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Darya observava a taça de vinho à sua frente, como se a superfície escura fosse capaz de refletir as respostas que ela não conseguia dar. Matteo, sentado diante dela, não parecia ter dúvidas.
— Não é uma decisão difícil — disse ele, encarando-a com uma calma que mais parecia impaciência. — Tu realmente queres passar o resto da tua vida a ser alvo da humilhação da tua mãe, da tua irmã e do teu padrasto miserável? E tudo isso quando és a única que tem dinheiro e sustentas a vida luxuosa deles? Ele levantou-se da cadeira. O gesto não foi brusco, mas carregava a solenidade de quem sabia exactamente o peso das palavras que estava prestes a soltar. Matteo aproximou-se de Darya, retirando uma pequena caixa do bolso. Quando abriu, o brilho frio de um anel reluziu na penumbra da sala. — Ou podes casar comigo — continuou, com a voz firme, como se oferecesse não apenas um objecto, mas um destino interdito. — Dou-te a liberdade e proteção. Esse é o verdadeiro impacto de possuir poder, Darya. Sei da cláusula estabelecida no testamento que o teu pai deixou: se casares, a tua mãe perde a pensão e será obrigada a deixar de imediato as propriedades dos Vellano. Estou ciente das ameaças que sofres desde a adolescência, para que eles possam ter controlo sobre ti e a sensação de que não és capaz de sair dessa prisão infernal. Tens medo do teu padrasto pelo envolvimento dele com a máfia, mas eu posso destruí-lo em questão de segundos. Darya manteve os olhos fixos no anel por alguns instantes. Não era uma mulher ingénua; sabia que Matteo não lhe oferecia aquilo por amor. Nada no mundo era gratuito, tudo exigia uma troca. — E o que tu ganhas em retorno? Questionou, a voz baixa, quase um sussurro. O sorriso dele foi discreto, mas letal. — Apenas o impacto de ser casado com a herdeira de um conglomerado de empresas que movimenta metade do PIB do país. Quero o teu nome, Darya. Quero a tua imagem ao meu lado para que a minha carreira política tenha o peso que preciso. É simples. Ela respirou fundo, tentando organizar os pensamentos. — Ainda podes escolher a Bianca. Ela é a favorita, a mais bonita… e o pai dela já é político. Matteo fitou-a, implacável. — Não. Eu quero-te a ti. O silêncio que se seguiu foi denso, quase sufocante. Darya pensou no pai, no que ele diria ao vê-la ali, prestes a trocar amor por sobrevivência. Sabia que ele não se orgulharia. Mas também sabia que, desde a sua morte, tudo o que lhe restava era lutar para existir dentro de uma casa que nunca a quisera. A mãe jamais a olhara com ternura; nunca perdoara o facto de a herança ter ficado com ela. O verdadeiro amor da sua mãe sempre fora Ricardo, o homem para quem voltou a correr assim que o marido morreu. Bianca, fruto desse romance, sempre fora a filha perfeita, o orgulho que ela nunca seria. Darya fechou os olhos por um instante. Quando os abriu, parecia mais fria, mais endurecida. — Eu aceito. Matteo sorriu como quem já esperava aquela resposta. Com cuidado, colocou o anel no seu dedo. Darya permaneceu a olhar para ele, sentindo o peso da escolha. Se não poderia ter o amor da mãe, então ficaria confortável com o poder. No fim, existiam diversas formas de destruir quem amamos e a pior delas é não amar de volta. A única pessoa que a amara de verdade estava morta. O pai não poderia guiá-la, a mãe nunca a quisera, a irmã era rival desde sempre. Restava apenas ela mesma. Sozinha. Mas, pela primeira vez, não mais indefesa. Matteo serviu-se de mais vinho, como se aquele brinde silencioso selasse um pacto invisível entre os dois. O cristal tilintou ao pousar sobre a mesa, e o silêncio prolongou-se até que ele voltou a falar, sem pressa. — O casamento será discreto, ao início — explicou, como quem organiza uma campanha. — Nada de manchetes escandalosas, nada de fotografias espalhadas por revistas de sociedade. Apenas o necessário para que todos saibam que és minha esposa. Depois, quando for oportuno, transformaremos a nossa união num evento público, com toda a pompa que convém a uma herdeira e a um homem em ascensão política. Darya manteve-se imóvel, os dedos a girarem o anel como se tentasse decifrar o peso daquele metal frio. — Um contrato, então — disse, sem emoção. — Casamento sem amor, apenas uma fachada. — Não te enganes, Darya. O amor é frágil. O que ofereço é duradouro: poder, estabilidade e segurança. Haverá um contrato, sim, redigido pelos melhores advogados. Não tocarei na tua fortuna, não interferirei nas tuas empresas. Apenas necessito da tua imagem, da tua presença ao meu lado. — E eu? O que recebo, além de ser o rosto conveniente na tua carreira? — Recebes liberdade — respondeu ele sem hesitar. — Não mais dependerás da boa vontade da tua mãe. O testamento do teu pai será cumprido, e ela perderá qualquer direito sobre ti ou sobre a herança. O teu padrasto deixará de ser uma ameaça. E Bianca… — fez uma pausa curta, saboreando o nome como se fosse veneno — nunca mais poderá pisar-te. O silêncio voltou, carregado de intenções ocultas. Darya pousou finalmente o copo, erguendo o queixo. — Então será um acordo escrito, assinado pelos dois. Não serei apenas um adorno. Quero cláusulas. Quero garantias. Matteo inclinou-se, os olhos negros a brilharem como lâminas. — Negociaremos cada detalhe. E quando subirmos ao altar, não serás uma vítima, Darya. Serás uma aliada. A mulher que escolhi para me tornar intocável. Ela deixou escapar uma breve gargalhada seca, quase amarga. — Parece mais um tratado entre reinos do que um casamento. — É exactamente isso — confirmou ele, sem desviar o olhar. Darya recostou-se, inspirando profundamente. A decisão já estava tomada, mas a ideia de transformar a própria vida num contrato frio deixava-lhe um travo amargo na boca. Ainda assim, havia uma estranha sensação de alívio. Pela primeira vez, não seria apenas a marionete da família. — Muito bem — disse ela, num tom final. — Casaremos. Mas quero ver esse contrato antes de subir ao altar. Matteo ergueu o copo, como se brindasse. — Verás, minha futura esposa. E quando o mundo souber, ninguém ousará tocar em ti. O vinho voltou a arder na garganta dela. Não havia romance, não havia ternura. Apenas um pacto. Um casamento que mais parecia um campo de batalha e ela, pela primeira vez, não se sentia em desvantagem.






