Mundo ficciónIniciar sesiónO prédio era alto demais para alguém que se sentia tão pequena. Lívia parou na calçada em frente ao espelho de vidro do edifício e respirou fundo. O reflexo que a encarava não combinava com aquele lugar: vestido simples, sapatos gastos, mãos inquietas. Tudo ali parecia gritar poder, dinheiro e controle — exatamente como o homem que trabalhava naquele escritório.
Ela conferiu o horário no celular. Dez em ponto. Por um instante, pensou em ir embora. Virar as costas, fingir que aquela ligação nunca tinha acontecido, que aquelas duas linhas não existiam. Mas a imagem do teste de gravidez voltou à sua mente como um aviso impossível de ignorar.
— É agora — murmurou para si mesma. Entrou no prédio.
O saguão era amplo, silencioso demais, com pisos brilhantes e uma recepcionista impecavelmente vestida atrás de um balcão de mármore.
— Posso ajudar? — perguntou a mulher, com um sorriso profissional.
— Eu… tenho uma reunião com o Daniel — respondeu Lívia, sentindo a garganta secar.
A recepcionista digitou algo rapidamente no computador, analisou a tela e assentiu.
— Último andar. Elevador à direita.
O elevador subia rápido demais, ou talvez fosse o coração de Lívia que batia acelerado demais. Cada andar que passava aumentava o peso em seu peito. Quando as portas se abriram, ela teve a estranha sensação de estar entrando em outro mundo.
O escritório de Daniel ocupava quase todo o andar. Janelas enormes revelavam a cidade lá embaixo, pequena, distante. Tudo era organizado, minimalista, frio.
— Ele já vai atendê-la — informou uma assistente, pedindo que Lívia aguardasse.
Ela se sentou na poltrona, cruzando as mãos sobre o colo numa tentativa inútil de se acalmar. Não demorou muito até que a porta do escritório principal se abrisse.
— Pode entrar — disse a voz que ela reconheceria em qualquer lugar.
Daniel estava de pé, próximo à mesa, vestindo um terno escuro perfeitamente ajustado ao corpo. O mesmo olhar sério, a mesma postura confiante. Mas agora, diferente daquela noite, havia algo mais ali. Distância.
— Sente-se — indicou ele, apontando para a cadeira à sua frente. Lívia obedeceu.
— Você disse que precisava conversar — começou ela, tentando parecer firme.
Daniel a observou por alguns segundos antes de falar, como se estivesse analisando cada detalhe.
— Aquela noite não saiu da minha cabeça — disse por fim. — Não costumo deixar assuntos pendentes.
— Para mim também não foi planejado — respondeu ela, defensiva.
— Não estou falando de sentimentos — cortou ele. — Estou falando de consequências.
O estômago de Lívia revirou.
— Que tipo de consequências? — perguntou, mesmo já sabendo.
Daniel abriu uma pasta sobre a mesa e deslizou alguns papéis na direção dela.
— Fiz algumas verificações — explicou. — Descobri que você não é o tipo de mulher que costuma se envolver em problemas.
Ela sentiu o rosto queimar.
— Eu não pedi para você investigar minha vida.
— Precisei me certificar — respondeu ele, impassível. — Não posso permitir escândalos.
Escândalos.
A palavra doeu mais do que ela esperava.
— Então é isso? — questionou, com a voz falhando. — Você me chamou aqui para proteger sua imagem?
— Eu chamei você aqui para propor uma solução — respondeu Daniel.
Ele se recostou na cadeira, cruzando os braços.
— Uma solução financeira — completou.
O ar pareceu sumir da sala.
— Você acha que eu vim aqui por dinheiro? — perguntou Lívia, levantando-se abruptamente.
— Não coloque palavras na minha boca — disse ele. — Estou oferecendo segurança.
— Para você — rebateu ela.
O silêncio que se seguiu foi pesado.
— Existe algo que você ainda não me contou? — perguntou Daniel, finalmente.
Lívia sentiu as pernas tremerem.
Era ali. Aquele era o momento.
— Sim — respondeu, em um fio de voz.
Ele franziu o cenho.
— O quê?
Ela levou a mão ao ventre, quase inconscientemente.
— Eu estou grávida.
O mundo pareceu parar.
Daniel permaneceu imóvel por alguns segundos, como se não tivesse entendido o que acabara de ouvir.
— Isso é impossível — disse, por fim.
— Não é — respondeu ela, sentindo as lágrimas ameaçarem cair. — Eu fiz o teste. Mais de uma vez.
— Você tem certeza? — perguntou ele, com a voz agora mais dura.
— Absoluta.
Ele passou a mão pelo rosto, andando de um lado para o outro do escritório.
— Isso muda tudo — murmurou.
— Para mim já mudou — respondeu Lívia. — Desde o momento em que eu vi aquelas duas linhas.
Daniel parou à sua frente.
— Se isso for verdade… — começou.
— É verdade — interrompeu ela. — E eu não vim aqui pedir nada.
— Então o que você quer? — questionou ele.
Ela o encarou, reunindo toda a coragem que tinha.
— Eu vou ter esse filho — disse. — Com ou sem você.
O olhar de Daniel escureceu.
— Você não entende o que está dizendo.
— Entendo perfeitamente — respondeu. — E não vou aceitar que você transforme isso em um contrato.
O silêncio voltou a tomar conta do ambiente.
Daniel respirou fundo.
— Eu preciso de tempo — disse, por fim.
— Eu não tenho — respondeu Lívia. — Meu tempo acabou no momento em que descobri que estava grávida.
Ela pegou a bolsa e se dirigiu à porta.
— Lívia — chamou ele.
Ela parou, mas não se virou.
— Isso ainda não acabou.
Ela respirou fundo antes de responder:
— Para mim, isso está só começando.
E saiu, sem olhar para trás.







