Mundo ficciónIniciar sesiónDarya encarava o vestido cor de rosa que repousava sobre a cama, embalado em seda, como se fosse demasiado precioso para lhe pertencer. Matteo escolhera-o pessoalmente, insistindo que aquela cor combinava com os seus olhos. Ela sabia que não era uma mulher de tons delicados, o rosa, por exemplo, obrigava-a a fingir uma doçura que nunca tivera. Preferia cores sóbrias, que não mascarassem a firmeza da sua natureza. Mas agora, um mês após o pedido de noivado, tudo se resumia a um jogo.
E se havia algo que aprendera, era que quem não sabia fingir, perdia. Cinco anos. Esse era o prazo estabelecido. Um casamento de conveniência, uma farsa que sustentaria a ambição dele e, em troca, lhe daria aquilo que mais desejava: liberdade. Matteo era o único capaz de lhe oferecer isso. Só ele tinha poder suficiente para que a sua mãe e o seu padrasto não pudessem interferir. No fim, a união entre ambos não passava de uma troca de interesses brutal, mas eficaz. Darya retirou a toalha que lhe envolvia o corpo e atirou-a para a cama. Segurou no vestido e começou a vesti-lo. O silêncio do quarto parecia zombar dela, amplificando o peso do momento. Os dedos percorreram o tecido macio que lhe envolvia a pele e, por um instante, sentiu a tentação de o rasgar, lançá-lo ao chão e desaparecer. Mas não. Precisava estar ali. Precisava encarar a mãe, o padrasto e, sobretudo, Bianca. Precisava de coragem. Deu alguns passos até ao espelho. O reflexo devolveu-lhe uma imagem estranha: não via a filha obediente que a mãe sempre exigira que fosse. Via alguém que aprendera a resistir. Uma mulher que esperara anos, talvez a vida inteira, por um momento em que pudesse, finalmente, respirar. A porta abriu-se de súbito. Bianca entrou, resplandecente num vestido branco que a fazia parecer noiva antes do tempo. — Que achas? — perguntou, rodopiando diante do espelho, com um sorriso triunfante. — Hoje é o meu grande dia. Matteo vai pedir-me em casamento. Darya mordeu o lábio inferior para não rir. “O teu grande dia…”, pensou. Se ao menos soubesse a verdade. — Estás bonita — disse apenas, desviando o olhar para o batom que segurava. — Só bonita? — Bianca arqueou a sobrancelha, ferina. — Eu sou perfeita, Darya. E hoje todos verão isso. — Perfeita para quem acredita em perfeição — murmurou, baixo o suficiente para não ser ouvida. Bianca semicerrrou os olhos, desconfiada, mas saiu do quarto com a confiança de quem acredita que o mundo conspira a seu favor. A mansão cheirava a especiarias e a vinho caro. O salão principal brilhava sob a luz dos lustres de cristal, cada detalhe da decoração pensado para impressionar. Era sempre assim: luxo a mascarar a podridão. Darya desceu as escadas lentamente, sentindo os olhares a acompanharem cada passo. A mãe encontrava-se ao lado do padrasto, elegante como sempre, mas com a expressão de soberba colada ao rosto. Giovanni e Ariella Mancini, os pais de Matteo, conversavam animadamente com ele e com Bianca. Bianca ria alto, tocando-lhe o braço com intimidade, convencida de que já era a escolhida. Mas Matteo não olhava para ela. Assim que Darya pousou o pé no último degrau, os olhos dele encontraram os seus. Um fio de tensão percorreu-lhe o corpo. Matteo sorriu. Caminhou até si sem hesitar. A mão pousou-lhe firmemente na cintura, gesto de posse que bastou para silenciar todas as conversas. — Não será necessário prolongar isto — anunciou, a voz grave e clara a encher o salão. — Estou aqui para declarar que não me casarei com Bianca. Desde o início, a nossa pretensão era selar uma aliança, e alianças são, de facto, firmadas através do casamento. Bianca sempre foi uma opção viável, pelo imenso apoio e fidelidade do seu pai. No entanto, após muita reflexão, percebi que Bianca não tem o perfil da esposa que procuro. Preciso de alguém que seja a extensão da minha imagem, alguém capaz de suportar as exigências da posição de Don, que um dia herdarei. Uma parceira activa, não apenas uma presença decorativa. O silêncio tornou-se sufocante. Bianca ficou imóvel, os dedos a apertarem a taça de cristal com uma força quase selvagem, como se quisesse esmagá-la. Matteo prosseguiu, implacável: — Vou casar-me com Darya. Estamos noivos há um mês e o casamento será dentro de duas semanas. A sala explodiu em murmúrios contidos. — O quê?! — Bianca gritou, a voz estrangulada, os olhos marejados. — Isto só pode ser uma piada! Matteo, tu… tu disseste que… — As palavras perderam-se em soluços de raiva. Helena levantou-se de súbito, o rosto contorcido. — Darya! — a voz dela era fogo. — Como ousas? Como podes trair a tua irmã desta forma? — Eu? — Darya ergueu o queixo, fria. — Apenas aceitei um pedido. O resto foi escolha do meu noivo. — Isto é um ultraje! — bradou Ricardo, o padrasto, apontando a acusação para Giovanni. — Estávamos em negociações! Era a Bianca quem devia casar-se com o teu filho! Giovanni ergueu o copo de vinho, indiferente. — Matteo é o herdeiro. A escolha da esposa cabe-lhe. E ele escolheu Darya. O assunto está encerrado. Ariella, sempre elegante, esboçou um sorriso leve. — O Rosa fica-te bem, querida. Sempre foi uma cor de vitória. Bianca deixou escapar um grito agudo. — Não! Não aceito isto! — As lágrimas manchavam-lhe a maquilhagem perfeita. — Não é justo! Sempre fui eu! Sempre! O ódio faiscou-lhe nos olhos quando se voltou para Darya. — Tu roubaste tudo de mim! — Não roubei nada — respondeu Darya, impassível. — Apenas tomei o que nunca te pertenceu. — Cala-te, Darya! Isto é uma vergonha! Há quanto tempo me mentes? Há quanto tempo escondes isto? Eu sou tua mãe! — Só és mãe quando te convém — devolveu, com um desprezo gélido. — E, como podes ver, hoje não me convém ser tua filha. A sala pareceu perder o ar. Ricardo cerrou os punhos, mas conteve-se. Giovanni mantinha-se imperturbável. Ariella sorria, deliciada, como se assistisse a um espectáculo. Bianca, incapaz de suportar mais, correu pelas escadas acima, os saltos martelando cada degrau. — Odeio-te! — gritou, antes de se trancar no quarto. Helena foi atrás dela, dividida entre soluços e recriminações. No salão, restava apenas um silêncio espesso. Com o inevitável a pairar no ar, todos se encaminharam para a sala de jantar. Enquanto caminhavam, Matteo inclinou-se para o ouvido de Darya, a mão ainda firme na sua cintura, a marcar território. — Estás deslumbrante. — murmurou, e um arrepio percorreu-lhe a espinha.






