Mundo de ficçãoIniciar sessãoNina não desviou o olhar.
O lado direito do rosto de Matteo Salvatore era um mapa de destruição. Cicatrizes se entrelaçavam como raízes retorcidas, a pele esticada e brilhante em alguns lugares, irregular e áspera em outros. O canto da boca era puxado para cima em um meio sorriso permanente e grotesco, e o olho — ou o que restava dele — estava parcialmente fechado por tecido cicatricial.
Era chocante, mas Nina não recuou.
Ela viu nos rostos de outras pessoas nos anos que passou naquele mundo. Viu as rugas de dor ao redor do olho bom. Viu a tensão na mandíbula. Viu um homem que esperava horror, repulsa, talvez até gritos.
Em vez disso, Nina apenas olhou. Realmente olhou.
— O que fez isso?— ela perguntou calmamente, como se estivesse perguntando sobre o tempo.
Matteo piscou, claramente pego de surpresa.
— O fogo causou essas cicatrizes.
— Doeu?
Uma pergunta estúpida, Nina percebeu imediatamente. Claro que doeu. Mas Matteo não zombou dela. Em vez disso, algo quase parecido com diversão passou por seu rosto.
— Mais do que qualquer coisa que você possa imaginar.
Nina assentiu, tomando um gole do uísque. O líquido queimou sua garganta, mas ela não fez careta.
— Quem fez isso com você?
— Isso importa?
— Não. — Nina colocou o copo de volta na mesa. — Mas imagino que quem quer que tenha feito já esteja morto.
Dessa vez, Matteo realmente sorriu. Ou tentou. O lado esquerdo de sua boca se curvou enquanto o direito permanecia preso em seu meio sorriso grotesco.
— Muito perceptiva, senhorita Russo.
— É Nina. — Ela se recostou na poltrona, forçando-se a parecer mais relaxada do que se sentia. — Se vamos nos casar, você pode me chamar de Nina.
Matteo estudou-a por um longo momento, como se estivesse tentando decifrar um quebra-cabeça particularmente complexo. Ele lentamente recolocou a máscara, prendendo as tiras de couro com movimentos praticados.
— Você não gritou — ele disse finalmente.
— Deveria ter gritado?
— A maioria grita. Ou desvia o olhar. Ou... — ele fez uma pausa, — vomita.
Nina franziu o cenho.
— Não é tão chocante. Eu já vi piores acidentes.
Era mentira.
Ela nunca tinha visto nada remotamente parecido. Mas algo na expressão de Matteo fez Nina querer aliviar aquilo, mesmo que fosse apenas um pouco.
— Você está mentindo — Matteo disse sem rodeios, mas não havia raiva em sua voz.
— Talvez — Nina admitiu. — Mas não estou com nojo. E não vou gritar ou desmaiar. Se é isso que você quer saber.
Matteo voltou para sua cadeira, movendo-se com aquela graça controlada novamente. Ele pegou o copo de uísque mas não bebeu, apenas o girou entre os dedos.
— Por que você fez isso? — ele perguntou de repente.
— Fiz o quê?
— Pediu para ver. — O olho verde-escuro fixou-se nela com intensidade. — A maioria preferiria viver na ignorância. Fingir que a máscara é o rosto verdadeiro.
Nina considerou a pergunta. Por que ela tinha pedido? Talvez porque viver com a imaginação fosse pior do que conhecer a verdade. Ou talvez porque, se ia se casar com aquele homem, compartilhar sua cama, carregar seus filhos, ela merecia saber o que estava enfrentando.
— Porque eu não gosto de surpresas — ela disse finalmente. — E porque segredos têm o hábito de se tornarem veneno.
Algo mudou na expressão de Matteo. Um leve relaxamento nos ombros. Uma inclinação quase imperceptível da cabeça. Aprovação.
— Você é diferente — ele disse, mais para si mesmo do que para ela.
— Diferente de quem?
— Das outras.
Nina não precisou perguntar quais outras. A ex-noiva que fugiu. As mulheres que devem ter sido apresentadas a ele ao longo dos anos. As que o olharam como se fosse um monstro.
— Sou apenas prática — Nina disse com um dar de ombros. — Isso é um negócio. Você precisa de uma esposa e um herdeiro. Eu preciso salvar minha família. Fingir horror não muda os fatos.
— Um negócio — Matteo repetiu, e havia algo estranho em sua voz. Decepção? Não, Nina decidiu. Alívio. Como se preferisse que fosse apenas um negócio. — Então você concorda com os termos?
— Tenho escolha?
— Não.
Pelo menos ele era honesto.
— Então sim — Nina disse. — Eu concordo.
Matteo assentiu e abriu uma gaveta da mesa, retirando um envelope grosso. Ele o deslizou pela superfície polida até Nina.
— Leia. É o contrato de casamento.
Nina pegou o envelope, surpresa com o peso. Dentro havia um documento de várias páginas em papel timbrado, com texto jurídico denso. Ela começou a ler, forçando-se a focar apesar da situação surreal.
O documento era meticuloso. Detalhava cada aspecto do casamento: onde viveriam (a mansão dele), sua mesada mensal (generosa, Nina admitiu relutantemente), as expectativas conjugais (ela deveria estar disponível para ele sempre que ele desejasse, frase que fez seu estômago revirar), a questão do herdeiro (ela seria submetida a exames médicos para garantir fertilidade), e as consequências de infidelidade (morte, sem rodeios).
Havia também cláusulas sobre seu comportamento em público, suas roupas, com quem poderia interagir. Era, em essência, um documento que a transformava em propriedade.
— Isso é... abrangente — Nina disse quando terminou, sua voz mais controlada do que se sentia.
— Prefiro clareza a ambiguidade — Matteo respondeu. — Você sabe exatamente o que está assinando.
— E se eu quiser adicionar algo?
Matteo ergueu uma sobrancelha. — Como o quê?
Nina respirou fundo. Ela precisava de algum controle, mesmo que mínimo. Alguma garantia de que não seria completamente apagada.
— Eu quero acesso a livros. Uma biblioteca. — Ela viu Matteo começar a falar e continuou rapidamente. — E quero poder sair da mansão pelo menos uma vez por semana. Acompanhada, se você insistir, mas preciso sair.
— Por quê?
— Porque se você me trancar completamente, vou enlouquecer — Nina disse francamente. — E uma esposa louca não é útil para ninguém.
Matteo a estudou por um longo momento.
— Uma biblioteca você já tem. Esta casa tem três. — Ele fez uma pausa. — Quanto a sair... você pode sair duas vezes por semana. Com segurança. E apenas para lugares que eu aprovar previamente.
Não era liberdade, mas era algo.
— Aceitável — Nina concordou.
— Mais alguma coisa?
Nina hesitou, depois decidiu arriscar. — Eu quero ver minha mãe. Pelo menos uma vez por mês.
A expressão de Matteo endureceu. — Sua família é parte do problema que nos trouxe aqui.
— Meu pai é o problema — Nina corrigiu. — Minha mãe é apenas... ela está presa, assim como eu estarei. Ela não merece ser punida.
— Punida — Matteo repetiu, como se a palavra fosse engraçada. — Você acha que este casamento é uma punição?
— Não é?







