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O silêncio entre o passado e o desejo

O clima na casa Alvarenga sempre foi impecável — confortável, elegante, silenciosamente rico. Mas naquela manhã, depois do café em que Noah reapareceu como se os últimos cinco anos tivessem sido apenas um intervalo, só tinham 24h que ele havia retornado, mas o ar parecia diferente. Mais denso. Mais consciente.

Ou talvez fosse só eu.

A bandeja de frutas ainda estava sobre a mesa quando terminei de limpar a cozinha. O barulho da água correndo na pia era minha única companhia até ouvir passos descendo a escada. Meu coração acelerou antes mesmo de verificar quem era. Eu sabia.

E lá estava ele.

Noah Alvarenga, com uma xícara de café nas mãos e a expressão de quem não dormiu direito. O cabelo castanho escuro um pouco bagunçado, como se tivesse passado a mão várias vezes enquanto pensava demais. Ele usava uma calça social preta e uma camisa branca dobrada nos antebraços — simples, mas ainda assim com aquele ar naturalmente elegante que ele carregava sem esforço.

Por um segundo, senti minha respiração falhar.

Droga, Ella. Controle-se.

— Bom dia — ele disse, a voz rouca, baixa, intimidadora de um jeito que só piorava a situação.

Fingi alguma naturalidade.

— Bom dia, Noah.

Ele se encostou na bancada, segurando a xícara como se precisasse dela para se manter no lugar.

— Meu pai quer conversar comigo mais tarde sobre a empresa. — Ele fez uma pausa, me observando com mais atenção do que o necessário. — Acho que hoje já começo a trabalhar oficialmente.

— Isso é bom, né? — murmurei, mantendo as mãos ocupadas com um pano de prato qualquer, como se aquilo tivesse importância. — Você sempre quis isso.

Era verdade. Noah sempre foi o tipo disciplinado, cheio de metas. A diferença é que, naquela época, ele também ria mais. Hoje, ele parecia mais… contido. Mais pesado.

— E você? — ele perguntou, desviando a atenção para mim tão rápido que me pegou de surpresa. — Você está estudando o quê mesmo?

Engoli seco. Ele lembrava. De alguma forma, ele lembrava.

— Administração. Faço a noite. A bolsa cobre boa parte. — Dei de ombros, tentando não parecer orgulhosa demais. — Faço estágio pela manhã, à tarde trabalho com a minha mãe aqui e depois vou pra faculdade.

— É impressionante. — Sua voz perdeu a firmeza por um segundo. — Sempre soube que você era determinada… mas ver isso assim… de perto…

Meu rosto esquentou. Desviei o olhar antes de fazer alguma besteira, como sorrir demais.

— Bom, eu… tento fazer o meu melhor.

Ele abriu a boca para responder, mas foi interrompido pela porta se abrindo.

Olívia entrou na cozinha como um furacão loiro de 19 anos, já maquiada, estilosa e com o celular na mão.

— Ella! Eiii, bom dia! — Ela veio até mim e me abraçou por trás, como sempre fazia. — Vamos sair hoje depois da minha aula? Preciso de você pra decidir uma coisa importante.

Antes que eu perguntasse, ela completou:

— Uma roupa. Para um encontro. — Aí ela olhou para o irmão e arqueou a sobrancelha. — E não, você não vai saber com quem.

Noah soltou um riso baixo. Um riso que eu não escutava há anos, e que, por um instante, me levou de volta aos dias em que tudo parecia mais simples.

— Você nem me dá tempo de perguntar — ele provocou.

— Porque você sempre acha que tem direito de opinar — ela rebateu, virando os olhos. — E sim, meu encontro não é com ninguém que você vá aprovar.

— Ótimo — ele respondeu, erguendo a xícara. — Já me sinto mais tranquilo.

Os dois continuaram a implicar um com o outro, mas eu apenas assistia. Uma sensação estranha tomou conta do meu peito. Familiaridade misturada com distância.

