peça, porém propositalmente com uma casa de diferença, ganhando uma pequena fenda na parte das pernas. Não vesti as mangas, amarrando-as para trás de forma a dar um laço. Por fim, arrematei tudo com o cinto de Adam, marcando minha cintura fina. Cacei na bolsa um prendedor de cabelo e fiz um coque despretensioso nos meus fios loiros. E pronto! Até parecia que eu tinha me vestido daquela forma premeditadamente, não sei por que Adam continuava com aquela cara amarrada.

- Ela é tão estilosa! – Ouvi uma voz feminina dizer, quando eu ia passando e sorri em resposta. Eu era mesmo, não era?

A sala de reuniões não era diferente de muitas das outras que eu já tinha visto – em filmes! Uma grande mesa central de madeira com poltronas acolchoadas, um telão pronto para exibir apresentações e extensas janelas de vidro com vista para o mar.

- Perdoem-me o atraso, senhores – Adam já foi logo dizendo ao se deparar com a mesa quase completa. – Creio que já devam conhecer, ao menos de fotos, e com certeza por nome, essa é Kara Milani – ele apontou pra mim e vários rostos se voltaram imediatamente na minha direção, me cumprimentando. – A partir de hoje ela estará presente em todas as nossas reuniões, como ouvinte.

Adam apontou para o sofá de couro no fundo da grande sala e eu automaticamente me dirigi para lá. Não sei o que ele esperava de mim, mas com certeza não era que eu me jogasse descontraidamente e colocasse os pés para cima, em uma posição meio deitada, meio largada. Eu teria pegado o meu celular para ignorar tudo ao redor, mas Adam ainda o mantinha com ele.

Acho que aquela foi a primeira vez que desejei não ser herdeira de tantas unidades de hotéis ao redor do mundo, uma vez que durante a reunião se passou por cada uma delas, exibindo relatórios detalhados, propostas de melhorias e avaliações de clientes.

- E por mais que tenhamos esse pequeno problema com Xangai, já era algo esperado pós-pandemia. O que realmente vem nos preocupando no momento é Londres – um dos caras mais jovens, além de Adam, ia dizendo. – É o quinto mês consecutivo em que fechamos no vermelho por baixa procura dos nossos serviços de alimentos e bebidas.

- Se continuarmos assim vamos precisar repensar manter essa unidade aberta.

- O Milani nunca fechou uma unidade! – Adam protesta. Eu levanto rapidamente os olhos em sua direção porque a maneira como ele defende a reputação dos negócios da minha família é muito admirável. Eu poderia ver Otto agindo daquela maneira. – Não será essa a primeira. Por favor, estamos falando de Londres!

- Mudamos o cardápio do restaurante há três meses, se isso fosse dar algum resultado já deveria estar se refletindo nos números – reclama um velho carrancudo.

- Podemos mudar o chef – sugere outro.

- Não vai funcionar... – intervenho e todos os olhos se voltam para mim.

Alguns rostos parecem interessados em me ouvir falar, mas a maioria parece se divertir com o fato de “uma criança” ter alguma opinião sobre negócios de gente grande. Bom, eram os meus hotéis, não eram? É claro que eu tinha uma opinião.

- Senhorita Milani, apreciamos sua boa vontade em colaborar, mas infelizmente não vejo como a sua falta de experiência nos negócios poderia agregar em planos que já viemos desenvolvendo há meses para...

- Um plano de bosta – interrompo o velho carrancudo.

- Senhorita Milani, creio que...

- Deixa-a falar – Adam se intromete.

- Qual foi a última vez em que o senhor esteve no Milani de Londres? – O desafio.

- Infelizmente o trabalho e a idade não me permitem mais viajar com tanta frequência quanto gostaria.

- Adam? E você?

- Não muito recentemente – ele admite.

- Alguém aqui esteve lá nos últimos meses? Cinco meses vocês disseram, né? Alguém esteve? – Ninguém responde, o que me encoraja a continuar. – Eu acho que estive pelo menos umas três vezes nesse tempo, e aliás, o menu novo está impecável. E o chefe Davies é um dos melhores que vocês poderiam ter.

- Então qual seria a solução que a senhorita proporia para o nosso problema? – O carrancudo continua me desafiando.

- Sei lá, colocar fogo no restaurante do Gordon Ramsay que abriu a duas quadras do nosso hotel? Acho que funcionaria por um tempo.

- Como sabe disso? – Adam me olha com alguma admiração.

- Funciona nos filmes de máfia.

- Não sobre o fogo, Kara, sobre o restaurante do Ramsay estar roubando nosso público.

- Porque eu mesma quis ir lá algumas vezes. Digo, o cara o é uma celebridade gastronômica, deve apresentar uns 30 programas de culinária ao mesmo tempo, todo turista iria querer conhecer o restaurante dele, e quando esse restaurante está a duas quadras do nosso hotel... fica meio óbvio que os hospedes não tem nenhum empecilho para jantar lá, não fica? A não ser a fila de espera, é claro... Mas turistas costumam reservar essas coisas com antecedência.

- Você nos apresenta o problema, mas não a solução.

- O que já é muito mais do que qualquer outro fez aqui, não é mesmo senhor Camargo? – Adam lhe dá um corte.

- Eu não teria problemas em apresentar a solução também... – Digo, finalmente me sentando aprumada no sofá. – Chá. – Estou prestes a continuar, frente a vários olhares curiosos. Mas Adam faz um gesto discreto para que eu me junte a ele na frente da sala e eu o faço. – O Milani de Londres já foi referência pelo seu chá, mas eu nunca entendi por que sempre servimos apenas pela manhã. Todo turista quer tomar o famoso chá das 17h ou das 19h horas e precisam se deslocar até o Hitz para ter essa experiência. Acrescentem o menu completo de chá da tarde e ofereçam um desconto para quem voltar para o jantar no dia seguinte – dou de ombros, como se aquilo fosse a coisa mais simples do mundo.

Mais tarde, quando Adam entra novamente comigo no elevador, seu olhar ainda é de admiração.

- Como teve todos aqueles insights?

- Eu frequento os meus hotéis – digo com simplicidade. – Sei a experiência que espero de cada um deles e fico um tanto decepcionada quando não tenho. Então é fácil imaginar o que se passa na cabeça dos outros turistas também. Parece que não sou apenas uma patricinha mimada, não é mesmo?

- Eu nunca disse isso.

- Mas me trata assim. – Quando o elevador para no térreo eu me detenho por alguns minutos antes de seguir em direção ao carro que aguarda para me levar pra casa. – Foi divertido. Dá próxima vez vamos falar sobre Zurique. Caramba, eu tenho um milhão de ideias sobre aquilo lá.

- Anotado.

- Você não vai almoçar no hotel?

- Ainda tenho algumas coisas para resolver antes de conseguir fazer uma pausa.

- Então acho que vai precisar disso...

Tiro o cinto e o blazer de Adam e os devolvo, fisgando um olhar de desespero em seu rosto. Depois sigo em direção a porta de saída, arrastando vários olhares a assovios comigo.

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