Antes dele partir

Eu tinha nove anos quando me mudei para a mansão dos Alvarenga — uma casa tão grande que meus passos pareciam ecoar como se eu estivesse caminhando numa história que não era minha.

Lembro-me de ter apertado a mão da minha mãe enquanto ela conversava com Cristina, a patroa, na entrada imponente da casa. O chão era tão brilhante que eu podia me ver refletida, e a primeira coisa que pensei foi: “Esse lugar parece um palácio… e eu nunca vou me encaixar aqui.”

Minha mãe, Márcia Monteiro, segurava meus ombros com aquele jeito firme e delicado que ela sempre teve. Ela passou por muitas coisas sozinha para me criar — e mesmo assim nunca perdeu a postura, nunca deixou que eu percebesse o cansaço. Trabalhar como governanta da família Alvarenga era sua chance de dar uma vida melhor para nós duas, ou pelo menos foi assim que ela me explicou naquela tarde.

Foi também naquele dia que conheci Olívia Alvarenga.

Ela tinha dez anos — e já parecia uma pequena tempestade loira prestes a acontecer. Ela simplesmente apareceu no hall de entrada, com um vestido azul de tule e chinelos cor-de-rosa, como se fosse a dona do mundo. E talvez fosse mesmo.

— Oi — ela disse, batendo os olhos em mim como se estivesse escolhendo uma aliada. — Você vai morar aqui?

Assenti devagar.

— Ótimo! — ela sorriu. — Eu sempre quis uma amiga que morasse comigo.

E assim, sem cerimônias, Olívia me puxou pela mão e me levou para conhecer todos os cantos da casa, ignorando completamente os protestos de Cristina para que ela se comportasse. Não demorou muito para percebermos que éramos perfeitas juntas — ela com suas ideias malucas, e eu com meu senso de prudência que, na maior parte das vezes, era ignorado mesmo.

Mas a primeira vez que vi Noah, irmão dela, eu soube que minha vida inteira ia mudar.

Ele tinha quatorze anos na época — alto para a idade, os cabelos escuros caindo nos olhos, e uma expressão eterna de “sou mais velho e não quero ser incomodado”. Quando entrou na sala, lembro-me claramente de Olívia dizer:

— Esse é meu irmão, mas ignora ele. Noah é chato.

Noah apenas revirou os olhos.

Mas quando olhou para mim… eu quase esqueci como respirar.

Não foi amor. Não daquele jeito romântico, ardente, adulto. Foi algo pequeno, delicado, uma faísca que se acendeu bem devagar, algo entre admiração e curiosidade. Como se ele fosse um fragmento de um mundo diferente, um que eu nunca teria acesso, mas que me fascinava mesmo assim.

— Oi — ele disse, sem esforço. — Você é a filha da Márcia?

Assenti.

— Eu sou Ella.

Ele sorriu de um jeito curto, quase tímido — o tipo de sorriso que alguém dá quando não está acostumado a sorrir muito.

— Bem-vinda, então.

E só isso bastou para que algo se instalasse dentro de mim. Eu não sabia explicar, não naquela idade, mas Noah tinha esse efeito: presença silenciosa, olhar marcante, gestos contidos que diziam mais do que qualquer palavra.

Crescer naquela casa foi aprender a dividir dois mundos: o deles e o meu.

O mundo dos Alvarenga tinha jantares de gala, corredores enormes e uma vida que parecia feita de mármore e vidro.

O meu mundo era o quarto pequeno ao lado da lavanderia, minhas roupas dobradas em silêncio e minha mãe sempre me lembrando:

— Humildade nunca é vergonha, Ella. É força.

E eu aprendi a equilibrar isso.

Aprendi a não me sentir menor — mas a lembrar que aquele não era meu lugar.

Olívia tornou esse processo mais fácil.

Ela era meu refúgio, meu caos preferido.

Nós estudávamos juntas, fazíamos trabalhos de escola lado a lado, e quando chegamos à adolescência, dividimos segredos sussurrados à noite.

Foi através dela que comecei a falar — mesmo que pouco — sobre Noah.

Ele cresceu rápido.

Aos quinze anos, já era o tipo de garoto que todas as meninas da escola notavam. Atleta, inteligente, extremamente reservado. Ele ajudava a mãe com eventos, acompanhava o pai em reuniões e sempre parecia carregar o peso de algum destino traçado antes mesmo de nascer.

E eu… eu era apenas a garota que vivia na casa dele.

Minha paixão por ele foi crescendo de forma silenciosa, quase devota.

Eu o observava de longe — sempre de longe.

Quando ele passava pelo corredor com a mochila pendurada, quando ria das piadas de Olívia, quando estudava na biblioteca com os fones no ouvido.

Eu decorava esses detalhes como quem decora orações.

Olívia percebeu antes mesmo que eu admitisse.

— Você gosta dele — ela afirmou um dia, com um sorriso malicioso que só as melhores amigas conseguem fazer parecer gentil. — Mas não precisa ter vergonha. Eu acho fofo.

— Não gosto — murmurei, vermelha, o que obviamente só comprovou tudo.

Ela riu alto.

A gente tinha doze anos.

E segredos assim, naquela idade, viram eternidade.

Mas a eternidade durou pouco.

Quando Noah completou dezoito anos, Henrique anunciou que ele iria estudar Administração e Relações Internacionais na Suíça. Uma oportunidade, segundo ele, que prepararia o filho para assumir o legado da família.

Lembro-me do dia da despedida.

O aeroporto cheio, Cristina tentando segurar o choro, Henrique formal como sempre, e Olívia dizendo que um dia iria visitá-lo.

Eu fiquei alguns passos atrás, ao lado de minha mãe, tentando parecer tranquila — mas sentindo o coração apertado como se perdesse algo que nunca foi meu.

Noah olhou para mim por um longo segundo antes de entrar no portão de embarque.

Um olhar silencioso.

Indecifrável.

Quase… amargo.

— Cuida daqui pra mim, Ella — ele disse, e sorriu.

E então ele foi embora.

E eu achei que minha paixão ia morrer ali, naquele mesmo instante, soterrada pela distância e pela realidade.

Mas não morreu.

Só aprendeu a esperar.

Esperei cinco anos.

E quando ele voltou…

Voltou homem.

Voltou diferente.

Voltou capaz de virar tudo do avesso com um único olhar.

E agora, ao lembrar daquele passado, eu percebo:

O meu erro não foi ter me apaixonado.

Foi ter acreditado que aquele sentimento permaneceria inofensivo quando ele retornasse.

Eu estava muito enganada.

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