AIYANAA manhã chegou cinzenta, com o tipo de frio que se instala primeiro no peito antes de alcançar a pele.As brasas da fogueira crepitavam baixo, lançando faíscas preguiçosas no ar úmido. Poucos flocos de neve dançavam entre os galhos nus. O cheiro do peixe grelhado que Icarus e eu pescamos misturava-se com o da fumaça e da madeira molhada. Era tudo tão silencioso que até os estalos do fogo pareciam altos demais.Todos comiam em silêncio. Ou fingiam.Alyssa alimentava o menor dos dois órfãos com cuidado, partindo o peixe com as mãos. O outro menino estava sentado entre os joelhos de Lucas, que mal havia tocado sua comida. A dor deixava todos lentos, cautelosos, meio surdos. Como se qualqu
AIYANAEu não deveria estar aqui. Deveria estar com os outros, ajudando, planejando o que fazer a seguir. Mas, em vez disso, meus pés me trouxeram até aqui, para perto do rio, para onde Maxim está.Ele estava na água fria, mais distante de olhares. As roupas dele estão espalhadas sobre uma pedra, e isso me fez parar por um instante. Eu não sei se deveria continuar andando, se deveria deixá-lo em paz, ou se esse era o momento. O momento em que eu tinha que dizer o que estava sufocando minha garganta.Eu sabia o que precisava dizer. Sabia que havia uma montanha de coisas não ditas entre nós. Mas a voz na minha cabeça, a voz da minha loba, me dizia que não era o momento certo. Que ele não estava pronto. Que eu também não
AIYANAVocê deve obediência.Aquilo foi demais. Eu não sabia mais o que fazer com essa raiva crescente dentro de mim, e as palavras saíram antes que eu pudesse pensar.— Vai se foder, seu idiota. Coma pau. — disse sem filtro, minha voz cortante e cheia de desprezo.Maxim riu, um som baixo, cruel, e sem nenhum vestígio de arrependimento em seu olhar. Como se fosse tudo uma piada para ele.— Que classe. A decisão que eu tomei não vai mudar — ele disse, o sorriso ainda no rosto, mas com uma dureza crescente nas palavras.Isso só me fez ficar ainda mais furiosa. Não ia mais deixar ele me tratar como uma garota fraca, submissa.<
AIYANA—Eu vou com eles.— disse, observando Max conversar com minha vó,eles estão na margem do rio e minha vó parece irritada. Icarus me encarou e arqueou uma sobrancelha, ele estava silencioso desde que me encontrou com Maxim mais cedo, ele também parecia irritado e estava com um péssimo humor. —O quê?— Pare de ficar atrás dele como um maldito cachorrinho. — ele rosnou, jogando pedaços de madeira que pegamos na floresta no chão, bem próximo dos meus pés. O que, é claro,me fez pular e gritar.—Ei! — retruquei, me afastando um passo. — Qual o seu problema?Icarus se aproximou, os olhos queimando em âmbar, como se uma tempestade estivesse por trás deles. Ele parecia prestes a explodir, e por um segundo, achei qu
AIYANAO céu já começava a perder a cor, tingido por um dourado opaco que logo se dissolveria no azul escuro da noite. As sombras se arrastavam pelas árvores, e o som distante do rio ajudava a manter meu foco enquanto eu deslizava a lâmina da faca pela pedra de amolar, com movimentos lentos e cuidadosos.Uma das três. A de caça. As outras duas já estavam no lugar, uma presa no interior da minha bota esquerda, a outra, no cós da calça, na parte de trás.Senti o olhar dele antes mesmo de ouvir a voz.— Você não devia ir com ele.Icarus estava de pé a poucos passos, os braços cruzados sobre o peito e aquele cenho franzido que ele achava que escondia o que sentia. Não escondia.Levantei o
AIYANAMordi o lábio inferior, encarando o cenário à frente.— Precisamos entrar nas casas. Ver se tem algo que conseguimos usar. Comida, água, roupas limpas e armas. — falei, soltando seu braço devagar.Max assentiu, firme, mas não se mexeu de imediato. Ele olhou mais uma vez para o espaço vazio onde o corpo do pai estivera. Eu podia sentir a pergunta queimando nele: o que eles fizeram com ele?Eu também queria saber.Mas agora… agora era sobreviver primeiro.— Vamos. — murmurei, começando a andar em direção à antiga casa dos Roffman.
AIYANAMeus dedos tremeram quando a puxei para fora.Dentro, havia apenas duas coisas.Uma foto, minha mãe sorrindo com uma linda barriga de grávida, os olhos tão vivos que pareciam me seguir e o colar que ela deixou para mim. Um pingente em formato de lua crescente, pequeno, mas meu maior tesouro.Peguei a foto com cuidado, como se o papel antigo pudesse desmanchar sob meus dedos. Por um instante, tudo ao meu redor sumiu. Eu só via ela. O brilho nos olhos, o cabelo solto dançando ao vento. Ela parecia tão viva naquela imagem que meu peito doeu.Depois, peguei o colar e o coloquei no pescoço com um cuidado quase cerimonial. Quando ele repousou sobre minha pele, algo dentro de m
AIYANAA floresta parecia suspeita à medida que nos aproximávamos do refúgio. O ar estava carregado com algo que eu não conseguia definir, como se a própria terra estivesse segurando a respiração, esperando por algo.Maxim andava ao meu lado, os passos ritmados, mas com a expressão tensa, e o silêncio entre nós parecia ainda mais desconfortável do que as palavras que não trocamos antes. A noite, agora completamente escura, engolia tudo ao redor, e apenas a luz da lua filtrava-se pelas copas das árvores, como um farol que nos guiava para o desconhecido.A tensão estava alta. A perda de Azz ainda pairava sobre nós, deixamos seu pequeno corpo no santuário. Alyssa, embora tentando se manter firme, estava quebrada por dentro. Seu olhar se perdia, sua mão tremia enquanto segurava a do irmão de Azz. Eu sabia o quanto ela se apegara aos dois meninos, e a dor estava estampada em seu rosto. A tristeza não era algo que poderia ser escondido.Chegamos a clareira, onde as árvores se abriam, forma