A família Alvarenga era, de certo modo, minha família também… mas nunca de verdade. A casa em que eu cresci, o sofá onde eu dormi quando era menor, os jantares em que eu sentava na ponta da mesa… tudo aquilo carregava uma linha invisível dividindo onde eu podia estar e onde eu nunca pertenceria.

— Ella — Olívia chamou, puxando minha mão. — Anda, preciso te mostrar uma coisa. É sério.

Assenti e segui com ela para o corredor, mas, antes de sair totalmente da cozinha, senti o olhar de Noah preso em mim. Tão intenso que parecia tocar minha pele. Me virei por puro reflexo — e nossos olhos se encontraram.

Foi rápido. Mas profundo o suficiente para me desequilibrar por dentro.

A porta se fechou atrás de mim, deixando o silêncio engolir tudo.

***

Olívia me arrastou até o quarto dela, colocou o celular de lado e suspirou dramaticamente antes de sentar na cama.

— Ok — ela disse. — Preciso falar com você sobre… o Noah.

Meu estômago virou.

— O quê… o quê que tem o Noah? — perguntei, tentando manter a voz neutra. Falhei miseravelmente.

Olívia não era boba. Nunca foi.

Ela cruzou os braços.

— Você acha que eu não vi a forma como ele ficou te olhando no café da manhã?

Senti minha garganta fechar.

— Ele não ficou me olhando — menti, péssima atriz. — Ele estava sendo educado.

— Ella — ela disse, com aquela voz de quem sabe exatamente o que está acontecendo. — Você não vê porque está nervosa, mas eu vejo. Eu sempre vi. Desde quando nós tínhamos 13 anos.

Meu rosto queimava.

— Liv, por favor…

— Eu não vou contar nada pra ninguém — ela garantiu, pegando minha mão. — Mas você precisa ter cuidado. Muito cuidado.

— Por quê?

Ela respirou fundo, como se pesasse cada palavra.

— Porque o meu irmão voltou… diferente. Mais fechado. Mais sério. E porque… — ela mordeu o lábio, hesitando — …meu pai tem planos para ele. Planos que envolvem casamento. E não com qualquer pessoa.

Meu coração congelou.

— Você está falando de… Helena?

Olívia assentiu.

— A própria. A linda, rica e insuportável Helena Ferraz.

Senti um gosto amargo na boca.

Noah e Helena. A combinação perfeita… no papel. No mundo deles.

— Então… não há problema algum — disse, mesmo sabendo que soava falsa. — Ele nunca olharia para mim desse jeito.

Olívia suspirou.

— Ella… talvez você esteja enganada.

Virei o rosto. Eu não podia permitir que aquela esperança crescesse. Não podia cometer esse erro.

— Mesmo que eu estivesse — respondi, com um fio de voz — …nada disso importa.

Olívia me abraçou.

E, no fundo, eu sabia: importava. Talvez demais.

***

Mais tarde, quando desci para buscar algo na cozinha antes de ir para a aula, encontrei Noah sozinho. De novo.

Ele estava de costas, mexendo no celular. Quando ouviu meus passos, ergueu o olhar.

E me sorriu.

Não um sorriso educado.

Um sorriso… perigoso.

— Você vai pra faculdade? — perguntou.

Assenti.

— Posso te levar.

Meu coração bateu descompassado, mas tentei parecer indiferente.

— Não precisa. Eu vou de ônibus.

Ele deu alguns passos em minha direção — lentos, firmes, quase calculados.

— Ella, deixa eu te levar.

Não era um pedido. Era uma insistência suave… mas carregada de algo que eu ainda não tinha nomeado.

Segurei a alça da minha bolsa com força, tentando esconder o tremor das minhas mãos.

— Tudo bem.

E, quando ele sorriu de novo…

Eu soube que minha vida estava prestes a mudar.

Para sempre.

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