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O silêncio do banheiro era pesado, quase sufocante. Lívia segurava o teste de gravidez com tanta força que seus dedos começaram a doer, mas ela não conseguia soltar. Seus olhos estavam fixos naquele pequeno objeto de plástico como se, ao encará-lo por tempo suficiente, pudesse mudar o resultado. Seu coração batia acelerado, ecoando nos ouvidos, enquanto uma sensação gelada percorria sua espinha. Duas linhas. Ela piscou várias vezes, respirou fundo, aproximou o teste do rosto e depois o afastou novamente. Não havia dúvida. As duas linhas continuavam ali, firmes, inegáveis.
— Não… — murmurou, com a voz trêmula.
Suas pernas falharam, e ela se deixou escorregar até sentar no chão frio do banheiro. Encostou as costas na parede, abraçando os próprios joelhos, como se aquele gesto pudesse protegê-la da avalanche de pensamentos que invadia sua mente. Não podia ser verdade. Lívia tinha feito as contas. Ou pelo menos achava que tinha feito. Sempre foi cuidadosa, sempre teve medo de errar, de dar um passo maior do que podia. E agora, ali estava ela, com vinte e quatro anos, um salário que mal cobria as despesas do mês e uma notícia que mudaria sua vida para sempre. A lembrança daquela noite veio como um soco no estômago. O bar estava cheio, a música alta, e ela tinha ido apenas para tentar esquecer. Esquecer o chefe que a humilhara mais cedo, o aluguel atrasado, a sensação constante de estar sozinha no mundo. Não planejava beber tanto. Não planejava conversar com um desconhecido de olhar intenso e voz firme. Muito menos planejava ir embora com ele. Mas foi exatamente o que aconteceu. Daniel. O nome surgiu em sua mente acompanhado de imagens fragmentadas: o perfume amadeirado, as mãos seguras em sua cintura, o jeito sério misturado a uma confiança quase arrogante. Ele não fizera promessas, não trocara juras, nem perguntara sobre o futuro. Foi apenas uma noite. Uma noite sem expectativas. E agora, aquela noite tinha consequências.
— Meu Deus… — sussurrou, sentindo os olhos arderem. Ela se levantou devagar, apoiando-se na pia. O espelho refletia uma jovem de cabelos castanhos presos de qualquer jeito, olhos grandes cheios de medo e um rosto pálido demais para alguém que, minutos antes, ainda acreditava que tudo estava sob controle.
— O que eu vou fazer? — perguntou ao próprio reflexo. A resposta não veio. O celular vibrou sobre a pia, fazendo-a se assustar. Lívia encarou o aparelho como se ele fosse explodir a qualquer momento. Número desconhecido. Ela hesitou. Atender poderia significar mais problemas. Ignorar parecia impossível. Com a mão trêmula, deslizou o dedo pela tela.
— Alô? — disse, tentando manter a voz firme. Do outro lado da linha, um breve silêncio, seguido por uma respiração controlada.
— Lívia? — a voz masculina soou grave, segura. O mundo pareceu girar.
— Quem está falando? — perguntou, mesmo já sabendo a resposta.
— Daniel. Seu coração quase saiu pela boca.
— Como você conseguiu meu número?
— ela perguntou rapidamente, sentindo o nervosismo crescer.
— Eu tenho meus meios — respondeu ele, de forma simples.
— Precisamos conversar. Lívia fechou os olhos por um instante. Aquilo só podia ser uma brincadeira cruel do destino.
— Sobre o quê? — questionou, mesmo sabendo que aquela conversa não seria nada boa.
— Sobre aquela noite — disse ele, sem rodeios.
— E sobre as consequências. O ar pareceu faltar em seus pulmões.
— Eu não sei do que você está falando — mentiu, quase automaticamente.
— Sabe sim — a voz dele continuava calma demais.
— E prefiro tratar disso pessoalmente. Ela mordeu o lábio inferior, sentindo o desespero crescer.
— Eu não posso — respondeu.
— Estou ocupada.
— Isso não é um pedido, Lívia — disse ele, com firmeza.
— É uma necessidade. O tom autoritário despertou algo dentro dela: medo misturado com indignação.
— Você não manda em mim — rebateu, tentando recuperar o controle.
— Não estou tentando mandar — respondeu Daniel.
— Estou tentando evitar problemas maiores. Problemas maiores. Ela olhou novamente para o teste de gravidez sobre a pia. Se ele soubesse.
— Me diga onde você está — continuou ele.
— Eu vou até você. — Não — respondeu imediatamente.
— Não venha. — Então me diga onde posso encontrá-la. Lívia respirou fundo. Fugir não resolveria. Ignorar não faria aquilo desaparecer. Pela primeira vez, percebeu que sua vida estava saindo do eixo de forma irreversível.
— Amanhã — disse, por fim. — Podemos conversar amanhã. Houve uma breve pausa do outro lado da linha.
— Tudo bem — respondeu Daniel.
— Amanhã, às dez horas. Meu escritório.
— Seu escritório? — ela repetiu, confusa.
— Sim. Vou te enviar o endereço. Antes que ela pudesse responder, a ligação foi encerrada. O celular escorregou de sua mão e caiu na pia. Lívia voltou a sentar no chão do banheiro, abraçando a si mesma enquanto as lágrimas finalmente escapavam. Ela não sabia como, nem quando, mas uma coisa era certa: Aquelas duas linhas tinham acabado de mudar seu destino para sempre.







