CAPÍTULO 05

Só que não da forma que sonhara. As mãos de Matteo apertavam o volante com tanta força que os nós dos dedos se tornaram brancos. Tentava não pensar no pior, mas cada quilómetro que percorria aumentava o medo de que algo tivesse acontecido dentro daquela casa.

Se alguém lhe tivesse feito mal, Matteo sabia que não ficaria calado. Durante seis anos limitara-se a observar, a agir nas sombras, mas aquela noite marcava um limite. A partir dali, nada o faria recuar. Estava disposto a intervir, a enfrentar quem fosse necessário.

Ninguém mais iria magoar Darya. Não enquanto ele respirasse.

Matteo levou pouco mais de vinte e cinco minutos a chegar ao seu destino. O coração batia-lhe acelerado durante todo o percurso, como se pressentisse que algo não estava bem. Antes mesmo de alcançar o portão da mansão, avistou uma silhueta familiar.

Era Darya.

Estava sentada no passeio, junto aos enormes portões de ferro, com a cabeça baixa e os ombros encolhidos. O frio da noite parecia envolvê-la inteira, tornando-a ainda mais frágil. Matteo travou o carro de forma brusca e saiu sem perder tempo.

O impulso inicial foi correr até ela, puxá-la para os seus braços e protegê-la do mundo inteiro. Mas conteve-se.

Uma muralha invisível erguia-se sempre que pensava em revelar tudo o que sentia, medo da rejeição talvez, medo de que ela se afastasse se percebesse a intensidade dos seus sentimentos. Por isso, manteve a expressão controlada, retirou o blazer e caminhou com passos largos até à jovem.

— Darya — chamou, a voz mais grave do que pretendia.

Ela ergueu lentamente o rosto. Matteo sentiu o estômago revirar-se ao reparar na marca de uma mão estampada na pele dela. Tinha chorado, via-se nos olhos vermelhos, na expressão cansada. Um nó apertou-lhe a garganta.

Sem dizer mais nada, estendeu-lhe a mão. Darya aceitou-a num gesto tímido, quase automático. Matteo colocou o blazer sobre os ombros dela, como quem cobre algo precioso.

— O que aconteceu? — perguntou, tentando controlar a fúria que começava a crescer dentro de si.

Ela baixou o olhar, a voz a sair-lhe em sussurros:

— Prefiro não falar sobre isso. Só… tira-me daqui, por favor.

Havia vergonha no modo como evitava encará-lo. Matteo limitou-se a acenar, sem insistir. Respeitaria o silêncio dela naquele momento, mas dentro de si a decisão já estava tomada: iria descobrir o que acontecera, e quem ousara tocar-lhe pagaria caro. Não teria piedade.

Com gestos calmos, abriu a porta do carro. Darya entrou, sentou-se no banco do passageiro e encostou a cabeça à janela, fechando os olhos como se desejasse desaparecer do mundo. Matteo, antes de arrancar, permitiu-se um olhar discreto. Vê-la assim doía-lhe de uma forma que não conseguia descrever, uma dor surda, dilacerante, que lhe corroía o peito.

O trajecto foi feito em silêncio. Nenhum dos dois parecia ter forças para falar. Matteo não ousou levá-la à casa dos pais; não quando Darya transmitia, em cada gesto, a necessidade de estar longe de tudo e de todos. Levou-a, portanto, ao seu próprio apartamento.

Quando estacionou, olhou para o lado e percebeu que ela adormecera profundamente, a respiração lenta e serena, como se o corpo finalmente cedesse ao cansaço depois de demasiado sofrimento. Matteo ficou alguns segundos a observá-la, sem saber se sentia alívio ou tristeza.

Saiu do carro e foi até ao lado dela. Tentou acordá-la com suavidade.

— Darya… chegámos. — Tocou-lhe de leve no ombro.

Nenhuma resposta. O sono parecia demasiado pesado.

Num gesto quase instintivo, Matteo inclinou-se e tomou-a nos braços. O corpo dela, leve e delicado, encaixava-se contra o seu peito como se sempre lhe tivesse pertencido.

Atravessou o estacionamento, entrou no elevador e subiu até ao seu apartamento. O silêncio da noite envolvia-os, quebrado apenas pelo som do motor e, depois, pelo eco distante dos seus passos.

Tê-la nos braços parecia um sonho, daqueles que se teme ver desfeito ao despertar. Se fosse, Matteo desejava não acordar. Assim que entrou em casa, levou-a directamente para o quarto. Deitou-a com cuidado sobre a cama, retirou-lhe os sapatos e ajeitou um cobertor por cima dela.

Ficou a observá-la por instantes, a respiração tranquila, o rosto ainda marcado pela dor. Sentou-se então na cadeira ao lado da cama. A noite era longa, mas não lhe importava.

Ficaria ali, a vigiar o sono dela, como sempre fizera em silêncio durante anos. E no íntimo, uma promessa ecoava clara e implacável: ninguém voltaria a magoar Darya.

Darya despertou lentamente, como quem regressa de um lugar distante. O corpo parecia pesado, e a primeira coisa que sentiu foi uma dor de cabeça insistente, latejante, consequência das horas passadas a chorar. Abriu os olhos devagar, piscando várias vezes para se adaptar à claridade difusa do luar que atravessava as cortinas semi abertas. O quarto era amplo e arrumado, marcado por linhas simples, mas elegantes. Não reconhecia aquele espaço, e por um momento o pânico quase a dominou. Os olhos vaguearam até pararem numa figura imóvel, sentada no sofá do canto.

Matteo.

Estava ali, a observá-la em silêncio, como se não tivesse desviado o olhar em nenhum instante desde que ela adormecera. Havia algo de inquietante na intensidade dele, como se fosse incapaz de relaxar enquanto ela respirasse longe da sua atenção.

— Matteo… — a voz de Darya saiu fraca, quase um sussurro. Retirou o cobertor que a cobria e os pés tocaram no chão frio, fazendo-a estremecer. Passou a mão pelos cabelos, tentando recompor-se. — Onde estamos? Não me lembro de muita coisa depois de entrar no teu carro. — Fez uma pausa, pressionando as têmporas. — Faz quanto tempo que estás acordado?

A dor de cabeça agravou-se, latejando como se fosse rebentar-lhe o crânio. Matteo levantou-se de imediato. O modo como se moveu, controlado mas decidido, fez Darya lembrar-se de um predador silencioso, não por ameaça, mas pela intensidade quase selvagem do olhar.

— Estamos no meu apartamento. — respondeu, a voz baixa mas firme. — Estou acordado desde que chegámos.

Virou costas, foi até ao quarto de banho e regressou pouco depois com alguns comprimidos. Passou ainda pela cozinha, voltando com um copo de água. Sem dizer mais nada, entregou-lhos.

— Tome. — disse, o tom natural, quase prático. — Depois volte a descansar. Ainda são quatro da manhã. Se preferires, podes tomar um banho. No closet há roupas que te vão deixar mais confortável.

Darya pegou no comprimido e na água, engoliu-os com um gesto automático. O silêncio entre ambos pareceu ganhar vida própria, denso, quase sufocante.

Quando pousou o copo, ergueu os olhos para Matteo.

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