AIYANA
A água do rio corria fria sob meus pés quando finalmente nos ajoelhamos à margem. A floresta ao redor parecia prender o fôlego, como se soubesse que ainda era cedo para baixar a guarda.
Com cuidado, sentei minha avó em uma pedra coberta de musgo. Ela arfava baixo, o rosto tenso, mas ainda lúcido. Abaixei-me diante dela e mergulhei um pano na correnteza gelada, limpando o sangue seco ao redor do ferimento no ombro.
—Vai arder um pouco, vó. —avisei.
Ela assentiu, firme, como sempre foi. Eu me lembrava de quando ela me ensinava a identificar ervas, a ler o céu antes das chuvas, a ouvir o mato antes que a alcateia notasse qualquer coisa. Agora, era a minha vez de cuidar.
AIYANAAlyssa recuou, os olhos vermelhos e a respiração falha. Eu a segurei pelos ombros, confusa com o tremor que percorria seu corpo.—Alyssa...?—Meu pai —ela sussurrou, a voz quebrada, como se cada palavra lhe cortasse por dentro — Ele... ele não conseguiu sair. Ele ficou para trás.As lágrimas escorreram antes mesmo que ela terminasse a frase.Eu a puxei para perto, envolvendo-a em um abraço apertado, enquanto ela chorava contra meu ombro.Max se aproximou então, a voz baixa, mas firme, como se segurasse o mundo inteiro nas costas.—Poucos sobreviveram. Mas... consegui enviar os betas para o acampamento do norte. Eles estão levando os feridos. E... as crianças.A esperança que suas palavras poderiam carregar se dissipou rapidamente, substituída pelo peso do que não foi dito: a maioria não sobreviveu. Scott estava morto. O pai de Alyssa também.Minha garganta se apertou.E então, como se algo puxasse meus olhos, os dele se moveram.Max olhou para Isabela.E ela... ela o olhou de v
AIYANAA manhã chegou cinzenta, com o tipo de frio que se instala primeiro no peito antes de alcançar a pele.As brasas da fogueira crepitavam baixo, lançando faíscas preguiçosas no ar úmido. Poucos flocos de neve dançavam entre os galhos nus. O cheiro do peixe grelhado que Icarus e eu pescamos misturava-se com o da fumaça e da madeira molhada. Era tudo tão silencioso que até os estalos do fogo pareciam altos demais.Todos comiam em silêncio. Ou fingiam.Alyssa alimentava o menor dos dois órfãos com cuidado, partindo o peixe com as mãos. O outro menino estava sentado entre os joelhos de Lucas, que mal havia tocado sua comida. A dor deixava todos lentos, cautelosos, meio surdos. Como se qualqu
AIYANAEu não deveria estar aqui. Deveria estar com os outros, ajudando, planejando o que fazer a seguir. Mas, em vez disso, meus pés me trouxeram até aqui, para perto do rio, para onde Maxim está.Ele estava na água fria, mais distante de olhares. As roupas dele estão espalhadas sobre uma pedra, e isso me fez parar por um instante. Eu não sei se deveria continuar andando, se deveria deixá-lo em paz, ou se esse era o momento. O momento em que eu tinha que dizer o que estava sufocando minha garganta.Eu sabia o que precisava dizer. Sabia que havia uma montanha de coisas não ditas entre nós. Mas a voz na minha cabeça, a voz da minha loba, me dizia que não era o momento certo. Que ele não estava pronto. Que eu também não
AIYANAVocê deve obediência.Aquilo foi demais. Eu não sabia mais o que fazer com essa raiva crescente dentro de mim, e as palavras saíram antes que eu pudesse pensar.— Vai se foder, seu idiota. Coma pau. — disse sem filtro, minha voz cortante e cheia de desprezo.Maxim riu, um som baixo, cruel, e sem nenhum vestígio de arrependimento em seu olhar. Como se fosse tudo uma piada para ele.— Que classe. A decisão que eu tomei não vai mudar — ele disse, o sorriso ainda no rosto, mas com uma dureza crescente nas palavras.Isso só me fez ficar ainda mais furiosa. Não ia mais deixar ele me tratar como uma garota fraca, submissa.<
AIYANA—Eu vou com eles.— disse, observando Max conversar com minha vó,eles estão na margem do rio e minha vó parece irritada. Icarus me encarou e arqueou uma sobrancelha, ele estava silencioso desde que me encontrou com Maxim mais cedo, ele também parecia irritado e estava com um péssimo humor. —O quê?— Pare de ficar atrás dele como um maldito cachorrinho. — ele rosnou, jogando pedaços de madeira que pegamos na floresta no chão, bem próximo dos meus pés. O que, é claro,me fez pular e gritar.—Ei! — retruquei, me afastando um passo. — Qual o seu problema?Icarus se aproximou, os olhos queimando em âmbar, como se uma tempestade estivesse por trás deles. Ele parecia prestes a explodir, e por um segundo, achei qu
AIYANAO céu já começava a perder a cor, tingido por um dourado opaco que logo se dissolveria no azul escuro da noite. As sombras se arrastavam pelas árvores, e o som distante do rio ajudava a manter meu foco enquanto eu deslizava a lâmina da faca pela pedra de amolar, com movimentos lentos e cuidadosos.Uma das três. A de caça. As outras duas já estavam no lugar, uma presa no interior da minha bota esquerda, a outra, no cós da calça, na parte de trás.Senti o olhar dele antes mesmo de ouvir a voz.— Você não devia ir com ele.Icarus estava de pé a poucos passos, os braços cruzados sobre o peito e aquele cenho franzido que ele achava que escondia o que sentia. Não escondia.Levantei o
AIYANAMordi o lábio inferior, encarando o cenário à frente.— Precisamos entrar nas casas. Ver se tem algo que conseguimos usar. Comida, água, roupas limpas e armas. — falei, soltando seu braço devagar.Max assentiu, firme, mas não se mexeu de imediato. Ele olhou mais uma vez para o espaço vazio onde o corpo do pai estivera. Eu podia sentir a pergunta queimando nele: o que eles fizeram com ele?Eu também queria saber.Mas agora… agora era sobreviver primeiro.— Vamos. — murmurei, começando a andar em direção à antiga casa dos Roffman.
AIYANAMeus dedos tremeram quando a puxei para fora.Dentro, havia apenas duas coisas.Uma foto, minha mãe sorrindo com uma linda barriga de grávida, os olhos tão vivos que pareciam me seguir e o colar que ela deixou para mim. Um pingente em formato de lua crescente, pequeno, mas meu maior tesouro.Peguei a foto com cuidado, como se o papel antigo pudesse desmanchar sob meus dedos. Por um instante, tudo ao meu redor sumiu. Eu só via ela. O brilho nos olhos, o cabelo solto dançando ao vento. Ela parecia tão viva naquela imagem que meu peito doeu.Depois, peguei o colar e o coloquei no pescoço com um cuidado quase cerimonial. Quando ele repousou sobre minha pele, algo dentro de m